A fuga anunciada de Jair

Em recente evento político orquestrado por seus apoiadores, em meio ao pastoreio, Jair Bolsonaro disse a quem quisesse ouvir: “PODERIA ESTAR MUITO BEM EM OUTRO PAÍS. Preferi voltar para cá com todos os riscos que corro. Não tenho medo de qualquer julgamento, DESDE QUE OS JUÍZES SEJAM ISENTOS”. Proferida em 16 de março deste ano, a frase foi reproduzida em quase todos os portais e jornais do país.

O ex-presidente já anunciou sua fuga. E só não vê quem não quer.

Não raro se utilizando de estratégias de guerrilha, Jair várias vezes mostrou alguma transparência em suas ameaças. Exatamente como agora.

Ameaças que nem sempre foram levadas a sério pelos liberais passapanistas de conveniência (“ah, é bravata. Ele fala, fala, mas não teria coragem...”). E o país viu no que deu.

E eis que Jair anuncia aos quatro ventos, com todas as letras, que, do jeito que as coisas vão, irá se escafeder.

Mas muitos seguem sem (querer) acreditar.

Desde o último dia 16 de março a chapa já esquentou. E muito.

Ele já é formalmente investigado por crimes graves: tentativa de abolição do Estado democrático, tentativa de deposição de governo legítimo, falsidades, peculato, organização criminosa, entre outros. Já é alvo de medidas restritivas, como apreensão de passaporte. E já aparece de forma escancarada nas bocas de delatores, de estrelados e de matildes. Um deles chegou a se prestar ao papel patético de tentar descredibilizar as investigações, inclusive contra seu ex-chefe (ex?), com supostos desabafos em autoentrevista convenientemente vazada.

A frase “poderia estar muito bem em outro país”, mais do que apenas verossímil, revelou-se escancaradamente verdadeira: em pleno carnaval, já com passaporte apreendido e medidas restritivas, Jair se hospedou “em outro país”. Isso dá a medida clara de que o ex-mandatário tem, sim, rotas de fuga, meios de escape a uma iminente constrição judicial mais rigorosa.

“Desde que os juízes sejam isentos”, a seu turno, é uma oração condicionada, com carga inteiramente subjetiva, política e conveniente. E não técnico-jurídica, embora a temática de fundo o seja. É Jair quem julga se seu juiz é isento. A frase é repetidamente compartilhada com seus sectários, que, nessa qualidade, é claro, pensam como seu líder.

A impressão subjetiva de Jair quanto à falta de isenção do julgador já foi exteriorizada, inclusive em ambiente jurídico, em respaldo à narrativa politica: sua defesa técnica, por mais de uma vez, postulou retirar o Min. Alexandre de Moraes da jurisdição que exerce em seus casos. Mesmo já tendo sido por 192 vezes recusada a suspeição de Moraes pela presidência do STF, a defesa de Jair fez questão de marcar posição em postulação juridicamente frívola, mas politicamente alinhada. Arguiu seu impedimento e sua suspeição em mais de uma oportunidade, o que também já foi noticiado por toda imprensa (por exemplo, https://www.brasil247.com/brasil/acuado-bolsonaro-recorre-para-que-plenario-do-stf-julgue-impedimento-de-moraes-em-inqueritos-sobre-trama-golpista).

Resumo: Jair já apresentou a narrativa, através de sua defesa, de que não está submetido a “juízes isentos”. Já demonstrou concretamente que não precisa se submeter a essa jurisdição, uma vez que “poderia estar em outro país”.

Dois mais dois...