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Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal

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Saúde e educação sob ataque

"A austeridade nutela de Haddad continua impedindo o governo de cumprir as promessas de recuperar políticas públicas destruídas ao longo dos 6 anos anteriores"

(Foto: Fabio Pozzebom - Abr)
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As propostas de arrocho fiscal carregam consigo consequências muito mais graves do que simplesmente o discurso mentiroso e demagógico de buscar o tal do saudável equilíbrio das contas públicas. Via de regra, as medidas se concentram sobre a limitação e/ou a redução das despesas orçamentárias para que as receitas possam se igualar aos gastos na apuração final do resultado das contas da tesouraria governamental.

Ocorre que a obsessão irracional com o corte em tais rubricas termina por prejudicar de forma aguda as contas das áreas sociais, dos investimentos públicos e dos salários dos servidores, dentre tantos outros setores estratégicos para a dinâmica econômica e social. Além de provocar redução de direitos legais e constitucionais, o viés pela austeridade também se revela como um tiro no pé da própria capacidade de se promover a recuperação da atividade econômica de forma mais geral.

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A teoria macroeconômica convencional reconhece a importância daquilo que até mesmo os manuais de orientação conservadora classificam como “multiplicador do gasto do governo”. Assim, uma eventual despesa do setor público em um determinado momento tende a se converter em elemento ativador da atividade econômica, gerando um aumento da demanda que certamente se transformará em geração de renda, de emprego e mesmo de tributos mais à frente.

Ao insistir única e exclusivamente no corte de despesas, a política do austericídio termina por agudizar os aspectos recessivos do quadro da economia, além de poupar de forma injustificável as despesas financeiras de tal redução ou limite.

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Austeridade: saúde e educação na mira

Isso foi o que ocorreu desse 2006, quando a dupla Temer/Meireles conseguiu introduzir no texto constitucional a chamada política do teto de gastos. A previsão é que durante longos 20 anos (2017 a 2036) o Brasil estaria impedido de aumentar as despesas orçamentárias para além das perdas inflacionárias.

Uma loucura! Pois a política foi mantida até o final de 2022, quando a campanha de Lula para Presidente da República prometia a revogação da medida. Porém, a nomeação de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda alterou bastante as expectativas criadas para mudanças na política econômica para o terceiro mandato.

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O novo ministro manteve a essência da política austericida, ao convencer Lula a enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar instituindo o Novo Arcabouço Fiscal (NAF). A estratégia para agradar ao povo do financismo era substituir o teto de gastos, ao invés de simplesmente revogá-lo. A obstinação com a disciplina fiscal manteve a política de contenção de despesas para alcançar os resultados nas contas federais.

Assim, a austeridade nutela de Haddad continua impedindo o governo de cumprir as promessas de recuperar políticas públicas que haviam sido destruídas ao longo dos 6 anos anteriores, além de criar obstáculos concretos para que Lula consiga cumprir a promessa de realizar 40 anos em 4.

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Para tais projetos políticos, seria necessária uma reviravolta na contenção de gastos, uma vez que qualquer programa nacional de desenvolvimento envolve aumentos expressivos nas despesas públicas e nos investimentos estatais. O NAF impede tal movimento.

Para agravar ainda mais a situação, o governo encaminhou uma proposta para o presente ano que pressupõe a meta de “zerar o déficit primário”. Isso significa que haverá preocupação apenas com a contenção das chamadas despesas primárias. No dicionário do fiscalês, a definição de gastos primários refere-se apenas às rubricas não-financeiras. Assim, estão fora do cálculo todas despesas de natureza financeira, como as relativas ao pagamento de juros da dívida pública.

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Novo Arcabouço Fiscal e o fim dos direitos sociais

Ora, como a NAF limita o crescimento das despesas em 70% da elevação das receitas, o fato concreto é que as políticas sociais ficam ameaçadas, assim como os investimentos públicos. No entanto, existem alguns grupos de gastos para os quais a própria Constituição preserva um patamar mínimo atrelado a algum tipo de indexação.

As despesas previdenciárias, por exemplo, ficam atreladas ao valor da salário mínimo. As despesas de saúde e de educação, por seu turno, ficam atreladas a fórmulas envolvendo a receita tributária do governo federal.

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Assim, como a limitação das despesas gerais está dada com o novo teto do Haddad, a tendência é de permanecerem as disputas dentro do bolo geral dos gastos. Se ela não pode crescer mais de 70% do que crescem as receitas, haverá uma espécie de autofagia entre as despesas primárias.

O governo, ao invés de revogar o equívoco que foi o NAF, desde então vem alimentando a imprensa com boatos e notícias de promover a eliminação dos pisos constitucionais de saúde e de educação. O Ministro da Fazenda ainda não se manifestou, pois sabe que o tema é muito sensível e caro às forças progressistas que ajudaram a derrotar Bolsonaro e eleger Lula mais uma vez em 2022.

Porém, vários integrantes do segundo escalão da área econômica já falam há muito tempo abertamente de tal alternativa para acelerar o austericídio. Em março de 2023 o Secretário do Tesouro Nacional abriu a temporada de caça aos pisos constitucionais. Em setembro do ano passado, o governo resolve fazer uma consulta formal ao Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito do tema. Uma atitude temerária, tendo em vista o comportamento daquele órgão, quando deu aval ao impeachment de Dilma Roussef, sob a falsa alegação das pedaladas fiscais.

Na sequência das ameaças aos pisos, em dezembro de 2023, o Secretário do Orçamento (subordinado de Simone Tebet, titular do Ministério do Planejamento) fez outra declaração favorável à retirada das garantias constitucionais para a saúde e para a educação.

Finalmente no boletim de março recente, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) divulgou um boletim com dados e cálculos que justificam a necessidade de se promover a desvinculação constitucional dos pisos mínimos paras estas duas áreas sociais tão carentes e tão sensíveis. A cronologia acima preocupa bastante, pois demonstra uma intenção explícita em eliminar as conquistas.

Lula precisa defender os pisos

O argumento falacioso de que não existem recursos não se sustenta a uma primeira avaliação. Ao longo dos últimos 12 meses, o governo gastou exatamente R$ 747 bilhões a título de pagamento de juros da dívida pública. Trata-se de mais um recorde na série histórica apresentada pelo Banco Central em sua página.

Não faz sentido dar um tratamento arrochado para os gastos de natureza social e liberar um volume como esse sem teto, sem limite sem contingenciamento para atender aos desejos dos detentores de títulos da dívida pública. Governar é estabelecer prioridades. Haddad, ao que tudo indica, já fez a sua a favor dos interesses do povo da banca.

É fundamental que Lula assuma para si o comando estratégico de tais decisões de política econômica. Não é possível que, em nome de uma suposta obstinação de seu Ministro da Fazenda com as metas do austericídio tão querido à Faria Lima, o terceiro mandato termine por realizar o trabalho sujo que nem mesmo Joaquim Levy, Henrique Meirelles ou Paulo Guedes ousaram concluir. Os pisos da saúde e da educação não podem e não devem ser tocados!

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