Lewandowski dá início a uma nova era no STF

Paulo Moreira Leite conta os bastidores da posse de Ricardo Lewandowski como presidente do Supremo Tribunal Federal; "Aos 66 anos, Lewandowski assume a presidência sem buscar lances espetaculares nem casos de repercussão política que geram manchetes. Fará o possível para ser discreto e trabalhar em silêncio. Sua prioridade é reestabelecer a harmonia entre os ministros do próprio Supremo, e também entre o STF e as outras instâncias do Judiciário", diz ele; após o terremoto causado por Joaquim Barbosa, o STF resgata, com Lewandowski, sua própria dignidade

Paulo Moreira Leite conta os bastidores da posse de Ricardo Lewandowski como presidente do Supremo Tribunal Federal; "Aos 66 anos, Lewandowski assume a presidência sem buscar lances espetaculares nem casos de repercussão política que geram manchetes. Fará o possível para ser discreto e trabalhar em silêncio. Sua prioridade é reestabelecer a harmonia entre os ministros do próprio Supremo, e também entre o STF e as outras instâncias do Judiciário", diz ele; após o terremoto causado por Joaquim Barbosa, o STF resgata, com Lewandowski, sua própria dignidade
Paulo Moreira Leite conta os bastidores da posse de Ricardo Lewandowski como presidente do Supremo Tribunal Federal; "Aos 66 anos, Lewandowski assume a presidência sem buscar lances espetaculares nem casos de repercussão política que geram manchetes. Fará o possível para ser discreto e trabalhar em silêncio. Sua prioridade é reestabelecer a harmonia entre os ministros do próprio Supremo, e também entre o STF e as outras instâncias do Judiciário", diz ele; após o terremoto causado por Joaquim Barbosa, o STF resgata, com Lewandowski, sua própria dignidade (Foto: Leonardo Attuch)


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Por Paulo Moreira Leite 

Por alguns momentos,  na tarde de quarta-feira passada, a posse de Ricardo Lewandovski na presidência do Supremo Tribunal Federal exibiu a alegria descontraída, quase juvenil, de uma festa de formatura. Acomodadas do lado de lá de uma imensa porta de vidro num dos cantos do plenário, um grupo seleto de autoridades da República espiava as personalidades acomodadas nas poltronas destinadas ao convidados de honra. A presidente Dilma Rousseff acenava e sorria para conhecidos entre amigos entre ministros, empresários e jornalistas presentes. Em seus quase 1,90 m de altura, o próprio Lewandovski erguia o polegar e sorria dentro da toga. Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves, presidentes das duas casas Legislativas, apenas espiavam, levantando a cabeça. Uma hora e meia depois, quando todos deixaram o plenário do Supremo, atravessando a Praça dos Três Poderes para retornar ao posto de comando de suas instituições de origem, o país havia assistido a uma das mais dramáticas mudanças no Poder Judiciário de sua história.

A cerimônia de posse de Lewandowski na presidência do STF, realizada dois meses e dez dias antes do prazo regulamentar, foi marcada por um sujeito oculto, o ausente Joaquim Barbosa, o presidente que pediu demissão do cargo antes hora e foi para casa com popularidade para disputar a presidência da República - mas isolado entre boa parte de advogados e magistrados que conviveram de perto com seus métodos de trabalho. Entre os convidados de quarta-feira, encontrava-se o repórter Felipe Recondo, protagonista de uma situação constrangedora, pouco conhecida no Direito brasileiro. Ele apresentou uma denúncia contra Joaquim Barbosa por danos morais, na 15a. Vara Civil de Brasília. Em 2012, quando fazia uma reportagem sobre Joaquim, Felipe Recondo foi chamado de "palhaço" pelo ministro, que ainda mandou que fosse "chafurdar na lama". Mais tarde, numa medida de perseguição, o ministro tentou impedir que a mulher do jornalista seguisse trabalhando no STF, onde ela começou a dar expediente há 14 anos, antes de sua chega ao tribunal.

