Quem vai pagar essa conta?

Ninguém discorda que trabalhadores, da iniciativa privada ou do serviço público, devem ser livres para lutar por seus interesses. Mas uma coisa é greve. Outra, abuso de poder



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O direito à greve, estendido a todos os funcionários públicos, foi e ainda é celebrado como uma das mais importantes conquistas democráticas da Constituinte. O Brasil saía de um período sombrio, em que qualquer tipo de greve era proibido pelo governo militar. Hoje, ninguém discorda que trabalhadores, sejam eles da iniciativa privada ou do serviço público, devem ser livres para lutar por seus interesses.  Mas uma coisa é greve. Outra, abuso de poder. E é a isso que temos assistido ultimamente, no caso dos servidores federais.

No país inteiro, mais de um milhão de alunos estão sem aulas há meses, já com o ano letivo comprometido. Passageiros sofrem com aeroportos congestionados e a suspensão da emissão de passaportes; exportadores e importadores amargam prejuízos milionários com a retenção das mercadorias nos portos; produtos farmacêuticos e químicos importados estão retidos por falta de licença da Anvisa e já há problemas na distribuição de medicamentos de uso controlado.

Mais: os motoristas enfrentam engarrafamentos quilométricos em rodovias e os caminhoneiros acumulam perdas significativas com os atrasos na liberação de cargas. Fronteiras e rodovias estão desguarnecidas e é a segurança de toda a população que está em jogo com a paralisação de investigações sobre tráfico de drogas e armas, pedofilia, corrupção, evasão de divisas, contrabando e lavagem de dinheiro.

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O Brasil não pode ficar refém dos interesses específicos de servidores públicos. Servidores que, além da estabilidade, têm, em sua maioria, salários muito além da realidade da média dos trabalhadores da iniciativa privada.

E cito aqui dois exemplos: na Polícia Federal, o salário inicial de um agente é de R$ 7,7 mil e o de um delegado é de R$ 13,3 mil; na Receita Federal, o piso dos auditores é de R$ 13,6 mil; o teto chega a R$ 19,5 mil. É pouco, no entendimento de lideranças sindicais.

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Vale destacar que o salário médio do trabalhador brasileiro com ensino superior gira em torno de R$ 3,8 mil, pelos dados do IBGE.

Mais que isso. Desde 2003, tem havido uma política sistemática de recomposição salarial para o funcionalismo público federal. Levantamento feito pelo economista Raul Velloso para o jornal O Globo mostra que os salários dos servidores ativos da União tiveram um ganho real de 33,2% entre 2002 e 2011 – a média salarial pulou de R$ 5,3 mil para R$ 7,2 mil. No mesmo período, o PIB per capita cresceu 26,7%.

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É verdade que há categorias com salários defasados. O governo faz bem em trabalhar com reajustes diferenciados – não dá para colocar tudo no mesmo balaio. A pressão por um reajuste linear de 22% nos vencimentos básicos de todos os servidores está longe de ser razoável, assim como estão longe de ser razoáveis reivindicações de reajustes de até 70% para algumas categorias.

Pelos cálculos do Ministério do Planejamento, se o governo cedesse a todas as reivindicações dos grevistas, incluindo aumentos salariais e reestruturação de carreiras, o impacto nas contas públicas seria superior a 92 bilhões de reais. Isso equivale a 2% de todo o Produto Interno Bruto do país!

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Nunca é demais lembrar que a folha de pagamentos da União já tem um peso mais que considerável: R$ 190 bilhões, o equivalente a 4% do PIB nacional. Também não dá para ignorar o atual cenário de desaceleração econômica, em que a pressão por mais gastos deve ser concentrada em novos investimentos, capazes de impulsionar a economia.

Negociações são sempre bem vindas. Mas isso vale para um ambiente democrático, em que deveres e direitos são respeitados de parte a parte. Servidores públicos têm o legítimo direito de entrar em greve e de lutar por seus interesses, desde que não coloquem em risco os direitos também legítimos da população à segurança e outros serviços públicos essenciais.

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Nessa história toda, o Congresso Nacional tem que fazer um mea culpa. Não há justificativa para o direito de greve dos funcionários públicos não ter sido regulamentado até hoje, 24 anos depois de promulgada a Constituição. Pior ainda: cinco anos depois de o Supremo Tribunal Federal ter sido obrigado a ocupar esse vazio legal estendendo temporariamente aos trabalhadores do serviço público as mesmas limitações da iniciativa privada, por meio de um mandado de injunção.

Mais que apoio à posição até agora firme do governo federal frente aos movimentos grevistas, o Legislativo precisa retomar o protagonismo que lhe cabe por força constitucional e impor limites legais ao direito de greve. Não é justo que a população pague a conta, pelos abusos dos grevistas. Nem pela omissão de seus representantes.

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Ricardo Ferraço é senador pelo PMDB/ES

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