A história macabra das adoções em Monte Santo

Jornalista baiana Eleonora Ramos conta os detalhes, passo a passo, do drama da família de Monte Santo (cidade pobre do nordeste baiano), que teve seus cinco filhos arrancados de casa em processos de adoção cobertos de irregularidades; destaque para a pequena Estefane, cuja 'adoção' estava encomendada por um casal bem sucedido de São Paulo quando ela ainda estava no ventre de sua mãe, a verdadeira, a única que Deus lhe deu

A história macabra das adoções em Monte Santo
A história macabra das adoções em Monte Santo (Foto: Edição 247)


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Bahia 247

Em texto triste e ao mesmo tempo esperançoso, a jornalista baiana Eleonora Ramos conta os detalhes, passo a passo, do drama da família de Monte Santo, cidade pobre do nordeste baiano, que teve seus cinco filhos arrancados de casa em processos de adoção cobertos de irregularidades sob tutela do juiz Vitor Bizerra.

Em especial, Eleonora conta o trauma da pequena Estefane, cuja adoção criminosa já estava acertada pela 'agente' desde sua geração no ventre de sua mãe, a dona de casa Silvânia Mota da Silva. Estefane recebeu a 'visita' dos pais adotivos, um casal de São Paulo, com apenas 10 dias de vida.

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Hoje, o 'pai' e a 'mãe' estão separados e ele, um médico bem sucedido, está enquadrado na Lei Maria da Penha por ter agredido fisicamente a agora ex-exposa. Abaixo texto imperdível de Eleonora Ramos.

ESTEFANE

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Estefane nasceu no verão de 2011, quando o barro do chão ardia em Monte Santo. Quinta barriga da mãe, Silvânia, uma jovem mulher como tantas outras da região, nasceu corada e gordinha, saudável como os irmãos. Mas, ainda no útero da mãe, havia despertado o interesse do casal Bernard e Carmem Topschall Rienhofer, conhecidos no município por "levar crianças pra criar".

Como fez tantas outras vezes, através de pessoas da comunidade a seu serviço, Carmem identificou Silvânia, mais uma mãe pobre e grávida em dificuldades. Tentou convencê-la a lhe entregar o bebê que seria criado por uma médica paulista, sem filhos, de boas condições financeiras. Fazia visitas, levava fraldas, roupa usada, pirulitos de péssima qualidade e muitas promessas.

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Quando Estefane nasceu, se tornou a única menina entre tantos meninos. Com a recusa definitiva de Silvânia em entregar a filha, Carmem passou a ameaçar. Seus cúmplices traziam recados do tipo "é melhor dar essa menina, a mulher é gente boa. Você já tem tanto filho."

Estefane tinha entre 10 e 15 dias de vida, estava na casa dos avós maternos, no quarto deles, quando chegaram Carmem e o casal Marcelo e Leticia Chbane, residentes em Indaiatuba/São Paulo. Tencionavam pegar a menina, sem passar por juiz, por fórum, por nada, pegar simplesmente, como combinaram com Carmem. Mas esbarraram na recusa de Silvânia. Leticia trazia o enxoval e implorou, chorando, para levar a criança.

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A visita inesperada dos três foi testemunhada por várias pessoas. O casal – ele executivo, ela médica de destaque na cidade - não teria vindo de tão longe pisar o barro úmido naqueles dias, enfrentar a ruazinha enladeirada de muitas pedras, se não tivesse a certeza de que trariam uma criança, há meses prometida.

Os Chbane sabiam muito bem que essa criança tinha mãe, avós, irmãos e casa própria, onde a conheceram. Sabiam muito bem que, associados a Carmem, estavam cometendo crime previsto em lei. Mas não desistiram de Estefane. Esperaram em Indaiatuba por cerca de 40 dias, quartinho pronto para receber a filha de Silvânia e José Mário, enquanto Carmem articulava para desqualificar a mãe, influenciar a promotora, assediar funcionários públicos, forjar situações e denúncias.

