A intervenção militar que culminou na morte de Marielle
"A relação corrupta entre as Polícias Militar e Civil do Rio de Janeiro e o crime organizado é notória e antiga"
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O assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes em 2018 foi o legado da intervenção federal via Exército no Rio de Janeiro, obra do governo de Michel Temer. Vale registrar que, de janeiro a março daquele mesmo ano, 12 ativistas sociais foram mortos em aparentes crimes de mando no Brasil. A intervenção no Rio, uma forma de Temer apossar-se da bandeira eleitoral da segurança pública, foi duramente criticada pela ONU e pela Anistia Internacional, com base em experiências anteriores fracassadas.
“O uso repetido de força letal sugere o fracasso do governo brasileiro em tomar medidas de precaução para impedir a perda de vidas”, dizia um comunicado interno da ONU assinado por Agnes Callamard, relatora especial sobre Execuções Sumárias, Sabelo Gumedze, chefe do Grupo de Trabalho sobre Povos de Descendência Africana, e Dainius Puras, responsável pela relatoria em Direito à Saúde. O comunicado baseava-se na execução de cinco menores no Rio de Janeiro entre março e julho de 2017, e externava o temor de que, com o incremento do uso das Forças Armadas, quadros desse tipo recrudescessem.
Não só recrudesceram como alcançaram uma personagem política de relevo local como Marielle Franco, com a conivência do delegado-chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, nomeado pelo interventor federal, general Braga Neto.
Na época da intervenção, até o general Eduardo Villas-Bôas, comandante do Exército, classificou uso banalizado das Forças Armadas como temerário, posto que soldados não são treinados para esse tipo de atividade. Claro, não foram soldados que mataram a vereadora, mas o chefe de Política sintonizado com os mandantes fora escolhido a dedo por um general.
O coordenador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, deu a letra a este colunista àquela época: “Nós deveríamos privilegiar novas estratégias de funcionamento institucional, de combate à corrupção, o fim das indicações políticas para os batalhões, uma série de medidas que tem a ver com o que eu chamo de uma nova governança do sistema de segurança pública e justiça criminal”.
A relação corrupta entre as Polícias Militar e Civil do Rio de Janeiro e o crime organizado - seja o tráfico, seja a milícia, seja o jogo do bicho - é notória e antiga. Há fartos estudos, relatórios, reportagens e filmes. O cinema já retratou a criminalidade policial carioca inúmeras vezes. Não existe surpresa, portanto, no envolvimento de um delegado na morte de uma vereadora.
Mudar esse perfil exige, primeiro, uma ação de inteligência policial, operada pelos verdadeiros policiais, e vontade política. Segundo, a médio prazo, é necessária uma profunda mudança institucional.
A Constituição Federal não define segurança pública nem ordem pública, tanto menos as diferencia. A Carta apenas indica quais instituições podem promover segurança pública e, no artigo 144, cita as polícias e desconecta Ministério Público e Poder Judiciário de um engajamento intensivo. Boa parte das instituições que o artigo 144 arrola como sendo responsáveis pela área funcionam com base em normas e legislações infraconstitucionais anteriores à própria Constituição. A Polícia Militar funciona com uma legislação de 1979. Em nenhum momento foi-se ao Supremo Tribunal Federal para saber se essa legislação infraconstitucional foi recepcionada pela Constituição.
O fluxo entre o sistema de justiça criminal e a segurança abdica equivocadamente de técnicas de investigação. Não se pode viver de flagrantes: se um policial prender um criminoso hoje, amanhã surge um substituto se não se atacar o ponto da receptação e a distribuição dos produtos roubados e furtados, por exemplo. O fulcro da questão é que as polícias são muito mal estruturadas para fazer frente ao dilema da violência contemporânea, às novas formas de criminalidade, sejam elas organizadas ou não.
Além disso, a rivalidade e a ausência de cooperação entre as Polícias Civil e Militar constituem outro fator responsável pela ascensão da violência urbana.
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