"Operação Condor é um processo envergonhado no Brasil"

Autor de um livro sobre o tema e testemunha ocular de um episódio no período da repressão, o  jornalista Luiz Cláudio Cunha é um dos especialistas convidados a participar do Grupo de Trabalho da Operação Condor, criado, este mês, pela Comissão Nacional da Verdade; o 247 conversou com ele; leia a entrevista 

"Operação Condor é um processo envergonhado no Brasil"
"Operação Condor é um processo envergonhado no Brasil" (Foto: Divulgação)


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Aline Oliveira _247- O ano era 1978, época de ditadura militar na América Latina. O jornalista Luiz Cláudio Cunha foi testemunha ocular de um sequestro a um casal de militantes da oposição uruguaia, enviados a Porto Alegre sob a permissão do regime militar brasileiro.

Um telefonema o alertou sobre o ocorrido, e ele e o fotógrafo João Baptista Scalco foram ao apartamento onde estavam, impedindo que Universindo Díaz e Lilian Celiberti fossem mortos. “A aparição inesperada da imprensa no meio da Operação Condor fez com que ela fosse abortada e os sequestrados não fossem assassinados. A Condor pegava, prendia, torturava e matava”.

Após 34 anos, centenas de episódios marcantes na carreira, dezenas de prêmios e um livro sobre o tema (Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios), o repórter é um dos membros do Grupo de Trabalho da Operação Condor, criado, este mês, pela Comissão Nacional da Verdade, instaurada em março deste ano.

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Este Grupo de Trabalho irá abrir o baú e investigar a aliança firmada, nos anos 1970, entre os militares do Brasil, da Argentina, do Chile e Uruguai para eliminar seus opositores.  “A Operação Condor é um processo extremamente secreto, clandestino, oculto e envergonhado. Ninguém admite que participou. Então é importante que a gente resgate essa história”.

Leia a entrevista com Luiz Claudio Cunha

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247- Por que só agora foi criado um grupo de trabalho da Operação Condor na Comissão Nacional da Verdade?
Luiz Cláudio Cunha -
É uma divisão natural de funções de áreas de estudo, dentro da Comissão. É uma parte específica, tem a parte do Golpe em si, a parte da repressão do golpe e seus patrocinadores com apoios internos e externos; uma área que trata das relações de direitos humanos; uma parte dedicada às pessoas do campo e indígena,  uma focada no Araguaia, outra à perseguição aos militares que se opuseram ao golpe; e a cooperação de repressão à América Latina, que envolve a Operação Condor e uma parte dedicada a violação de brasileiros no exterior e de estrangeiros no Brasil. São coisas fronteiriças. Ou seja, a Condor não é uma invenção de última hora, ela sempre esteve no bojo da discussão da Comissão da Verdade. Ela é uma questão importante, porque mostra muito o envolvimento brasileiro nessa coordenação transacional e troca ilegal de prisioneiros, e troca de informações, que levou à criminalização dos regimes na época. Esses governos atuavam à margem da Lei, cometendo assassinatos.

247- O que é mais relevante para ser esclarecido?
Luiz Cláudio Cunha -
Existem muitos casos relatados de forma esparsa e a Comissão vai tentar dar uma lógica, um certo sentido a muito relatos, que existem dentro e fora do Brasil. Dentre eles há a participação brasileira, em 1975, nessa entidade clandestina e secreta [a Condor], que terminou nos anos 1980. Mas somente nos anos 1990 é que ficamos sabendo da existência dela. Então durante 10 anos, nós não tivemos nenhuma informação sobre a Condor. Era uma palavra secreta e só aparecia nos papéis de quem participava dessa organização. A gente só começou a tomar conhecimento do termo “Operação Condor” a partir de documentos da CIA, que citavam expressamente a troca de correspondente entre os militares, e passou a apresentar a palavra “Condor”. Até então, as pessoas só sabiam que existia alguma coisa ‘voando’ sobre todo mundo, porque as pessoas desapareciam, ela subitamente presas... Eram detidas na Argentina e apareciam no Uruguai, detido no Uruguai e aparecia no Chile, ou era presa no Brasil e aparecia na Argentina... Então todo mundo achava que acontecia alguma coisa suspeita, mas não se sabia que era uma entidade organizada, de forma cientifica. Se fala muito de Condor no Chile (onde foi fundada) e na Argentina. O Brasil sempre teve uma posição meio distante, e isso é uma inverdade, porque nosso País participou de forma decisiva, trocando prisioneiros, prendendo gente no RJ e repassando para Argentina. O caso mais ostensivo é o seqüestro dão casal Universindo Díaz e Lilian Celiberti, em Porto Alegre, em novembro de 1978.

