Ciro: Brasil precisa de câmbio que estimule a produção

"É preciso punir o rentismo, trazendo a taxa de juros responsavelmente para uma coisa menor do que a rentabilidade média dos negócios, e restaurar a ideia de que dinheiro não cria dinheiro. O que cria dinheiro é trabalho, a produção e na associação de quem trabalha e produz. Acho que o Brasil está maduro para passar um projeto dessa natureza", diz Ciro Gomes, que deve concorrer à presidência da República pelo PDT, em 2018

30/03/2016 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - entrevista com Ciro Gomes. Foto: Guilherme Santos/Sul21
30/03/2016 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - entrevista com Ciro Gomes. Foto: Guilherme Santos/Sul21 (Foto: Leonardo Attuch)


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Do jornal GGN Como Ciro Gomes atuaria na presidência da República? Nesta quarta e última parte da entrevista que o ex-ministro e ex-governador do Ceará concedeu ao GGN, o político falou da sua experiência na gestão do Ceará, de como conseguiu acabar com 100% da dívida imobiliária do Estado, ainda em 1994, em uma época de grande variação inflacionária e, depois, quando secretário de Saúde, na gestão de seu irmão Cid Gomes, ajudou a expandir a rede de policlínicas implantando consórcios intermunicipais de saúde e, com isso, acabar com as filas. 
 
Ciro também creditou a sua gestão e de seu irmão à boa colocação das escolas cearenses no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), destacando que hoje, entre as cem melhores notas, 77 são de instituições do ensino público do Estado.
 
Assista a seguir:
 
 
Leia os principais trechos da entrevista
 
Educação e saúde no Ceará 
 
Educação: O Ceará tem, das 100 melhores escolas do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), 77. O Ideb mostra, basicamente, o nível de aprovação na idade certa, repetência, evasão. Os alunos se submetem às provas de português, matemática, etc. Então nossa turma está bombando, na escola pública, no interior do semiárido do Nordeste. O melhor Ideb do Brasil é nossa cidade, Sobral. O ex-prefeito da cidade foi convidado pela Fundação Leman para trabalhar com ele. 
 
Saúde: As policlínicas, são administradas por consórcios municipais, co-financiadas pelo Estado que paga metade, deixando metade para os municípios. Criamos uma lei que evitou os municípios pararem de bancar o sistema de saúde, por isso deu certo. Nada substitui a autoridade. Eu fui secretário de Saúde, quando o Cid expandiu dramaticamente a rede. Por exemplo, implantou 20 UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e, ao mesmo tempo, elas não funcionavam, porque havia dificuldade, o Ministério Público dando em cima do que não tem a ver, por exemplo. Ele pediu para eu ver o assunto, e eu botei tudo para funcionar, e uma das coisas era os consórcios das policlínicas. Então chegava o prefeito, fazia reunião, e o prefeito falava 'vou levar para estudar'. Eu dizia: ‘está bom, você leva para estudar, não tem problema nenhum, mas enquanto você estuda não sai uma verba sequer de nenhum setor do estado para o seu município’.
 
Gestão das contas públicas 
 
No Ceará a gente vive em permanente esforço fiscal, lá não é nenhum paraíso não, a gente vive com uma dificuldade imensa. Mas quando fui governador, por exemplo, e vivia tempos de vacas gordas, tempos inflacionários gigantes, e como a inflação no Brasil não era uma doença da moeda, mas uma espécie de tributo, chamei os funcionários e fiz um grande acordo:  ‘não tem mais greve, não tem mais confusão, vamos criar coletivo de negociação, eu próprio participo. Há limites, vocês são 2% da população, eu não vou entregar 100% da receita, mas vou discutir e haverá a prioridade de duplicar o salário dos professores e melhorar o salário da saúde e da polícia. Essas três prioridades vou tocar devagarinho’. 
 
Fizemos um acordo e o reajuste principal do Estado passou a ser trimestral, automático, reposição de 100% da inflação, e eu criei por lei uma conta única e determinei a hospedagem dessa conta única no banco público, porque uma das grandes formas de roubar, inclusive aqui em São Paulo, na época e muito tempo depois também, é que o código de contabilidade do Brasil é muito antigo, de partilha dobrada: botou 100 no primeiro janeiro, e tirou 100 no dia 31 de dezembro, está tudo certo. 
 
Hospedei a conta do Ceará, criei uma conta única, 100% do saldo caia em uma espinha vertebral aplicada por 100% da CDI, e aí a receita financeira do Ceará passou a ser rival das duas outras principais receitas que era o ICMS e o Fundo de Participação. E aí como sobrava dinheiro eu botei 27% livre para investimento, tirei 3% todo o mês calado para a corretora do banco e fomos ao mercado e compramos 100% da dívida mobiliária do Ceará, com 15 anos de antecedência. Isso foi em 1994, imagina, com aquela inflação louca? Esterilizei 100% da dívida mobiliária do Ceará, que desde essa época vive mais ou menos equilibrada. Mas não brincamos não, o imposto sobre herança do Ceará passou de 4% para 8%.
 
Visão de país entre empresários 
 
Quando o cidadão está na roça, no balcão do comércio ou no chão da fábrica, ele sente claramente que está tudo errado e reclama. Porém quando ele tira um excedente qualquer ele hospeda no banco, e ganha uma fortuna, e aí ele fica crítico-conservador. E ele acha que é possível conciliar duas coisas e começa a reclamar de carga tributária, de custo do trabalho e porque ele perde no juro, muito mais do que com isso, mas ganha no juros muito mais do que perde. 
 
