De Lobão a Rita Lee, o Brasil nada mudou

Brasil 247 publica com exclusividade ficha policial feita contra Lobo no fim da ditadura: argumentos so os mesmos usados, 25 anos depois, para a priso de Rita Lee; reportagem especial de Claudio Julio Tognolli

De Lobão a Rita Lee, o Brasil nada mudou
De Lobão a Rita Lee, o Brasil nada mudou (Foto: DIVULGAÇÃO)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Por Claudio Julio Tognolli _247 – A cantora Rita Lee foi levada à Delegacia Plantonista de Aracaju na madrugada de hoje, após seu show de despedida, em Sergipe. Ela se apresentava no Festival de Verão do Estado na cidade de Barra dos Coqueiros, a 2 km da capital (Aracaju). Segundo o assessor de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de Sergipe, Lucas Rosário, que estava presente no show, Rita Lee chamou os policiais de "cachorros" e "filhos da puta". "Faltando cerca de 40 minutos para acabar o show, Rita Lee começou a se dirigir aos policiais", disse Lucas. "Ela dizia que o show era dela e, em um determinado momento, ela disse: 'Me dê um baseado para eu fumar aqui em cima'".

Rita Lee relatou em seu twitter: "Alô twittlawyers, polícia abusiva e abusada, não sou obrigada a fazer o q me pedem: ir à delegacia agora, ou amanhã às 9. Último show e ela vai presa? Não poderia ser mais la cantante, afff ". O episódio indica o quanto o Brasil que se propõe tão moderninho é ainda pré-coerente, mefítico, em acrescentar valores dados de barato no primeiro mundo já, há pelo menos, 40 anos. Rock’n’roll é rebeldia, é surfar o caos. Rock’n’roll é, enfim, tudo aquilo que Philip Roth aponta no personagem Herzog, de Saul Bellow. “Intenso porém passivo, reflexivo porém impulsivo, equilibrado porém louco, emotivo, complicado”. Para o rock’n’roll, o Estado sempre foi o inimigo. Não importa que o Brasil siga os passos da China no modelo capitalismo de Estado e que dê de barato bem-aventuranças materiais das quais a nova classe média jamais dispôs. O Estado continua sendo o inimigo. O bisavô da contracultura, Henry Thoreau, foi para a cadeia por se negar a pagar uma taxa de apoio à guerra contra o México. Ralph Waldo Emerson, ao visitá-lo na cadeia, perguntou: “o que você está fazendo aí dentro?”. Thoreau, com as mãos nas barras da cela, atirou de volta: “a pergunta é o que você está fazendo aí fora”. Pouco antes de morrer de câncer, o avô da contracultura, Timothy Leary, foi ao aeroporto de Austin, no Texas, acender um cigarro na ala de embarque para protestar contra o antitabagismo: foi prontamente preso. “Think for yourself and quesion authority”, proclamava Timothy Leary.

O que choca é a prisão de Rita Lee, quase 25 anos depois, ter ocorrido nos mesmos moldes que as autoridades judiciais e a Polícia Militar aplicaram ao cantor Lobão. O que você verá em seguida, é um extrato de apenas 2% de todos os documentos judiciais que este repórter coletou por dois anos para a biografia do cantor Lobão, “50 anos a mil”, (150 mil exemplares vendidos) que ano que vem começa a ser filmada, com Rodrigo Santoro no papel de Lobão. Confira você que um quarto de século depois Rita Lee é presa com os mesmos argumentos que os esbirros pós-ditadura, sejam togados ou de farda, empregaram contra Lobão.

continua após o anúncio

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO

1988-junho

continua após o anúncio

“Conduta social desajustada e personalidade malformada”.

No Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, em 10 de junho de 1988, foi publicado acórdão, de 16 páginas, de autoria do desembargador-relator Enéas Machado Cotta, relatado a 3 de maio daquele ano. Ele começa assim:

continua após o anúncio

“O réu João Luiz Woerdenbag Filho, denunciado perante o MM. Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal Regional da Ilha do Governador, Comarca da Capital, incurso no Art.16, da Lei 6368/76, porque, no dia 11/02/87, cerca de 16h40 horas, preso em flagrante, ao desembarcar no Aeroporto Internacional do Galeão, quando trazia consigo, sem autorização legal ou regulamentar, para consumo próprio, dois pequenos embrulhos de substâncias entorpecentes, maconha e cloridrato de cocaína. A prestação jurisdicional, pela procedência da ação, resultou em condenar o réu em 1 ano de detenção e cinqüenta dias-multa, no valor unitário de 1 salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, incurso no Art.16, da Lei 6 368/76, estabelecido o regime prisional fechado para o início do cumprimento da pena afitiva, denegado o sursis”.

Prossegue o desembargador Cotta: “No momento do fato denunciado, segundo a prova dos fatos, o acusado estava tranqüilo e admitiu, inclusive, a prova tão-somente do remédio Rivotril 2 mg, porque é epilético...foram apreendidas, em poder do acusado, duas gramas e três centigramas de maconha (2,3 g) e oito decigramas de cocaína (0,8g).”

continua após o anúncio

“Trata-se, realmente, de réu tecnicamente primário. No entanto, segundo declarações do acusado, no auto de prisão em flagrante, em fevereiro do ano anterior ao fato sob censura, esteve envolvido em ocorrência da mesma natureza, de que resultou autuado pela Delegacia de Entorpecentes do Estado. Ainda, quando do cumprimento do mandado de prisão, pedido em decorrência do quebramento de fiança, nestes autos, pela Polícia Federal, o acusado foi surpreendido com haxixe e maconha, no hotel onde de encontrava hospedado, sendo preso e autuado em flagrante delito. Ambos os cometimentos penais, da mesma natureza, foram apagados, um pela absolvição e, o outro, com o arquivamento do inquérito policial. Tais antecedentes, pelos resultados dos respectivos processos, não devem pesar em desfavor do agente”.

“É enorme a culpabilidade do agente, tanto em razão de sua condição pessoal, como pela situação de fato de sua atividade criminosa. Assim que, o réu, conhecido cantor, tido e havido por muitos como ídolo da juventude, se confessa usuário de entorpecentes desde 14 anos de idade e trazia consigo, acintosamente, no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro,dentro do seu porta-óculos, as drogas apreendidas. Não é injusta a pena aflitiva, no dobro do mínimo-legal, imposta a veterano usuário de drogas, de conduta social desajustada e personalidade malformada por suas intimidades no trato com entorpecentes”.

continua após o anúncio

“Apesar da primariedade técnica, a conduta social desajustada e a personalidade malformada do agente não autorizam conceber um juízo de conveniência do favor legal”.

“Não é credor do sursis o delinqüente que, apesar da primariedade técnica, revela periculosidade social post delictum, por sua conduta social desajustada e personalidade malformada”.

continua após o anúncio

1989-setembro

CASO PARANÁ:

continua após o anúncio

“Conduta criminosa do criminoso e artista que se denomina LOBÃO”

O depoimento do Segundo Tenente Maurício Correia Pimentel Machado, Comandante do Pelotão de Polícia de Trânsito da cidade de Cascavel, no Paraná, datado de 8 de setembro de 1989, tem cinco páginas. Trata de sua atividade de coordenar os policiais que circundavam o show no estádio Sérgio Mauro Festugato. O tenente preferiu ele mesmo verberar a sua versão dos fatos num relatório de punho próprio, datilografado. E para, tanto, elenca sete testemunhas contra Lobão: Deodemas de Mello, morador da rua Plínio Salgado, Mário Sérgio

Mendes Coelho, morador da rua Carlos Gomes, Paulo Sérgio de Melo, repórter da TV Carimã, de Cascavel, Severini Trindade, cinegrafista da TV Cascavel (que em seu relatório o tenente descreve como “sinegrafista”), Sidney Armanjo, funcionário do Hotel Copas Verdes, Antonio Junior, funcionário da companhia telefônica estatal Telepar e Edvaldo Esboque, funcionário da loja Hermes Macedo.

