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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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Um brasileiro frente ao novo governo argentino

"As últimas eleições presidenciais argentinas abriram um terceiro período nas relações com o Brasil", escreve Emir Sader

Javier Milei e Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Reuters)
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Um brasileiro, com um relacionamento longo e intenso com a Argentina, tem uma reação particular às eleições argentinas.

Em primeiro lugar, uma reação de surpresa. Diferente da reação que teve à eleição de Bolsonaro como presidente do Brasil. Isto foi possível como resultado de um processo de lawfare, uma ruptura golpista do processo institucional, que começou com o impeachment de Dilma Rousseff, e agora todos os órgãos legais afirmam que Dilma é inocente. Enquanto, naquela época, o presidente do Tribunal Supremo Eleitoral presidiu a reunião do Senado que decretou o impeachment de Dilma.

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A condenação e prisão de Lula ocorreram como uma continuação da guerra jurídica e do golpe contra os governos do PT. Bolsonaro conseguiu se tornar presidente como resultado desse processo, que incluiu o impedimento de Lula de ser candidato e sua prisão.

Se Lula não estivesse preso, impedido de ser candidato, Bolsonaro não teria se tornado presidente do Brasil.

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Fomos surpreendidos pelo impeachment de Dilma e pela nossa incapacidade de mobilizar o povo que teria evitado tudo isso. Não foi gerada uma consciência democrática – ao lado da forte consciência social responsável pelas eleições dos governos petistas – que pudesse ter evitado a ruptura abrupta do governo Dilma e da democracia.

O que nos surpreende agora na Argentina? Não se trata de discutir o que há de comum entre Bolsonaro e Milei. Concordamos que, como fenômeno, podem ser igualados, para além das distinções secundárias.

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A primeira coisa que surpreende é a dificuldade de imaginar que na Argentina, país conhecido pelo alto nível de politização, tenha uma força política incomparável em outros países do continente, como o peronismo. Que tem, ao mesmo tempo, aquele que é provavelmente o movimento sindical mais forte da América Latina.

Estava amplamente estabelecido, dentro e fora da Argentina, que este seria um obstáculo difícil de superar para uma solução de extrema direita. Houve quem previsse que não havia como Milei vencer.

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Mas ela veio. Tanto as condições de vida da população – base das críticas aos governos e ao Kirchnerismo, em particular – quanto o antiperonismo histórico, atualizado como anti-Kirchnerismo, foram subestimados.

A primeira traduziu-se em hiperinflação e em 44% da população vivendo abaixo da linha da pobreza. A segunda, no nível de rejeição aos líderes políticos peronistas, como o de Cristina Kirchner.

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A reação de surpresa é a reação de alguém que não tem condições de compreender um fenômeno. Neste caso, que tipo de sujeito como Milei conseguiu triunfar sobre um candidato apoiado pelo peronismo e se tornar presidente da Argentina, com as declarações que fez e as propostas que fez.

Mas foi assim e por uma diferença significativa – cerca de 11 pontos.

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Para surpresa geral, a Argentina elegeu um presidente como Milei. Ele só consegue ter três presidentes sul-americanos em sua posse – os do Paraguai, Uruguai e Chile.

As relações com o Brasil entram em uma nova fase. Historicamente, as relações entre os dois países foram de adversidade, de rivalidade, inspiradas no futebol, em que um faz de tudo para ganhar e o outro para perder.

Esse longo período terminou com o abraço histórico entre Nestor e Lula, indo juntos à posse de Tabaré Vazques, em 2005, que deu início ao longo e fundamental processo de integração latino-americana. As estreitas relações entre os dois países continuaram com os governos de Dilma Rousseff e Cristina Kirchner.

Mais tarde, o presidente da Argentina, Alberto Fernandez, interrompeu a campanha eleitoral para visitar Lula na prisão em Curitiba. Um gesto que demonstrou como, para além das acusações, foram mantidas as relações entre os dois países.

Iniciou-se um segundo período de relações políticas entre os dois países, que perdurou ao longo do século XXI e foi o período de relações mais próximas e fraternas. Até a Copa do Mundo no Brasil, a grande maioria eram torcedores da Alemanha – que havia nos derrotado por 7 a 1 – contra a Argentina. Mas na Copa do Mundo a Argentina venceu, e a grande maioria dos brasileiros eram torcedores dos nossos irmãos e vizinhos.

As últimas eleições presidenciais argentinas abriram um terceiro período nas relações entre os dois países, ao qual já estávamos habituados. Ter o presidente mais querido que já tivemos se ofendeu com o candidato a presidente da Argentina. Têm a promessa de corte de relações económicas, entre outras perspectivas de relações muito conflituosas.

Dói-nos muito ver um país tão querido, que visitamos com tanta frequência e com tanto prazer, ser entregue a uma personagem aliada ao Bolsonaro. Sabendo que, pelo menos por razões económicas, as relações não serão tão conflituosas.

Dói-nos muito que os argentinos estejam apenas a entrar num período muito difícil e de grande sofrimento, contra o qual não podemos fazer muito.

Mas já na inauguração. Brasil e Argentina, países cujos novos presidentes sempre fazem a primeira viagem um ao outro, viram esse gesto quebrado, com o novo presidente argentino viajando para os EUA. E o presidente de um país não vai à posse de outro.

É muito difícil para nós habituarmo-nos a esta situação que dura quatro anos. No fundo não aceitamos que este novo período seja tão longo, apoiamos a Argentina e o Brasil.

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