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247- É o caso que você é testemunha ocular e, de forma surpreendente, sua presença evitou que os dois fossem mortos.
Luiz Cláudio Cunha -
Esse sequestro é importante porque é o único que tem o testemunho de um jornalista e que permitiu, através da aparição inesperada da imprensa no meio da operação, que a operação fosse abortada e eles não puderam matar os seqüestrados. A Condor pegava, prendia, torturava e matava. No caso, como eu era testemunha junto com o João Baptista Scalco, eles não puderam matar. Então acabou sendo uma operação muito importante, porque é a maneira de a gente comprovar que a Operação existia. Os dois foram presos, levados para o Uruguai e cumpriram pena durante cinco anos da ditadura. Quando  foram soltos, confirmaram tudo que a gente tinha contado.

Tem uma operação muito importante também que é aconteceu nos anos 1980, quando dois argentinos que foram presos no Galeão, quando vinham do México. Eles foram presos antes de entrar ilegalmente no País e entregues a um comando do exército argentino. Esse comando viajou para o Brasil em um avião da Força Aérea da Argentina, descendo na base do Galeão, para pegar os dois argentinos e levar pra Buenos Aires. Ou seja, você não consegue fazer um avião militar descer numa base aérea brasileira sem ter autorização de algum comandante. Outro ponto importante desse caso é que mostra que ele aconteceu no inicio do governo Figueiredo (1979-1985), no final da ditadura.

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247- Podemos afirmar que você está participando ativamente desse capítulo da recente história brasileira. Nos anos 1970 foi testemunha de uma Operação e sua presença evitou a morte de pessoas. Hoje é parte integrante de uma comissão que irá colocar em pratos limpos tudo que aconteceu no período ditatorial. Como é isso para você?
Luiz Cláudio Cunha - É alentador - para quem viveu a época da ditadura e enfrentou um período de tanto medo - participar tanto tempo depois de uma Comissão da Verdade, que tem o compromisso de resgatar essas histórias e contar para a nova geração como era o Brasil daquela época. Acho que fecha o ciclo. Acho que a democracia brasileira nunca será completa enquanto não resolver essa questão, que na Argentina, no Uruguai e no Chile já está sendo resolvida de uma forma muito mais madura. O Brasil resolveu colocar uma pedra em cima do seu passado como se isso fosse resolver e apagar os crimes cometidos lá trás. Isso é um erro. A gente só pode construir uma democracia quando lê as páginas do passado para consertar os erros e construir uma democracia, que é oposto da repressão e da ditadura. A Operação Condor é um processo extremamente secreto, clandestino, oculto, envergonhado. Ninguém admite que participou e então é importante que a gente resgate essa historia. E eu fico muito feliz como jornalista e como cidadão de ter sido chamado a colaborar com o pouco que eu sei, porque acho que todo jornalista tem o dever de lembrar e a missão de contar.  

247- É possível precisar o número de vítimas da Operação Condor?
Luiz Cláudio Cunha - São números muito imprecisos, porque como são operações clandestinas e secretas, muitas pessoas desapareceram e não foram encontradas. E às vezes pessoas que foram presas, torturadas e mortas dentro do próprio país (Argentina, Chile, Uruguai ou Brasil) não têm a ver com a Condor. É preciso fazer uma separação para não achar que todos os mortos desse período de repressão no Cone Sul são vítimas da Condor.Prefiro não falar em números agora. 

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247- O Brasil demorou a instaurar a Comissão Nacional da Verdade e houve uma cobrança internacional para que ele fizesse isso. Você acha que se não tivessem feito essa pressão, nosso País teria criado a Comissão?
Luiz Cláudio Cunha -
Eu acho que é um processo de amadurecimento. Na verdade, o Brasil acelerou o processo de criação da Comissão da Verdade primeiro porque é o último país a fazer isso. Segundo, o Brasil foi condenado em 2010 na corte de direitos humanos da OEA porque não apurou os crimes cometidos no combate do Araguaia, não investigou os abusos de violência, os desaparecimentos e os casos de tortura. Com essa condenação, o Brasil teve até dezembro de 2011 para informar a OEA o que iria fazer para resolver essas questões. Agora com a Comissão da Verdade o Brasil começa a atender uma das condições da Corte Interamericana, fundamentais para pedir sua cadeira no Conselho Permanente da ONU.

Nosso País já assinou tratados internacionais que reconhecem a tortura como um crime imprescritível. Mas aqui dentro ainda se considera tortura crime comum, ou seja, prescritível. O Brasil precisa fazer aqui dentro o que aprende lá fora. Não temos nenhum torturador no julgado e condenado por essas questões. Então, nós temos que recuperar esse tempo perdido e a Comissão da Verdade ao resgatar esse pedaço mal contado da história vai dar condição para que todos os brasileiros em qualquer instância de poder possam julgar com mais propriedade essas questões.

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