Responsável pela prisão de Juquinha diz que corrupção fatura US$ 100 bi/ano no Brasil

Chefe do Núcleo de Combate à Corrupção do MPF em Goiás, procurador Helio Telho Corrêa Filho afirma que em todo contrato que analisa há algum superfaturamento entre 20% e 40%

Responsável pela prisão de Juquinha diz que corrupção fatura US$ 100 bi/ano no Brasil
Responsável pela prisão de Juquinha diz que corrupção fatura US$ 100 bi/ano no Brasil (Foto: Fernando Leite)


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Goiás247 - Chefe do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal em Goiás, o procurador da República Helio Telho Corrêa Filho estima que a corrupção sangre algo perto dos 100 bilhões de dólares por ano dos cofres públicos no Brasil. Segundo suas contas, de um Produto Interno Bruto (PIB) de aproximado um trilhão de dólares, o governo arrecada cerca de 33%, ou 330 bilhões de dólares. Desses, cerca de 30% (US$ 100 bilhões) escorrem pelos ralos da corrupção.

“Não sei até que ponto isto tenha base científica, mas é uma estimativa. O que observamos é que em quase todos os contratos analisados há algum tipo de superfaturamento e que a média desse sobre preço é da ordem de um mínimo de 20%, chegando até 40% do preço justo praticado”, disse Telho em entrevista publicada hoje pelo jornal goiano Diário da Manhã.

Procurador da República desde o final dos anos 1990, sua fama de caçador de corruptos aterroriza o mau administrador público projetou seu nome nacionalmente no MPF. Telho foi o responsável, por exemplo, pela Operação Trem Pagador, que resultou na prisão e no confisco dos bens do ex-presidente da Valec, José Francisco das Neves (PR), o Juquinha. Pelos cálculos do MPF, só na ferrovia Norte-Sul os desvios podem chegar a R$ 100 milhões.

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Para Helio Telho, dois fatores são preponderantes para fazer da corrupção um mal que assola a administração pública no Brasil: oportunidade de se locupletar com dinheiro público e certeza de impunidade. Até a Lei da Ficha Limpa é considerada solução paliativa pelo procurador. “Ruim com ela, pior sem ela”, sentencia.

Reforma política, reforma processual, celeridade nos julgamentos, financiamento público de campanhas e doações apenas de pessoas físicas, proibição de campanhas espalhafatosas com recursos de mídia e marketeiros e maior transparência em atos públicos são soluções para trazer a corrupção para níveis “aceitáveis’, se isto pode ser assim considerado, segundo o procurador.

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Leia abaixo a íntegra da entrevista. Ou na versão flip (gratuita) do jornal Diário da Manhã.

 

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(Hélmiton Prateado)

Diário da Manhã – Quais as origens da corrupção no Brasil?

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Helio Telho – A corrupção tem a mesma idade do Brasil. É uma coisa histórica no País. Como a maioria dos crimes é uma situação favorecida pela oportunidade e pela impunidade. Junto com as primeiras caravelas chegaram indivíduos dispostos a fazer riqueza com recursos que não eram seus, que pertenciam ao Estado e, portanto, eram de todos. Essa disposição de se valer de recursos públicos para aumentar seu patrimônio pessoal está arraigado na índole do povo brasileiro de outros povos também.

Diário da Manhã – Quais as medidas para combater esse mal?

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Helio Telho – Se combate a corrupção prevenindo e reprimindo. Prevenindo você fecha as oportunidades e reprimindo você reduz a impunidade. A prevenção é feita basicamente com máxima transparência nos atos da administração pública. Isto significa que quando os atos da administração pública são praticados sob os olhares de todos a possibilidade de se haver desvios reduz-se de maneira substancial. Também é preciso haver controle interno e externo dos atos da administração pública. Esses atos precisam ser constantemente auditados para inibir e detectar desvios. Nós temos aqui em Goiás o Conselho de Transparência Pública, do qual o Fórum de Combate à corrupção faz parte e eu represento esse Fórum no Conselho, e temos algumas propostas interessantes para combater a corrupção, como por exemplo, a proposta para que todos os atos sejam divulgados de maneira detalhada em tempo real e de fácil acesso e consulta por qualquer pessoa pela internet. Pretendemos que não só pagamentos feitos a fornecedores e empreiteiras sejam divulgados em tempo real, mas também a folha de pagamento de todos os servidores públicos, pagamentos feitos a título de propaganda e publicidade pelo governo a cada um dos órgãos de divulgação, com aferição de circulação, tiragem e outras formas de transparência. Tudo isso são mecanismos que dificultam a prática de desvios.

