Batochio: 'STF passou a atuar como 'legislador anômalo'

Para o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), José Roberto Batochio, ao ter decidido pela prisão antes do trânsito em julgado, o Supremo Tribunal Federal "ultrapassou seus poderes e competências constitucionais"; "Logo, o critério de suas decisões deixou de ser jurídico-constitucional, e passou a ser político. Já não é mais a norma insculpida na Constituição, nem a lei processual, nem o regimento interno da própria Corte, que embasa suas decisões, mas sua livre percepção, que se informa, muitas vezes, na veleidade de julgar apenas 'as grandes questões nacionais'", afirmou Batochio durante lançamento de um manifesto da OAB contra o entendimento

José Roberto Batochio
José Roberto Batochio (Foto: Aquiles Lins)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Do Conjur - O ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil José Roberto Batochio não poupou críticas à recente decisão do Supremo Tribunal Federal que abriu precedente para prisão antes do trânsito em julgado.

Para Batochio, uma das causas para o Supremo ter dado esta decisão é que a corte ultrapassou seus poderes e competências constitucionais, passando a atuar como legislador anômalo.

"Logo, o critério de suas decisões deixou de ser jurídico-constitucional, e passou a ser político. Já não é mais a norma insculpida na Constituição, nem a lei processual, nem o regimento interno da própria Corte, que embasa suas decisões, mas sua livre percepção, que se informa, muitas vezes, na veleidade de julgar apenas 'as grandes questões nacionais'", afirmou o ex-presidente da OAB durante o lançamento de um manifesto contra o entendimento.

continua após o anúncio

Em seu discurso, Batochio também afirmou que o Supremo "lava as mãos" ao lançar sobre os acusados e seus advogados o ônus da morosidade processual. "Como se, para aferição da culpa e da responsabilidade penal, com consequente absolvição ou apenamento, não tivessem importância os tribunais superiores, aos quais têm eles o direito de recorrer. Se os tribunais superiores não servem para isso, por que e para que existem? Somente para sua própria majestade?", indaga.

Como última causa para o que classifica como "infeliz" decisão do Supremo, Batochio aponta que o objetivo foi satisfazer e aplacar alguns setores da sociedade, que clamam por justiçamento em nome de maior segurança. "Após a queda da ditadura, a reconstitucionalização, e a restauração das liberdades, jamais se poderia supor que justamente o Supremo Tribunal Federal, a quem os cidadãos brasileiros confiaram a guarda da Constituição, viesse um dia a golpeá-la tão profundamente", complementa.

continua após o anúncio

Sanha punitiva
Durante o evento ocorrido nesta quinta-feira (25/2) na sede da seccional paulista da OAB, a advocacia expôs sua indignação com a decisão do Supremo. As críticas apresentadas vão desde decisão "tecnicamente infantil" até "inaceitável e inconstitucional violência" aos preceitos fundamentais da Constituição Federal.

Alguns ministros, principalmente os oriundos da advocacia, foram citados por advogados como exemplo de decepção em relação à sentença proferida na semana passada. Para os advogados, o STF aderiu à sanha punitiva e ao Estado policialesco.

continua após o anúncio

Leia na íntegra o discurso:

"O compromisso primeiro dos advogados brasileiros, foi, é e sempre será com a liberdade e com a dignidade do ser humano, bens mais altos do patrimônio jurídico de cada indivíduo. Mais do que direito fundamental, e como parte da dignidade humana, a liberdade individual é princípio sobre o qual assenta a República (Constituição Federal, art. 1º, inciso III). É indeclinável dever, pois, respeitá-la e protegê-la.

continua após o anúncio

No Estado Democrático de Direito admite-se, em defesa da sociedade, a privação da liberdade, mediante condenação judicial definitiva. Preceitua a nossa Constituição: "ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, inciso VII).

Fora dos casos de perigo atual ou iminente, que justifica a prisão processual e provisória, somente nessa circunstância, observado o devido processo legal, e com todas as garantias da defesa, pode o Estado privar alguém de sua liberdade. Não fosse assim, a barbárie e o linchamento teriam se reinstalado e seriam situação e prática correntes. Para isso constituímos juízes: para evitar o justiçamento, que marcava a sociedade primária e menos civilizada.

continua após o anúncio

O poder do Estado tem esses limites porque, ética e politicamente, se situa abaixo do homem na escala axiológica. O Estado só existe para que os seres humanos possam viver com liberdade e dignidade. É por isso, por causa da liberdade e da dignidade, que, em nome da cultura e da civilização, proscrevemos os regimes autoritários.