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Aos 66 anos, Lewandowski assume a presidência sem buscar lances espetaculares nem casos de repercussão política que geram manchetes. Fará o possível para ser discreto e trabalhar em silêncio. Sua prioridade é reestabelecer a harmonia entre os ministros do próprio Supremo, e também entre o STF e as outras instâncias do Judiciário,  o que explica o cuidado de incluir várias questões internas no discurso de posse, inclusive reinvindicações de cunho salarial.  "Quando há respeito, há mais diálogo," explica o ministro Marco  Aurélio de Mello. "Com mais diálogo, o plenário pode atuar melhor."      

Quando lhe perguntei qual seria a primeira medida no primeiro dia de presidente no STF, Lewandowski respondeu: "casos de  repercussão geral." A ideia é reorientar a Justiça para resolver o principal drama do cidadão comum – a longa espera na solução de processos que nada tem a ver com a alta política, mas com aposentadorias, disputas tributárias e outras questões da vida de todos os dias – a partir de decisões que, iniciadas com um caso específico, possam servir para milhares de outros. Para o professor Luís Moreira, membro do Conselho Nacional do Ministério Público, "as grandes virtudes da era Lewandowski serão reconciliar o Judiciário com os demais poderes do Estado e institucionalizar os direitos fundamentais como política de atuação do Judiciário." Aplicado estudioso da teoria do Direito, Luís Moreira está convencido de que ele irá transformar o STF "em guardião das liberdades fundamentais." A notícia é que, com o novo presidente, o Supremo retorna à tradição garantista, de preservar os direitos do cidadão diante da ação do Estado.

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Lewandowski chegou ao  supremo na segunda tentativa. Na primeira, ele foi ultrapassado por Eros Grau, nome que Lula trazia no bolso desde a posse. Mas quando abriu a vaga de Carlos Veloso,  ocorreu uma briga feia pelo lugar e a indicação acabou sobrando para este juiz grandalhão de São Bernardo do Campo, onde sua família é uma das mais ricas do lugar. Insinuando que outras vagas foram obtidas num regime de impessoalidade no padrão que se costuma atribuir a concursos públicos que só acontecem na  Suécia, os adversários de Lewandowski insinuam que ele chegou ao STF por influência da mãe, que é amiga de Marisa Silva, a mulher de Lula. A amizade é real mas o caminho foi outro. O patrono de Lewandowski foi Luiz Marinho, o sindicalista e prefeito de São Bernardo, que o levou a Lula, que aprovou a indicação.

Com a autoridade de quem enfrentou Joaquim quando a cena seria exibido pela TV em horário nobre, no apogeu do AP 470, chegando a lhe dizer uma frase memorável ("não admito que Vossa Excelência suponha que todos aqui sejam salafrários e só Vossa Excelencia seja uma vestal")  na quarta-feira Marco Aurélio Mello fez a saudação a Lewandowski. Com referências claras, que lhe permitiam atingir o alvo – Joaquim Barbosa – sem nunca pronunciar seu nome, Marco Aurélio queixou-se do "diálogo que não tivemos na gestão imediatamente anterior" e dos "inúmeros atritos" com a magistratura, Ministério Público "e os demais poderes." Reclamou de "incidentes e discussões" que por vezes "descambaram para um campo que não é o do Supremo." Cobrou uma postura de respeito pelas divergências: "o que não é para partir para a intolerância ou não aceitar o entendimento diversos do colega."

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A cerimônia teve outros pronunciamentos, desiguais em sua importância e capacidade de prender atenção dos presentes, evitando uma monotonia que, por várias vezes, derrubou a cabeça do ministro da Previdência Garibaldi Alves em incontroláveis cochilos. Marcos Vinícius Coelho, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, foi o único que levou Dilma a levantar-se da cadeira para lhe dar os cumprimentos. Marcos Vinícius lembrou que a função de um presidente do Supremo não é perseguir a popularidade, "mas a legitimidade." Sublinhou que a Justiça tem como prioridade proteger os direitos do cidadão contra possíveis arbítrios do Estado. Responsável, há um ano, pelo lançamento do movimento pela reforma política, que proíbe a contribuição de empresas privadas para candidatos políticos, Vinícius  disse que nosso sistema eleitoral alimenta uma nova forma de "voto censitário,"  onde os direitos da cidadania variam em função da renda de cada eleitor – o que se compreende em regimes aristocráticos, mas não faz sentido em quem acredita que democracia se faz com 1 homem = 1 voto.

