Maria Rita Kehl manda carta aberta a Marta

Psicanalista e ativista de direitos humanos, com fortes ligações com o PT, Kehl critica o uso de recursos da Cultura em desfiles de moda. "O governo precisa fazer opções. Deixar os Pontos de Cultura à míngua e incentivar a alta costura, é algo absurdo. E algo que aponta lados. Que demonstra escolhas. Ou seja, menos arte popular. Mais elitismo", diz ela; para a ministra, moda é, sim, uma expressão cultural

Psicanalista e ativista de direitos humanos, com fortes ligações com o PT, Kehl critica o uso de recursos da Cultura em desfiles de moda. "O governo precisa fazer opções. Deixar os Pontos de Cultura à míngua e incentivar a alta costura, é algo absurdo. E algo que aponta lados. Que demonstra escolhas. Ou seja, menos arte popular. Mais elitismo", diz ela; para a ministra, moda é, sim, uma expressão cultural
Psicanalista e ativista de direitos humanos, com fortes ligações com o PT, Kehl critica o uso de recursos da Cultura em desfiles de moda. "O governo precisa fazer opções. Deixar os Pontos de Cultura à míngua e incentivar a alta costura, é algo absurdo. E algo que aponta lados. Que demonstra escolhas. Ou seja, menos arte popular. Mais elitismo", diz ela; para a ministra, moda é, sim, uma expressão cultural (Foto: Leonardo Attuch)


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247 - O apoio do Ministério da Cultura a desfiles de moda continua gerando polêmica. Em artigo recente, a ministra Marta Suplicy defendeu o incentivo (leia aqui). No entanto, em carta aberta à ministra, a psicanalista Maria Rita Kehl criticou essa opção. Leia abaixo:

“Prezada Ministra Marta, como vai?

Escrevo para lhe dizer que concordo com a sua afirmação: moda é cultura. Alta culinária também. No entanto, eu não penso que sejam estas as expressões culturais que precisam dos incentivos do MinC.

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O argumento de que desfiles sofisticados “melhoram a imagem do brasil no exterior”, a meu ver, é inconveniente. Esta era uma preocupação dos governos militares: enquanto havia tortura aqui dentro, eles se preocupavam com a imagem do Brasil lá fora. Ora, só o fim da ditadura poderia melhorar nossa imagem frente aos países democráticos.

Hoje, em plena democracia, a tortura só é praticada nas delegacias da periferia, contra negros e pobres cujas famílias são intimidadas para que as denúncias não cheguem nem à sociedade local, quanto menos à comunidade internacional. Então, oficialmente, vivemos em plena democracia. Mas o que é que “mancha” a imagem do Brasil no exterior? Não é a falta de alta costura/alta cultura. É a permanência da desigualdade, que nem os programas sociais dos governos petistas conseguem debelar de fato, embora tenham sim diminuído significativamente a miséria que excluía milhões de brasileiros dos padrões mínimos de consumo.

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A desigualdade que persiste no Brasil já não é a que impede o povo brasileiro de se alimentar. É a que impede o acesso das classes baixas aos meios de produção. Pescadores perdem as condições de pescar – e com isso, sua cultura tradicional – expulsos de suas comunidades para se tornarem, na melhor das hipóteses, trabalhadores braçais não qualificados. Lavradores, quilombolas e grupos indígenas perdem suas terras – e com isso, as condições de manter suas práticas culturais – expulsos pela ganância do agronegócio.

Os Pontos de Cultura criados na gestão Gilberto Gil estão abandonados em muitas regiões do país. Músicos e poetas das periferias das grandes cidades não conseguem recursos para mostrar sua arte para o resto do país. Pequenos grupos de teatro, que sobrevivem graças à Lei do Fomento criada na sua gestão na Prefeitura de São Paulo, dificilmente conseguem levar sua produção cultural para outros Estados, muito menos para outros países.

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Não prossigo indefinidamente com exemplos que sei que são de seu conhecimento. Termino com uma afirmação que me parece até banal: em um país tão desigual quanto o nosso, fundos públicos só deveriam ser utilizados para possibilitar o crescimento de quem não tem acesso ao dinheiro privado.

Tão simples assim. Por isso estou certa de que, a cada vez que o MinC, o MEC, o Ministério da Saúde e quaisquer outros agirem na direção oposta à da diminuição da desigualdade, a sociedade brasileira vai se indignar. As expressões dessa justa indignação é que hão de “manchar a imagem do Brasil no exterior”’.

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Respeitosamente, Maria Rita Kehl.

* Maria Rita Kehl, psicanalista, ensaísta, crítica literária, poetisa e cronista brasileira.1 Em 2010, foi vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura na categoria “Educação, Psicologia e Psicanálise” com o livro O Tempo e o Cão.2 3 e recebeu o Prêmio Direitos Humanos do governo federal na categoria “Mídia e Direitos Humanos”.

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