A esquina da democratização: a 30 anos da campanha da Diretas Já

O caráter conservador e restrito da transição democrática só foi possível porque ela se deu pela via do Colégio Eleitoral e não das eleições diretas



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(originalmente publicado na Carta Maior)

Dia 25, sábado, dia do aniversário de São Paulo, marca também a data dos 30 anos de começo da campanha das diretas-já. Foi uma imensa manifestação, com a presença dos principais líderes da oposição à ditadura – Ulysses Guimarães, Lula, Brizola, Tancredo, Montoro -, que se considera como o lançamento da campanha pelas eleições diretas-já, contornando o projeto de transição controlada colocado em prática pela ditadura, que previa as primeiras eleições presidenciais sem controle direto das FFAA, pelo Colégio Eleitoral e não pelo voto direto.

A transição controlada, que a ditadura lançou – incluindo a anistia auto-concedida -, condicionava tudo para que tivesse que haver um acordo entre um setor moderado da oposição e um setor pelo menos da ditadura. A composição do Colegio Eleitoral obrigava a isso.

As eleições diretas propunham um caminho distinto: elegendo o primeiro presidente civil depois da ditadura pelo voto  popular, provavelmente Ulysses Guimarães seria o eleito, sem necessidade de compromisso com a ditadura ou mesmo algum setor dela. O programa do PMDB era um programa democrático-liberal com propostas de reformas estruturais mais ou menos profundas, que impediriam que a democratização ficasse limitada aos critérios estritamente político-institucionais do liberalismo.

Não se trataria apenas de restabelecer o Estado de direito, com a separação entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, mais eleições periódicas, pluralidade de partidos, etc. etc. Reformas estruturais afetariam as bases econômicas e sociais construídas pela ditadura e sobre as quais ela tinha assentado seu poder.

Por isso a ditadura combateu com todas suas forças a possibilidade das eleições diretas para presidente. E conseguiu bloquear sua aprovação, conforme o projeto não conseguiu obter os 2/3 de votos no Congresso, embora tivesse maioria de parlamentares a favor. O caminho que restou era o do Colégio Eleitoral, onde os votos de setores do governo eram indispensáveis, configurando-se assim já um pacto entre grupos provenientes da ditadura com outros da oposição.

O surgimento do PFL, congregando setores da ditadura descontentes com a candidatura de Paulo Maluf, produziu o elemento que o acordo necessitava. A aliança PMDB-PFL foi o eixo da transição conservadora no Brasil. A troca de Ulysses Guimarães por Tancredo Neves  - e, posteriormente, com a morte deste, por José Sarney – deu corpo ao pacto de elite que promoveu a passagem da ditadura à democracia. Quem havia sido, até semanas antes, o presidente do partido da ditadura e havia comandado a luta contra as eleições diretas, se tornava o primeiro presidente civil do Brasil depois da ditadura, eleito pelo Colégio Eleitoral.

O resultado foi que a nova democracia foi uma mescla do velho e do novo, da ditadura e da democracia. Restabeleceu os direitos formais do Estado de direito, mas não alterou em nada as estruturas do poder real herdadas da ditadura. Não houve democratização do sistema bancário, nem dos meios de comunicação (que, ao contrário, se concentraram mais), nem da propriedade da terra – só par dar alguns exemplos.

Esse caráter conservador e restrito da transição democrática só foi possível porque ela se deu pela via do Colégio Eleitoral e não das eleições diretas. Foi uma esquina, um momento decisivo para definir o caráter da democracia restaurada. A derrota das diretas definiu o caminho conservador.

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