arco Aurélio tocou no ponto central de toda cerimonia  quando, numa referência aos conflitos da AP 470, evento que marcou todos aqueles ministros, os mais antigos, os recém-chegados e os já aposentados que, sem toga, ouviram um alerta corajoso: "a história fará justiça aos votos proferidos pelo ministro Ricardo Lewandowski." A incompreensão do papel do novo presidente do STF lhe garantiu em seu devido tempo a alcunha de Liwrandowski, que espelha duas distorções sobre o Direito. A primeira envolve um princípio elementar: levando em consideração o caráter falível das decisões humanas, é sempre preferível manter um culpado solto do que um inocente preso. A segunda incompreensão envolve os votos do novo presidente. Estudiosos aplicados dos autos consideram que ele deu votos duríssimos e mesmo injustos. Absolveu em 37% dos casos, enquanto Joaquim absolveu em 16%. A qualidade de seus votos foi reconhecida em plenário, num grau que nem todos perceberam. O STF acompanhou Lewandowski em 90 votos, ficando com Joaquim em 82. Lewandowski perdeu nas decisões sobre o réu politicamente mais vistoso, José Dirceu. Ao lado de um único voto, do mesmo Marco Aurélio, foi derrotado no desmembramento,  que teria assegurado ao PT os mesmíssimos direitos e prazos já garantidos aos acusados do mensalão PSDB-MG que até  hoje sequer tiveram uma sentença em primeira instância – imagine uma condenação definitiva.  Presente a posse, o professor Dalmo Dallari, grande autoridade em Direito do Estado, gravou uma entrevista, disponível no You Tube, onde explica o erro fundamental do STF ao recusar o desmembramento. Numa argumentação que vai fundo, Dallari mostra que o Supremo simplesmente não tinha autoridade constitucional para julgar os réus que não tinham foro privilegiado.  

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Lewandovski deixou votos que podem ser relidos como demonstração de sensatez e vontade de Justiça. Ele foi o primeiro a mostrar que era absurdo falar em desvio de verbas da Câmara na denúncia contra o deputado João Paulo Cunha – já que era possível encontrar recibos que demonstravam que os pagamentos de anúncios das agencias de Marcos Valério haviam sido feitos, inclusive para grupos como Globo, Folha, Estado de S. Paulo. Também alertou que José Genoíno corria o risco de ser condenado sem provas – apenas porque na época era "presidente do PT." Ainda demonstrou – com uma tabela estatística – que as penas dos réus politicamente mais importantes foram agravadas artificialmente apenas para que eles cumprissem pena em regime fechado. Lewandowski votou contra uma pena essencial – crime de formação de quadrilha – e, sem perder a suavidade, demonstrou independência e capacidade de argumentação no debate sobre embargos infringentes, única chance oferecida aos acusados  para uma revisão das condenações. Numa noite quente do início do ano, quando retornou ao  gabinete no anexo do Supremo após uma rodada de conversas sigilosas com outros ministros, Lewandowski chegou a dar socos no ar ao antever as chances de uma vitória em plenário, como acabou se confirmando.

O ritual de posse na presidência do STF costuma ser organizado de acordo com o personagem central e o momento em que se encontra. A festa de Joaquim Barbosa, ocorreu quando o julgamento da AP 470 se encontrava no pico de audiência nos meios de comunicação. O tom era de celebração: ambiente lotado, estrelas da TV Globo, banda de música – Luiz Fux aproveitou a ocasião para um inusitado solo de guitarra. Na quarta-feira da semana passada, a recepção a Ricardo Lewandovski teve um estilo discreto e silencioso, para amigos e profissionais do Direito.

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