Diário da Manhã - Como é possível punir de forma exemplar?

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Helio Telho – Estamos em um momento adiantado nesse sentido. Hoje se tem como certo que o direito de punir não deve buscar somente a cadeia para quem desvia dinheiro público, mas a asfixia financeira de quem fica rico com verbas públicas desviadas.  É preciso seqüestrar bens e devolver aos cofres públicos o que foi desviado. Hoje se tem a impressão de que a corrupção é generalizada no país, porque historicamente o Brasil é o país da impunidade e uma boa parte dessa sensação dessa impunidade decorre da certeza de que a Justiça é muito lenta em dar uma resposta às acusações que são feitas e julgar definitivamente esses casos. Uma ação de improbidade administrativa demora até 12 ou 15 anos para ser julgada em definitivo e isto resultar uma punição. Esse tipo de situação gera a sensação de impunidade que acaba estimulando novos atos de corrupção.

Diário da Manhã – A lei e a Justiça não estão à altura de punir e coibir atos de corrupção?

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Helio Telho – Efetivamente não. Primeiro é preciso olhar que a legislação prevê ritos muito burocráticos e várias fases de defesa repetitivas. Veja bem que não estou aqui advogando a supressão do direito de defesa, até porque o direito de defesa é fundamental para que não haja condenações injustas, mas também não pode ser superdimensionado como hoje é, principalmente em casos de improbidade administrativa que na prática ele inviabiliza a punição. O amplo direito de defesa não pode ser instrumento de inviabilizar a punição. Precisamos rever os procedimentos e as instâncias recursais. Nós temos alguns exemplos de celeridade na Justiça para seguir, como a Justiça Eleitoral e a Justiça Trabalhista. São rápidas para julgar e aplicar punição. As Justiças Estaduais e Federal precisam urgentemente observar o que é feito nessas outras duas Justiças e trazer para a prática processual conceitos de celeridade na aplicação do Direito.

Diário da Manhã – No quesito transparência o Brasil está avançado ou ainda engatinha?

Helio Telho – Estamos muito avançados, mas ainda podemos avançar mais. Nos últimos anos tivemos avanços consideráveis, como a Lei da Ficha Limpa e as alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal. São medidas que ampliaram a obrigação de transparência na administração pública. Infelizmente ainda temos no Brasil uma cultura de sigilo muito forte, muita coisa que deveria ser pública ainda é tida como sigilosa, até mesmo por instituições que deveriam dar o exemplo, como o Tribunal de Contas da União.

Diário da Manhã – Como podemos classificar a Lei da Ficha Limpa no combate à corrupção?

Helio Telho – A Lei da Ficha Limpa é um mal necessário. Ele prevê a antecipação dos efeitos de condenações que ainda não tenham transitado em julgado, cujas quais ainda caiba recurso. Não deixa de ser um reconhecimento que o nosso sistema de punição legal é ineficiente, que não dá resultados satisfatórios com a velocidade que se busca. Então a lei veio remendar essa situação. É claro que seria melhor que não precisássemos de uma lei como essa e que tivéssemos uma Justiça rápida e segura em julgar e punir. Mas, no geral a lei é muito boa e a partir das eleições desse ano vamos colher efeitos muito bons. Entretanto, ainda considero que é ruim com ela, mas seria muito pior sem ela.

Diário da Manhã - O que é possível avançar no combate à corrupção como a Lei da Ficha Limpa?

