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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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A "treinabilidade" de Tite e o futebol brasileiro em estado terminal

Até a influência do projeto de poder neopentecostal é perceptível no esporte mais popular do país

Tite (Foto: REUTERS/Kim Hong-Ji)
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Quantos trabalhadores no Brasil têm o privilégio de serem poupados de exercer suas funções, sob recomendação de Fisiologistas preocupados em não “estourarem” o seu condicionamento físico? E olha que em determinadas ocupações o sujeito emprega um esforço desgastante, sem ao menos ter o direito de se hidratar com um simples copo d’água a cada uma hora de trabalho. No mundo do futebol, sobretudo, ou, quase exclusivamente, no futebol brasileiro, cada vez mais a parte da sociedade, boa parte dos “trabalhadores” da bola, mesmo não rendendo e entregando o resultado esperado por seus empregadores, são agraciados com um tratamento diferenciado que os coloca na condição de príncipes e reis de uma monarquia burlesca, com o perdão do pleonasmo, cujos vassalos torcedores são obrigados a reverenciá-los sem que nunca tenha tido majestade alguma no esporte que praticam.

Nós que acompanhamos futebol há algum tempo, vimos observando algumas mudanças (algumas positivas) nas regras, na filosofia, na medicina esportiva e, principalmente, na qualidade tática e técnica do nosso futebol pentacampeão mundial. Não sou especialista em fisiologia, não sou professor de educação física, não sou médico do esporte, mas não sou tão distraído ao ponto de não perceber que, quanto mais a medicina evolui no futebol, mais o rendimento e a capacidade física dos atletas diminuem. Ou seria forçada a diminuir para justificar os avanços? Me lembro na infância e adolescência que sempre tivemos dois ou até mesmo três jogos do mesmo time numa semana, e a escalação era a mesma. Ninguém era poupado ou pedia para não jogar. Nos dias atuais, os caras jogam quatro partidas seguidas e o fisiologista já sinaliza que precisam ser poupados ou irão “estourar”. Um termo que nos lembra pipoca, pipocar, enfim...

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Não por coincidência, a partir dos tais avanços fisiológicos na medicina esportiva, o nível do futebol brasileiro despencou, a qualidade técnica dos jogadores, em sua grande maioria, inexiste, e a tática se tornou sofrível. Basta analisarmos o desempenho da nossa seleção nas últimas cinco copas disputadas. Entre um 7x1 e outro resultado vergonhoso, vamos colecionando vexames históricos. Como sermos eliminados por Bélgica e Croácia, duas seleções que estão para a história do futebol mundial, a nível de conquistas e resultados, como o Audax e Nova Iguaçu, com todo respeito aos dois clubes, estão para a história do futebol brasileiro. Há especialistas (sempre eles) que defendem a narrativa de que “não há mais bobo no futebol”, embora os grandes campeões no esporte se mantenham praticamente os mesmos. Os “não bobos” aprontam uma zebra aqui, outra ali, mas não passam disso. E muitas das vezes só conseguem fazer alguma “fumaça” graças a incompetência dos tradicionalmente “mais espertos”. O que acaba nivelando o futebol por baixo.

Tite é um desses técnicos que se propuseram a adotar em seu trabalho as “evoluções” fisiológicas e suas recomendações. Isso o fez poupar cinco jogadores titulares, fora outros dois que estavam indispostos para trabalhar, em um jogo da principal competição que o Flamengo disputa no ano. A Libertadores da América. Uma decisão inexplicável, que só o fisiologista, o novo camisa 10 do futebol, consegue explicar. Como era de se esperar, o time perdeu para o Bolívar, jogando na insana altitude de La Paz. O resultado de 2x1 não expressa o que foi o jogo e o desempenho do time em campo. Poderia ter perdido de mais. Como diria Paulo Ricardo em sua época de R.P.M: “muito mais”. A fisiologia deve estar satisfeita por ter conseguido evitar a pipocada, digo, estourada dos jogadores poupados, mas a torcida, que vai ao estádio e tem pago um preço de ingresso cada vez mais caro, não está nem um pouco satisfeita. Afinal, ela paga ingresso para ver futebol e não o trabalho da fisiologia. Muito menos, um esquema tático quadrado, chato, comedido, previsível e que não privilegia o futebol e a qualidade técnica do elenco.

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O atual técnico do Flamengo poderia ser um bom ortopedista, dado a sua capacidade de engessar jogadores e poupá-los de fazer os movimentos técnicos e táticos que eles mais sabem executar em campo. No jogo de ontem, por exemplo, ele colocou Bruno Henrique, um atacante de explosão e quase imbatível no um contra um, para jogar de costas para a zaga adversária, e utilizou o uruguaio De La cruz, um meia de muita mobilidade e visão de jogo, como companheiro de ataque de Bruno Henrique. Uma decisão tática que só a fisiologia explica. Sem falar nos três zagueiros, uma linha defensiva que ele não costuma utilizar em seus trabalhos e que torna qualquer esquema vulnerável quando Davi Luiz é um dos defensores. Tite também não gosta muito de Gabigol, o principal ídolo do clube nos últimos 5 anos, e enxerga em Luiz Araújo e Everton Cebolinha (que são bons jogadores, mas não os melhores dentro do elenco para suas posições), os maiores “externos desequilibrantes” do futebol brasileiro. Os reis do “último terço” do campo no elenco do Flamengo. Algo que só a “treinabilidade” de Tite consegue observar como absoluto e inquestionável.

O futebol brasileiro está em estado terminal. Isso é um fato. É muito Tite e pouca bola. E a mídia esportiva tradicional adora incensar professores pardais e técnicos criadores de neologismos que em nada ajudam o futebol a evoluir, de fato, e a se manter como a grande paixão nacional. Está cada vez mais insuportável ter que assistir a duelos táticos entre treinadores que castram a verdadeira essência do nosso futebol. Como o Palmeiras x Flamengo do último domingo, um jogo sofrível e sonolento. Embora Abel Ferreira, mesmo não sendo um adepto do futebol vistoso, consiga extrair do seu elenco, que é tecnicamente inferior ao do Flamengo, muito mais do que Tite consegue tendo jogadores mais badalados. Outro ponto a se destacar no trabalho do português que dirige o Palmeiras é o profissionalismo e o comprometimento que ele consegue fazer com que os seus jogadores mantenham com o projeto, mesmo sem precisar poupá-los tanto de um possível desgaste. Assim como Jorge Jesus fez com o Flamengo de 2019/2020, que ganhou tudo sem escalar a fisiologia.

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O interessante é ver o torcedor comprando a ideia de que “o futebol mudou”, e não conseguindo refletir sobre o quanto mudou para pior. Não temos mais craques, não temos mais alegria e não temos mais esperanças de voltarmos a ser os melhores do mundo. Tudo está muito chato no mundo do futebol. Até a influência do projeto de poder neopentecostal é perceptível no esporte mais popular do país. Jogadores atribuindo a Jesus cada gol que fazem, treinadores falando como pastores e clubes se transformando em verdadeiras "igrejas" para lavar dinheiro em nome do deus capital. Que fase!

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