Bairro da Paz, muro e ambulantes: sinais inquietantes de exclusão

Vamos lutar por uma cidade que conviva, e não que exclua. Por políticas públicas que se preocupem especialmente com os mais pobres



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Não é de agora que ando pelo Bairro da Paz. Creio que ali foram plantadas originais sementes de resistência, fruto de atividades de homens e mulheres, jovens e mais velhos, religiosos, especialmente da Igreja Católica, que garantiram a existência do bairro, com milhares de pessoas numa área extremamente valorizada da Paralela, o que naturalmente suscita cobiça de poderosos do mundo imobiliário. Para fazer justiça, diga-se que foi o ex-governador Waldir Pires, com sua lucidez e clareza sobre o lado que ocupa na luta política, quem assegurou que os moradores não fossem expulsos dali nos já distantes anos 80.

Quando governador, Waldir impediu que os moradores fossem despejados numa madrugada, mandou investigar de quem eram aquelas terras, constatou-se que nenhum particular tinha a propriedade legal delas, e aí aquelas famílias pobres puderam continuar ali e constituir uma grande comunidade, que persiste até hoje. Originalmente, o povo, com sua criatividade, deu-lhe o nome de Malvinas – não estavam numa guerra? E depois, com a vitória, veio a se chamar Bairro da Paz.

Nas muitas reuniões que fiz ali, ao lado de tantos companheiros e companheiras, sempre lhes disse que aquele era um bairro sob cerco permanente, e que se impunha uma também permanente vigilância, sob pena de um dia a população amanhecer cercada, como cercada já está por vários empreendimentos imobiliários, e nada contra empreendimentos imobiliários se eles não pretenderem expulsar pobres de suas residências e nem se apartarem do resto da cidade. Agora, neste momento, parece que o cerco está se fechando, sem que, infelizmente, a autoridade municipal tome qualquer providência destinada a garantir a tranquilidade daquela comunidade.

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Ocorre que se edificou um muro, de quase dois mil metros de extensão, que corta quintais, separa famílias, isola um campo de futebol, agride direitos dos moradores, e isso foi feito na calada da noite. E o grave é que muitos moradores vem sendo ameaçados por seguranças, não se sabe a mando de quem, mas pode se presumir que a soldo de especuladores imobiliários.
Tudo isso foi denunciado na Câmara Municipal de Salvador pelo vereador do PT, Waldir Pires que, inclusive, teve o cuidado de informar tudo isso ao secretário municipal de Urbanismo e Transporte, José Carlos Aleluia. E Waldir teve o apoio, quando de seu pronunciamento, de vários vereadores, e o líder da oposição, Gilmar Santiago, propôs que um grupo suprapartidário de vereadores visitasse o bairro verificar a situação e que passasse a acompanhar de perto o assunto.

Por menos que se queira, as dúvidas se avolumam. Até agora, a prefeitura de Salvador fez ouvidos de mercador. Quaisquer que sejam os interesses envolvidos, a ninguém é dado o direito de erguer muros por sobre uma comunidade constituída sem a autorização da administração municipal, e só o faz se conta com a conivência dela. Pode ser uma tentativa de isolar o bairro de condomínios de classe média que se levantaram no entorno, e nada há contra tais condomínios. O que se reclama é que nenhuma comunidade pobre deve ser isolada de outras partes da cidade por ser pobre. Esse muro tem que vir abaixo, e espera-se que por decisão da autoridade municipal.

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Não se queira, por equivocado, reforçar a idéia de classes perigosas pelo fato de serem pobres. A maior parte de Salvador é constituída de cidadãos e cidadãs pobres, honestos, corretos, trabalhadores, e não podem se separar das camadas médias e altas por nenhuma razão. A ideia de cidade parte exatamente da noção de convivência fraterna entre todos, e o perigo começa a existir quando se pretende, como neste caso, instituir regimes de apartheid. É a convivência entre diferentes que possibilita a existência de uma cidade, tal como ela verdadeiramente deve ser entendida.

A prefeitura deve se colocar como quem se preocupa com a cidade, como quem não protege interesses particularistas. A inação, nesse caso, aponta claramente para uma conivência com a perspectiva do apartheid naquele bairro. Outras ações, como as que expulsaram ambulantes de algumas partes da cidade, sem que se discutisse com eles como encontrar alternativas, indica uma política coerente, verdade, e uma política que não beneficia os que mais necessitam do poder público.

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A cidade não pode ser o território da exclusão, insista-se. Há de ser, sempre, o da comunhão, da solidariedade, da convivência fraterna – e a política do poder público municipal caminha na contramão disso. O Bairro da Paz e a atitude com os ambulantes são sinais inquietantes, que devem provocar a reação pronta não só da Câmara Municipal, que vem ocorrendo, como de outros setores organizados de Salvador. Vamos lutar por uma cidade que conviva, e não que exclua. Por políticas públicas que se preocupem especialmente com os mais pobres. Para que Salvador seja uma cidade de paz, esse é o único caminho.

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