Lei de Cotas: um avanço

É fundamental mobilizar-se para que a lei, mesmo com seus defeitos, não seja letra morta, como o são quase todas as leis que defendem direitos humanos



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No dia 29 de agosto, a presidente aprovou a lei de cotas sociais para alunos da escola pública aspirantes aos cursos das universidades federais e instituições federais de nível médio. Ela vetou o artigo 2º que condicionava o direito ao ingresso no sistema de cotas ao desempenho no ensino básico. Este artigo teria deturpado o benefício, já que estaria vinculando o mérito futuro com um desempenho aferido no passado, condenando os que receberam um ensino insuficiente a permanecer nessa situação.

As instituições federais de ensino terão um prazo de quatro anos para reservar 50% das vagas para cotas sociais, dedicadas aos alunos da escola pública. Dentro desse universo, serão atribuídas vagas a grupos étnicos designados, como afrobrasileiros e indígenas, numa proporção igual àquela em que estes grupos aparecem na região em apreço. Ou seja, a lei resolve de maneira satisfatória a eterna falsa contradição entre cotas sociais e raciais, criada por grupos racistas para colocar em confronto os pobres brancos com os pobres negros ou índios.

O projeto de lei merece uma acirrada defesa de parte dos setores progressistas da sociedade, porque é altamente improvável que as classes alta e média alta se resignem a conviver no mesmo espaço dos que consideram seres inferiores que já foram propriedade de seus ancestrais.

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Mas, sem nos adiantarmos às dificuldades futuras, vemos que há dois problemas que devem ser resolvidos. Um é a notória extraterritorialidade outorgada às universidades estaduais, como se estas fossem patrimônio das elites locais e não do conjunto da sociedade. A segunda é o limite muito baixo (1 salário mínimo e ½) para os ingressos familiares de quem aspire a se beneficiar das cotas.

A omissão das universidades estaduais (como se elas não fossem públicas) poderia não ser relevante em muitos casos, já que há várias que possuem seu próprio sistema de cotas, e algumas, como a UERJ, têm sido pioneiras na Ação Afirmativa.

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O problema mais sério é que as três universidades estaduais de São Paulo constituem, por si mesmas, um gigantesco sistema de poder político, recursos econômicos e capacidade de influência sobre a estratégia científica e educativa do resto do país. Além disso, o estado é, dentro do Brasil, o mais tipicamente oposto à igualdade racial, e o segundo território da América Latina em grau de percepção negativa dos membros de etnias não brancas.

Ou seja, a lei deixa que as universidades paulistas continuem sendo um santuário da reprodução do poder das elites e da fabricação de "cientistas" para abastecer os grupos econômicos e financeiros. Além disso, a lei não interfere no que poderia ser uma tentativa louvável (porém, difícil) de compensar o racismo, brindando aos estudantes a oportunidade de conviver com a rica diversidade do país.

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Aliás, se o projeto do novo Código Penal tiver aprovados seus artigos mais progressistas, isso daria uma ferramenta para inibir o bullying contra os alunos cotistas. Isto, obviamente, é necessário, pois não apenas políticos e advogados, mas até professores e pesquisadores sugeriram, nos últimos anos, algo que pode ser eventualmente entendido como uma ameaça implícita: a facilitação do ingresso de pobres, negros e índios nas universidades de elite, poderia provocar reações (sic) nos outros estudantes.

Mesmo sem a existência das irritativas cotas, os "trotes" habitualmente praticados por hooligans da classe alta nessas universidades cobraram vítimas várias vezes e, num desses casos, em 1999, a única vítima fatal foi (por coincidência?) um rapaz de etnia não caucásica.

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Tudo isso faz pensar que, além de uma óbvia questão de justiça, a obrigatoriedade das cotas para todas as universidades deve servir também para educar, na medida do possível, a sensibilidade dos racistas e linchadores.

Deve-se lembrar-se que o artigo 22 da Constituição Federal diz que Compete privativamente à União legislar sobre (...) XXIV – diretrizes e bases da educação nacional.

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O critério das cotas é uma diretriz de grande abrangência e não apenas um problema específico. Portanto, deve ser decidido pela União.

O segundo problema sério do projeto de lei é o baixo limite fixado para quem deseja se beneficiar do sistema de cotas. Famílias que sobrevivem com 1,5 salário mínimo, apenas conseguem comprar alimentos básicos, e seus filhos são vítimas da deserção escolar.

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Não se pode descartar que alguns membros desta faixa, dotados de especial força de vontade, inteligência e vocação, consigam acabar o segundo grau e, portanto, sejam candidatos para as cotas da universidade. Mas isso não é a regra. Então, uma família que recebe 3 ou 4 salários mínimos (que em qualquer país civilizado estaria por baixo da linha de pobreza), não poderá usufruir das cotas, porque seria muito rico (?) para esse sistema.

Apesar de tudo, é fundamental mobilizar-se para que a lei, mesmo com seus defeitos, não seja letra morta, como o são quase todas as leis que defendem direitos humanos.

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