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Até que a promotora Mônica Gighone se convenceu que Estefane, ainda sem registro civil, estava correndo graves riscos em companhia da mãe, da avó e das vizinhas amigas, mãe e filha, que conheciam desde criança e que ajudavam a tomar conta dela. Acreditou que corria risco de vida, porque esteve internada por 36 horas para tomar soro, diagnosticada de desinteria, comum nessa idade. O leite de vaca, tradicionalmente oferecido a crianças, como havia sido com seus irmãos, fez mal a Estefane. Silvânia ficou com ela, o hospital não exigiu o registro civil, como deveria e o episódio serviu para selar o destino de Estefane.

Por ordem do juiz Vitor Manoel Bizerra, atualmente sob suspeita de ter favorecido esse tipo de sequestro de crianças pobres da região, a menina foi retirada de casa e, finalmente, entregue, ao casal paulista que voltou a Monte Santo, sempre com a Carmem e dessa vez acompanhado de advogados e documentos. Estefane tinha em torno de 60 dias de vida e foi registrada, embora com pais vivos, com o nome de Giovana e como filha do então casal Chbane.

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Seis meses depois, o aparentemente solido casamento de Marcelo e Letícia Chbane acabou. Marcelo agrediu a mulher, com tal gravidade, que está sendo processado na 1ª. Vara Criminal de Indaiatuba, enquadrado na lei Maria da Penha. O divórcio, com contornos de escândalo, foi inevitável. Marcelo retirou-se do processo para adotar Estefane Não se sabe o quanto a violência doméstica afetou a segurança e desenvolvimento da menina. Nem a que tipos de riscos e carências ainda está exposta.

Hoje, ela é criada sem pai, por uma mulher provavelmente traumatizada, que teve interrompido o complicado processo de se tornar mãe sem ter gerado nem parido. Qual o lugar de Estefane, hoje, na vida dessa suposta mãe que trabalha, como é comum em sua profissão, muitas horas por dias e noites, está tocando a vida sozinha e é parte num processo criminal.

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Se não se tornou um estorvo, Estefane pode ter o papel de compensar a perda e o trauma conjugal de Letícia e corre o risco de crescer sem pai, quando na verdade tem dois a esperá-la em Monte Santo. José Mário, o biológico, atual marido de Silvania e Jerôncio, presente na família por ser o pai de seus irmãos mais velhos. Única filha mulher de Silvânia, que fez laqueadura nas trompas e de José Mario, pai de dois meninos.

Vinte dias depois de Estefane, seus quatro irmãos foram também sequestrados e separados por ordem do mesmo juiz, entregues a desconhecidos e levados para a mesma cidade de Indaiatuba.

O juiz Luis Roberto Cappio, que irá decidir o destino das cinco crianças, vem garantindo a volta de "algumas". Por motivos óbvios, qualquer leigo, como leigo, nessa matéria, o é também o senhor juiz, imediatamente conclui que Estefane "só conheceu essa mãe", "que não vai se adaptar porque saiu muito pequena" e outras obviedades, sem qualquer fundamento técnico-científico, que não justificam sua permanência com pessoas que tentaram levar criança alheia e mais tarde participaram de uma farsa processual orquestrada por Carmem, cuja prisão preventiva foi decretada hoje.

Nada justifica a extrema violência de que foram vítimas Estefane e sua família. Os Chbane sabiam que não deveriam levar aquela criança, daquela mãe, daquele jeito.

A construção e rompimento de vínculos afetivos, físicos e emocionais, nessa idade, é assunto para especialistas, que dificilmente serão consultados. É uma preocupação, sim, mas que será enfrentada depois do retorno de Estefane, pois antes de tudo é urgente resgatar seu direito de crescer na família natural, com seus pais, avós, irmãos e primos biológicos.

Por outro lado, a expressão "o melhor interesse da criança", poucas vezes empregada com os objetivos para os quais foi criada, tem servido para justificar decisões judiciais equivocadas ou criminosas, para se cometer injustiças ou abusos e para ajudar poderosos a calar a boca dos mais fracos.
Infelizmente, o melhor interesse da criança, algumas vezes, soa mais como uma ameaça do que como garantia a essa mesma criança.

Estefane, tanto quanto os irmãos, tem o direito de voltar à sua família e à sua comunidade de origem.

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