Cardozo explica por que prefere morrer a ser preso no Brasil

Assim o ministro da Justiça descreve o sistema penitenciário brasileiro: celas abarrotadas, violência, degradação, ofensas a direitos humanos, ausência de políticas que propiciem a reinserção social dos detentos; editorial do Globo o critica

Cardozo explica por que prefere morrer a ser preso no Brasil
Cardozo explica por que prefere morrer a ser preso no Brasil


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

247 - Em artigo publicado neste domingo na Folha, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, explica mais uma vez sua polêmica declaração sobre por que preferiria morrer a ser preso numa penitenciária brasileira. O jornal O Globo também abordou o tema e criticou o ministro da Justiça.

Leia o artigo de Cardozo:

Por um sistema carcerário digno e eficiente

continua após o anúncio

José Eduardo Cardozo

São notórios os problemas que atingem o nosso sistema prisional.

continua após o anúncio

Celas abarrotadas, violência, degradação, ofensas a direitos humanos, ausência de políticas que propiciem a reinserção social dos detentos. Nossos estabelecimentos penais se transformaram, sob o silêncio acumpliciador de muitos, em escolas de criminalidade. Do lado de dentro dos seus muros nascem e florescem organizações criminosas que comandam o narcotráfico e praticam abomináveis atos de violência que aterrorizam a população.

Como parlamentar, sempre teci duras críticas à esta situação. Seria, assim, absurdo que agora, na condição de ministro da Justiça, pelo fato de ter sob minha responsabilidade direta os presídios federais, e indireta, os estaduais, viesse a me omitir, a fugir das minhas opiniões.

continua após o anúncio

É repugnante a ética dos que, no exercício de funções de governo, agem como ilusionistas, escondendo o que é ruim e falando apenas o que é bom. Colocar a nu as vísceras de um grave problema social que se deve enfrentar em conjunto com outros agentes públicos é um dever.

É uma forma saudável e transparente de se buscar a sinergia social e política necessária para a superação da acomodação, da covardia ou do conformismo de alguns. É ainda uma maneira de possibilitar um debate público do problema, atacando frontalmente o pensamento retrógrado dos que ainda hoje defendem a pena como um castigo ou vingança, e não como uma medida necessária para a tranquilidade social e a reinserção dos apenados.

continua após o anúncio

Por isso, mesmo na condição de ministro, continuo me sentindo à vontade para expressar a mesma opinião, por mais que alguns digam que dizer agora o que sempre disse é inoportuno e inadequado. Não quero com isso me eximir de responsabilidade, mas, ao contrário, assumi-las, levando a público o que o Ministério da Justiça vem fazendo e pretende ainda fazer para contribuir com a mudança dessa realidade.

Em novembro de 2011, lançamos um ousado programa de auxílio aos Estados visando à ampliação e a construção de unidades prisionais até 2014 no valor de R$ 1,1 bilhão de reais. Considerando as 24 mil vagas já contratadas e as 42 mil que contrataremos no governo Dilma, temos por meta entregar 66 mil vagas, zerando o histórico déficit existente para mulheres presas e retirando presos de delegacias. Já entregamos, até a presente data, 7.106 vagas, estando já em execução de obras a criação de mais 16.000 vagas.

continua após o anúncio

Do mesmo modo, temos desenvolvido programas que além da busca de um tratamento digno aos presos, visam a sua reinserção social.

Com o Ministério da Educação, temos ações de combate ao analfabetismo e incentivo ao estudo e a capacitação técnica de presos e de servidores. Com o Ministério da Saúde, promovemos a vacinação de 500 mil pessoas, estamos distribuindo remédios e facilitando acesso ao SUS e à rede cegonha.

continua após o anúncio

Importante observar que conseguimos viabilizar também a aprovação de importantes propostas legislativas para a melhoria do nosso sistema. Em menos de dois anos, foram aprovadas leis que asseguram a informatização da execução penal, impedem o encarceramento desnecessário de autores de delitos menores e garantem a redução da pena para detentos que estudem.