Helio Telho – Precisamos de outras reformas no sistema eleitoral. As campanhas eleitorais ainda são muito caras e precisamos criar mecanismos para baratear essas campanhas. O que mais pesa no orçamento das campanhas são agências de marketing e seus profissionais caríssimos. Precisamos adotar regras para reduzir esses gastos. Já aconteceram avanços significativos como proibição de shomícios, outdoor e de distribuição de brindes. Ainda temos coisas legais e outras clandestinas que encarecem as campanhas. O horário eleitoral gratuito é um engodo. Só é gratuito o tempo de veiculação do rádio e da televisão, mas a produção desses programas é extremamente cara devido ao profissionalismo dessas produtoras. Aquele programa eleitoral gratuito que víamos nas primeiras eleições depois da redemocratização do país, com candidatos de frente para as câmeras e fazendo sua pregação ideológica, isto não existe mais. Marketeiros, produtores, agências, recursos tecnológicos, tudo isto representa mais da metade dos custos de uma campanha. E campanha eleitoral cara assim é um atrativo de investimento para empresas sem escrúpulos.

Diário da Manhã - Há outras medidas a ser adotadas?

Helio Telho – Sim, há outros fatores que encarecem as campanhas e que só podem ser solucionados com uma reforma política. Por exemplo, o número excessivo de candidatos. Cada partido pode lançar, salvo engano, uma vez e meia o número de vagas e as coligações duas vezes. Ou seja, muita gente vai ficar de fora e faz com que as disputas não sejam somente entre adversários de partidos e coligações, mas entre os próprios correligionários. A institucionalização de voto distrital poderia reduzir isto de forma notável. Se a lei determinasse que só valerá o candidato aparecer falando diretamente ao eleitor ao vivo, tudo isto reduzirá sobremaneira o custo das campanhas. Alguém dirá que ficará sem graça e maçante a campanha. Pode ser, mas não estaremos produzindo programas hollywoodianos ou novelas com grande índice de audiência. Ao contrário, estaremos discutindo o futuro da nação, de nossos estados e cidades. O candidato deverá mostrar o que é realmente e o que propõe realizar para a coletividade. Do jeito que está hoje estamos estimulando que candidatos que tenham dinheiro comprem apoio político.

Diário da Manhã – Como fazer com o financiamento das campanhas eleitorais?

Helio Telho – As campanhas deveriam ser financiadas exclusivamente com recursos públicos e com doações de pessoas físicas, e assim mesmo com limites legais. Empresas não podem financiar campanhas eleitorais de forma alguma. Isto é uma porta escancarada para a corrupção. Ao permitirmos que empresas empreguem dinheiro em campanhas estamos permitindo que sejam plantadas sementes de corrupção que vão se tornar grandes árvores da corrupção depois da eleição. Uma empresa financia uma campanha não por ideologia ou por identificação com este ou aquele candidato. A ideologia de uma empresa é o dinheiro e todas, sem exceção, tratam o financiamento de campanhas como investimento e um investimento qualquer. Depois da eleição invariavelmente vão pedir o ressarcimento do que foi investido. Vão pedir depois uma dispensa de licitação, de um benefício fiscal ou a indicação de algum protegido que venha a exercer alguma atividade de fiscalização de sua área ou de seus concorrentes.

Diário da Manhã – É possível acabar com a corrupção?

Helio Telho – Considero isto uma utopia. Não vamos acabar com a totalidade da corrupção. Apenas é possível reduzir sua prática a níveis menos danosos. A corrupção impede o país de crescer e aumenta as desigualdades em todos os níveis, o que é um tormento para todos e um incentivo para muitos outros crimes.

Diário da Manhã – É possível mensurar o quanto é desviado dos cofres através da corrupção?

Helio Telho – Há algumas contas e não sei até que ponto isto tenha base científica, mas é uma estimativa. O que observamos é que em quase todos os contratos analisados há algum tipo de superfaturamento e que a média desse sobre preço é da ordem de um mínimo de 20%, chegando até 40% do preço justo praticado. Hoje temos um PIB (Produto Interno Bruto) de 1 trilhão de dólares, a carga tributária está na faixa de 33%. Podemos avaliar que se o governo arrecada e gasta em torno de US$ 330 bilhões e um terço disso é desviado pelos ralos da corrupção, então vislumbramos uma cifra monumental de US$ 100 bilhões. É muito dinheiro saindo dos cofres dos três níveis de governo.

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