O tenente remete o relato ao delegado adjunto do 15 º Distrito Policial de Cascavel, Altino Remy Gubert Junior, e é taxativo: quer que Lobão, face o relatório, perca quaisquer benefícios judiciais de que poderia estar gozando.

“A conduta policial prudente e certa, dentro dos limites da lei, e do interesse público, entretanto, foi violentamente criticado pelo conhecido artista já condenado por outras tropelias e ofensas à lei, que em vez de se comunicar com o Comando, ou com outras autoridades, inclusive com o declarante, passou a vituperar a Polícia Militar do Estado como corporação, taxando-a “corporação FDP”, “pau no cu” e “merdas”, “porras”, etc, que além de atingirem a corporação, ainda agredia a platéia mista que pagara para ir assisti-lo”.

“Diante de tais ofensas gratuitas e infundadas, despropositadas, o declarante, no resguardo da dignidade de sua Corporação, e na preservação de seu comando, dirigiu-se ao exacerbado OFENSOR, acompanhado do seu motorista, soldado Paulo Roberto da Graça. Este (Lobão) então lhe ameaçou de não realizar o “show” e atiçar as pessoas presentes contra a Polícia Militar, caso esta não cessasse sua ação preventiva de preservação e garantia da ordem pública. E de fato o fez”.

“Tanto que muitas pessoas presentes no local passaram a ofender a Polícia Militar presente no local, com vaias e palavrões, num crescendo que terminaria por uma agressão física e tentativa de linchamento coletivo, contra o declarante e seus comandados”.

“Evitando conflito de consequências imprevisíveis, o declarante, ainda pensando na ordem pública, porque no local encontravam-se jovens menores e de sexo feminino, e pessoas cheirando éter, “lanças-perfumes” (sic), e até completamente embriagadas, resolveu, taticamente, recuar os seus homens para fora do ginásio, mas mantendo o policiamento, para qualquer emergência ou ocorrência criminosa”.

“A conduta criminosa, do criminoso e artista que se denomina LOBÃO é por demais evidente no caso:

a)Caluniou toda a Corporação de nossa Polícia Militar;

b)Ofendeu e agrediu moralmente um Oficial da Polícia Militar, que simplesmente cumpria com o seu dever, e nada mais;

c)Incitou a multidão indisciplinada e enfurecida contra o declarante e seus comandados;

d) Obstruiu exercício do Poder de Polícia, criando no interior do Ginásio um clima de insegurança e perigo, que só não derrapou para a violência física e destruição material do bem público, pela conduta tática e serena do declarante, que deslocou o policiamento para o redor do local anarquisado pelo roqueiro e pela transa com droga e álcool”.

“Para que a responsabilidade penal do mesmo seja apurada, pede que seja instaurado competente Inquérito Policial, e nele indiciado o roqueiro Lobão, cujo nome e qualificação deve ser feita por Vossa Senhoria na sua identificação criminal, devendo tal ocorrência ser comunicada para o juiz que o condenou por tráfico e uso de drogas, para fins de cancelamento dos benefícios de liberdade na execução de sua pena”

Lobão procura a Polinter carioca, e em 13 de agosto de 1991, quase dois anos após o episódio. Presta declarações de uma página ao delegado Ari Paulo de Souza Fernandes. Sustenta que apenas foi ao palco “para chamar o oficial que chefiava o regimento, a fim de que ele continuasse preservando a segurança do local, mas que não molestasse o público e nem que atrasasse o espetáculo, já com atraso de duas horas”. Lobão sustenta que tal convocatória foi feita já que os policiais militares “estavam fazendo um corredor polonês na roleta, a fim de revistarem as pessoas que assistiriam ao show, gerando desta forma uma revolta e agressividade do público com relação à Polícia Militar”. Lobão sustenta que ao final do show pediu desculpas ao tenente Maurício Correia”.

 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247