A Constituição de 1988, determina que "ninguém seja submetido a tratamento desumano ou degradante" (art. 5º, inciso III), e "assegura aos presos o respeito à integridade física e moral" (art. 5º, inciso XLIX). Entretanto, passados quase duzentos anos desde a Constituição Imperial, segundo a qual as prisões deviam ser "limpas e claras", as unidades do sistema carcerário brasileiro são dantescos cenários de horror e degradação. No Brasil, quem é condenado à perda da liberdade, cumpre de fato pena ainda mais grave, consistente na privação da sua dignidade.

continua após o anúncio

O Supremo Tribunal Federal é composto por pessoas honradas, juristas de reconhecida competência. Por que então afrontam – com a autorização para se privarem de liberdade pessoas ainda não definitivamente julgadas - aquela primeira e pétrea norma, que a Constituição foi buscar na lei natural? Como podem encarcerar quem ainda não foi condenado por sentença definitiva? Entendem por ventura que, cinco ou mais anos depois, possam acolher o recurso do encarcerado sem atrair para si próprios a responsabilidade de sua destruição e de sua dor? Creem-se moralmente irresponsáveis por isso? Imaginam existir reparação possível para esse dano?

Atônita, a sociedade civil tenta compreender a explicação dessa inaceitável e inconstitucional violência, encontrando três fenômenos causacionais.

continua após o anúncio

O primeiro - apontado pela doutrina -, é o de que, tendo recebido da Constituição de 1988 o poder de julgar a lei em tese, o STF desbordou dos seus poderes e competências constitucionais, passando a atuar como legislador anômalo. Logo, o critério de suas decisões deixou de ser jurídico-constitucional, e passou a ser político. Já não é mais a norma insculpida na Constituição, nem a lei processual, nem o regimento interno da própria Corte, que embasa suas decisões, mas sua livre percepção, que se informa, muitas vezes, na veleidade de julgar apenas "as grandes questões nacionais". Hoje, são dezenas de milhares os processos represados, obstaculizados, às portas dos tribunais superiores, esperando um julgamento que nunca acontecerá; para afastar esse inconveniente, o elevado volume de serviço, e não a justiça, é que passa a ser utilizado como causa de decidir.

Esse primeiro dado causacional liga-se ao segundo: lavam-se as mãos lançando sobre os acusados (e principalmente sobre seus advogados) o ônus da morosidade processual. Como se, para aferição da culpa e da responsabilidade penal, com consequente absolvição ou apenamento, não tivessem importância os tribunais superiores, aos quais têm eles o direito de recorrer. Se os tribunais superiores não servem para isso, por que e para que existem? Somente para sua própria majestade?

A Constituição não afirma que o acusado é sempre inocente. Dispõe, de forma cogente, que ele não pode ser encarcerado enquanto não tiverem sido julgados os seus recursos. Logo - pensam aqueles senhores -, elide-se o efeito suspensivo dos recursos, e se resolve o problema...

Finalmente, parece que a terceira causa do infeliz decisório é satisfazer e aplacar alguns setores da sociedade, que clamam por incruento justiçamento em nome de maior segurança.

Mas, que segurança poderíamos ter fora do Direito? São dele - dizia Pontes de Miranda - os fios invisíveis que sustentam a sociedade.

Após a queda da ditadura, a reconstitucionalização, e a restauração das liberdades, jamais se poderia supor que justamente o Supremo Tribunal Federal, a quem os cidadãos brasileiros confiaram a guarda da Constituição, viesse um dia a golpeá-la tão profundamente.

Exortamos os brasileiros a meditarem sobre o perigo dessa incontinência. Esperamos que unam forças e se movimentem para repudiá-la, em defesa da Charta Magna: esta representa a garantia da liberdade, no presente e no futuro, e, sem ela, ninguém jamais estará suficientemente protegido. Invocamos aqui a memória do Prof. Goffredo da Silva Telles, de cuja Carta aos Brasileiros tomamos de empréstimo as luzes e a indignação, para, em nome da cidadania, dizer aos senhores ministros: cumpram a Constituição que elaboramos por nossos lídimos representantes; e, se não são capazes de fazê-lo, a alternativa é a renúncia aos cargos que ocupam por delegação do povo soberano. Nenhuma força pode haver, nem mesmo a das armas, que seja maior que a ordem constitucional legitimamente estabelecida. Não há vida fora do Direito, não há liberdade nem legitimidade fora da Constituição!

José Roberto Batochio
ex-presidente da OAB Nacional"

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247