Então é preciso punir o rentismo, trazendo a taxa de juros responsavelmente para uma coisa menor do que a rentabilidade média dos negócios, e restaurar a ideia de que dinheiro não cria dinheiro. O que cria dinheiro é trabalho, a produção e na associação de quem trabalha e produz. Acho que o Brasil está maduro para passar um projeto dessa natureza.
 
Do que o Brasil precisa para crescer
 
Eu acredito que o Brasil precisa mudar, e a mudança é complexa, mas se precisar de reduzir a uma sentença é: nós vamos voltar a crescer.
 
Isso vai significar que vou desconsiderar a inflação? Não. Que eu vou desconsiderar o desequilíbrio fiscal? Não. Mas o que eu vou dizer é o seguinte: que o objetivo estratégico é crescer e eu vou administrar as consequências, as contradições, as tensões, os riscos a isso inerentes.
 
Por mais que choque a quem estiver nos ouvindo, não é assim que o Brasil é tangido desde o Fernando Henrique, [quando em] uma madrugada macabra em que o Fernando Henrique engana o Chico Lopes dentro do Palácio do Alvorada, avisa o Chico Lopes que não vai mudar aquela maluquice de câmbio que vai flutuar dentro de uma banda diagonal endógena. O Chico Lopes vende a informação privilegiada, bichada e o Fernando Henrique, nas costas do Chico Lopes, opera o Banco Central privado e casa com o Armínio Fraga. E o Armínio diz: 'a âncora cambial morreu, deixa estourar', como aconteceu com a dívida de novo, e agora nós vamos transferir a segurança do mercado para a âncora fiscal. Daí cria-se esse tripé câmbio flutuante, superávit primário e meta de inflação, e se vende como ciência boa, sendo que o Inflation target funciona com o conceito de core inflation. 
 
O Brasil ainda tem um imenso entulho de indexadores e você hoje está transportando inflação de custos, que sobem preços em função de câmbio para taxa de juros. 
 
Câmbio
 
O professor Bresser-Pereira que tem me ajudado, muito de forma independente como sempre, ele fala em cinco preços básicos da economia que precisam estar organizados para que o país volte a crescer. Um deles, o mais relevante é o câmbio, o câmbio tem que estar em um ponto em que seja exportável o produto bem produzido no Brasil.
 
Evidente que tem deficiências que tem que resolver por outros caminhos. Mas a taxa de câmbio, depois a taxa de juros, e por aí vai. 
 
Mais indústria e menos rentismo
 
Crescer por onde? Indústria. Qual indústria? A primeira indústria é aquela por onde o Brasil está esvaindo bilhões, dezenas de bilhões de dólares ao estrangeiro. Então [é] o complexo industrial de Petróleo e Gás. Qual é o sentido de um país, como o Brasil, vender petróleo bruto e comprar derivado de petróleo caro, em dólar? Resolução: verticalizar toda a estrutura de refino e derivar daí uma indústria de polímeros e, enfim, toda a indústria de petroquímica. Isso é enriquecedor. 
 
Por que isso aí é uma obviedade? Porque o Brasil hoje está com um déficit na conta de petróleo de 25 bilhões de dólares. Então quebro com isso, e é um círculo virtuoso você entrar em uma dinâmica de substituição de importação, sem perda nenhuma de eficiência porque o dinheiro já está indo. 
 
Um outro, que você já mencionou [Nassif], é o complexo industrial da defesa. Algo razoável um país como o nosso que tem um papel estabilizador relevante no Cone Sul, na América do Sul, que pode ajudar a humanidade aí numa busca de uma ordem internacional centrada na paz, no direito, encerrando uma crônica de violência, de genocídio que nós estamos assistindo, de protofascismo, enfim, nós precisamos ter defesa. E isso quer dizer que a nossa aeronave, o nosso navio não ter pode como guia, a mira dos seus trabucos, o GPS americano. Não é razoável. E isso é enriquecedor também, porque é satélite, é foguete, é a indústria nuclear, etc. Esse jogo do Gripen [por exemplo] foi bom, nós vamos verticalizar a transferência tecnológica e isso é o que, potencialmente, o BRICS [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul ] pode nos dar de forma muito acelerada, se tiver um governo que saiba onde apertar os botões.
 
Depois você tem o complexo industrial da saúde. Este ano, a União Federal vai comprar 17 bilhões de dólares de fármacos, próteses, cama de hospital, cadeira de roda, bengala, coisa que 70 e poucos por cento já tem patente vencida e você, com engenharia reversa, copia, cola e pode produzir no interior do semiárido do Nordeste.
 
Luis Nassif - Tem uma discussão no Supremo sobre a questão dessas patentes vencidas, está nas mãos da Ministra Carmen Lúcia há cinco anos.
 
Sim, mas isso se resolve também. O que nos impede fazer?  
 
Agronegócio 
 
Quarto: o complexo industrial do agronegócio. Nós temos o agronegócio, especialmente a agricultura, mais competitiva do mundo, com 40% dos seus custos importados. Não há uma fábrica com contabilidade em real de fertilizante, uma fábrica sequer de agrotóxico com contabilidade em Real, uma fábrica sequer de implementos agrícolas. E máximo de agregação em valor export., que a gente faz sobre a nossa agricultura, é o esmagamento da soja, que já é toda feita por multinacionais. Quer dizer, se você misturar aqui crédito, incentivo fiscal e um esforço de coordenação estratégica do governo com a iniciativa privada, você pode verticalizar para dentro, para fora e para frente. Estou vendo esses quatro [pontos para o crescimento do país] e estou detalhando isso aí para ver já o efeito disso no emprego. Mas o mais importante do que isso é o conceito, para isso nós vamos ter que trabalhar com um câmbio que estimule uma cultura de parcimônia, investimento, poupança e produção. 
 
Acesse a entrevista completa de Ciro Gomes em Playlist.

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