Depois dos rolezinhos

Graças à internet, os rolezinhos desnudam o sistema de apartação implícita, sem leis. Quem não quiser conviver com os shoppings ou com as redes sociais deverá mudar de planeta ou viajar para o passado



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Os rolezinhos têm sido tratados como um tema cultural: o porquê de os jovens preferirem agitar shoppings, tirando a tranquilidade dos frequentadores e trabalhadores, em vez de praticarem outras atividades juvenis, tais como namoro, estudo, esporte, arte ou mesmo consumo. E as soluções propostas têm sido baseadas na esfera legal e policial. Não se viu um debate sobre as causas estruturais que permitiram estas mobilizações aflorarem: os shoppings e a internet.

Os shoppings ofereciam a natural busca de conforto nos trópicos e a necessária proteção em uma sociedade violenta nas ruas, mas também a disfarçada segregação social que caracteriza o Brasil. Independentemente das causas que levam os jovens aos rolezinhos, eles não ocorreriam sem estes dois fatos irreversíveis na realidade: a existência de shoppings e a disponibilidade da rede social. Sem os shoppings, não haveria como ocupá-los, sem as redes não haveria como fazê-lo.

A sociedade tem três alternativas: conviver com os rolezinhos como uma prática cultural, um carnaval fora de época e lugar; oferecer outras diversões aos jovens; ou buscar solução na explicitação da apartação, com leis que escolham os frequentadores. Esta medida será indecente moralmente e ineficiente socialmente. Ainda se consegue fazer isso nos clubes, condomínios, escolas de qualidade e hospitais caros, mas em shopping será impossível justificar moralmente tal medida. Além disso, as soluções policiais pela força, cercando shoppings, ou pela espionagem, bisbilhotando as redes sociais, serão impossíveis.

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Até recentemente, a segregação se fazia com a conivência dócil dos excluídos, como se dizia então: os negros e os pobres sabem seus lugares. Não era necessário, como na África do Sul, explicitar em leis as calçadas e os banheiros só para brancos. No Brasil, a separação era automática, cada um sabia seu lugar. Com o aumento da população urbana, foi preciso separar fisicamente as classes, nos shoppings e condomínios, com cercas e crachás, mas ainda sem necessidade da explicitação em leis. Antes houve propostas para proibir legalmente a entrada de imigrantes indesejados, mas bastava a apartação descrita no livro: “O que é apartação, o apartheid social brasileiro”, de 1994.

Graças à internet, os rolezinhos desnudam o sistema de apartação implícita, sem leis. Quem não quiser conviver com os shoppings ou com as redes sociais deverá mudar de planeta ou viajar para o passado. Daqui para frente, os shoppings existirão e terão um papel positivo no conforto social, mas a “guerrilha cibernética” é uma realidade com a qual vamos conviver. Ou assume-se a segregação explícita, ou promove-se a miscigenação social.

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E, para isso, o caminho é a escola. A segregação racial se fez nas alcovas, a segregação social se faz nas escolas. O único caminho decente e sustentável para o bom funcionamento dos espaços urbanos é a promoção da escola de qualidade em horário integral, com ofertas culturais para os jovens.

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