Para que não se esqueça

Documentário revela os bastidores da produção do livro "Brasil: Nunca Mais", audaciosa investigação sobre a prática da tortura no regime militar, lançado há 30 anos



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"Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". (João, 8:32).

"Modos e instrumentos de tortura". "Tortura em crianças, mulheres e gestantes". "Como eram efetuadas as prisões". "A sedução da morte". "A Casa dos Horrores". "Mortos sob tortura". Para ter uma ideia do que irá encontrar nas páginas de um livro, o melhor caminho é passar os olhos pelo sumário. Os títulos dos capítulos revelam, como aperitivo fúnebre, o horror condensado nas páginas de "Brasil: Nunca Mais". O que nem a leitura mais atenta revela por completo é a a história real por trás do livro: como se formou e como atuava a complexa e corajosa rede de investigação e denúncia montada de forma sigilosa em 1979, em São Paulo, sob o patrocínio da Cúria Metropolitana, na figura necessária e entusiasmada do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns.

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Ao longo de cinco anos, advogados, jornalistas e outros colaboradores mergulharam na barbárie da repressão para copiar e analisar mais de 700 processos em tramitação no Supremo Tribunal Militar. Perscrutaram e compararam depoimentos de presos que foram vítimas das piores formas de violação dos Direitos Humanos. Listaram pela primeira vez uma primeira escalação de mortos e desaparecidos, no que viria a se tornar um esboço do amplo rol de vítimas da ditadura reunido nas décadas seguintes. Sistematizaram, enfim, as modalidades de tortura, algumas vezes com riqueza de detalhes, e os mais importantes endereços dedicados à pancadaria e à humilhação oficiais, à pancadaria e à humilhação como políticas de Estado.

Do trabalho investigativo dessa equipe, da qual fizeram parte, sob o sigilo do anonimato, o jornalista Ricardo Kotscho e o escritor Frei Betto, também jornalista e frade dominicano, entre outros, sob a coordenação de Paulo Vannuchi, ministro de Direitos Humanos no governo Lula e atual representante do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, resultou um relatório de 5 mil páginas. Com tiragem restrita, esse documento foi distribuído em meados dos anos 1980 por universidades, bibliotecas e entidades nacionais e internacionais de defesa dos Direitos Humanos. Uma síntese, com capa vermelha e pouco mais de 300 páginas, chegou às livrarias em 1985, primeiro ano de governo civil após 21 anos de exceção, com prefácio assinado por Dom Paulo e o clamoroso título "Brasil: Nunca Mais".

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O filme

No ano em que "Brasil: Nunca Mais" completa três décadas de militância, ainda vigoroso em sua 40ª edição, o documentário "Coratio", de Ana Castro e Gabriel Mitani, chega para compartilhar com a segunda e a terceira geração de resistentes os bastidores daquela história. Para os que viveram os estertores da ditadura, "Coratio" será não apenas uma forte lembrança, mas o farol que aponta para o futuro: tudo aquilo que não podemos permitir que volte, em especial num momento de evidente fragilização das instituições, guinada fervorosa à direita e um presidente da Câmara dos Deputados que flerta sistematicamente com o absolutismo em sua perigosa condução.

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Sobretudo, "Coratio" nos fala da tortura, prática ainda recorrente, amplamente utilizada como método institucional de repressão, especialmente contra a população mais fragilizada, os pretos, pobres e putas das periferias. "Três década após o lançamento, ainda não podemos dizer 'nunca mais' para a tortura e a violência do Estado", dizem os realizadores do filme. Tampouco a execução sumária e o desaparecimento de presos desapareceram. Instrumento jurídico ainda recorrente em muitos Estados é o chamado "auto de resistência", que permite ao policial que mata escapar de qualquer forma de investigação quando o homicídio por ele praticado é justificado no boletim de ocorrência como "resistência seguida de morte". Espécie de salvo conduto para implementar, na prática, a pena de morte no Brasil, sobretudo contra o jovem negro da periferia, o "auto de resistência" se mantém como um anacrônico e cruel escombro da ditadura. O grito de "nunca mais" ganha novos significados e novos objetivos a cada geração. O luzeiro do livro de capa vermelha se mantém.

Lançamento
"Coratio", de Ana Castro e Gabriel Mitani
Sábado, 4 de julho, às 14h.
Memorial da Resistência: Largo General Osório, 66, Luz, 5º andar. São Paulo, SP.
Entrada franca.
Após a exibição do filme, às 15h30, haverá um debate com Paulo Vannuchi, Anivaldo Padilha e Bruno Paes Manso.
Teaser:  

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Trailer "Coratio" from Linha de Pensamento on Vimeo.

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