Mas há muito a fazer, tanto no âmbito dos governos federal e estadual quanto do Legislativo e do Judiciário, com os quais temos trabalhado, em conjunto, na formulação de um plano integrado de ações de melhoria do sistema prisional e de redução do déficit carcerário. Para o enfrentamento do crime organizado, em cooperação com os Estados, temos ainda oferecido vagas nos sistema penitenciário federal (832) para presos de alta periculosidade, com excelentes resultados.

continua após o anúncio

Nosso sistema prisional não deixará de ser medieval, da noite para o dia. Mas se conseguirmos fazer com que todos vejam a gravidade do problema e assumam as suas responsabilidades constitucionais e legais, saindo do jogo fácil de imputar responsabilidades a outros quando pouco ou nada se fez, contando com a cobrança e a fiscalização permanente da sociedade, teremos dado um passo decisivo para mudarmos uma realidade que nos envergonha aos olhos do mundo e diante de nós mesmo.

JOSÉ EDUARDO CARDOZO, 53, advogado, é ministro de Estado da Justiça

E também o editorial do jornal O Globo:

A súbita preocupação com os presídios - EDITORIAL O GLOBO 

O GLOBO - 17/11

Quem sabe agora que petistas graduados e banqueiros se preparam para ser trancafiados a qualidade de vida nos presídios não começa a melhorar?



O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, deputado petista, nega qualquer relação entre o comentário de que preferiria morrer a cumprir pena atrás das grades e a condenação à prisão em regime fechado do "núcleo político" do mensalão (José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, companheiros de alta patente do ministro no PT).

O tema fez parte da última sessão de julgamento da "Ação Penal 470", quarta-feira, quando o ministro Dias Toffoli, que não esconde a amizade com Dirceu, com quem trabalhou na Casa Civil, comparou as penas já definidas no julgamento a atos de purgação de pecadores praticados na Santa Inquisição. Um evidente exagero.

Para Toffoli, corruptos deveriam ser punidos com multas. Ora, se assim fosse, é bastante provável que houvesse ainda mais corrupção neste país, porque, afinal, garimpar dinheiro não é difícil para essa gente.

Os comentários do ministro Toffoli tiveram como pano de fundo a degradação do sistema penitenciário, a que se referira o ministro da Justiça. Nas intervenções feitas na Corte sobre o tema, destacaram-se as de Gilmar Mendes e Celso de Mello: o problema do sistema penitenciário não é novidade e, inclusive, faz parte da agenda de trabalho do Ministério da Justiça. Quer dizer, cabe ao ministro que reclama da degradação das cadeias acabar com o motivo de sua reclamação.

As estatísticas sobre as prisões brasileiras são macabras. Há quase 170 mil presos além da capacidade dos presídios, e por isso eles estão amontoados, literalmente, em vários estabelecimentos. Apenas no Piauí há folga no espaço físico em relação à população carcerária.

Ao todo, são 514.582 presos, e a situação seria ainda mais grave se não existissem 162 mil mandados de prisão não cumpridos — o que faria dobrar o déficit. A impunidade, portanto, é que evita mais problemas no sistema, o pior dos atenuantes.

Costuma-se dizer que se a classe média voltasse a colocar os filhos na escola pública, o ensino melhoraria de nível pela pressão política que este extrato social exerceria sobre os governantes. Quem sabe algo semelhante ocorra com as prisões? Agora que políticos afamados, do partido no poder em Brasília, e banqueiros estão em contagem regressiva para atravessar a porta de entrada da cadeia pode ser que, enfim, a questão da qualidade de vida em presídios superlotados venha a ser enfrentada como deve.

A cultura aristocrata que sobreviveu à própria proclamação da República estabeleceu que cadeia é para pobre e pessoas sem influência no mundo político. Este é outro aspecto memorável do desfecho do julgamento do mensalão: fazer valer a regra republicana de que todos são iguais perante a lei.

 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247