Globo vê condenação de Dirceu como novo tempo

Na capa, a charge de Chico Caruso estampa um arco-íris sobre o ex-ministro vestido com roupa de presidiário; no editorial, jornal da família Marinho aponta no julgamento a consolidação da democracia; Estadão fez editorial semelhante

Globo vê condenação de Dirceu como novo tempo
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247 – Com um editorial mais alentado do que de costume, o jornal O Globo, da família Marinho, vê um alcance maior no julgamento da Ação Penal 470 do que a simples condenação de alguns políticos. Trata-se, na visão do jornal, da consolidação da democracia no País. E a charge da capa sinaliza para um novo tempo no País. Leia:

O alcance da condenação de José Dirceu

O julgamento do mensalão já atinge a sua 11ª semana, e, pela importância histórica do que está em questão, reúne momentos memoráveis, em todos os sentidos. Um deles, entre os principais, a condenação do ex-ministro José Dirceu, por “corrupção ativa”, confirmada pelo ministro Marco Aurélio de Mello, na terça-feira, ao dar o sexto voto de aceitação da denúncia da Procuradoria-Geral da República, avalizada pelo ministro-relator, Joaquim Barbosa.

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Com apenas dois votos favoráveis ao ex-ministro, dos ministros Ricardo Lewandowski, revisor do voto do relator, e Dias Tóffoli, o veredicto de Mello definiu o destino de Dirceu nesta acusação, num processo em que também é acusado pela PGR de formação de quadrilha, da qual era o chefe. Organização constituída para desviar dinheiro público, lavá-lo com o uso da tecnologia desenvolvida por Marcos Valério na campanha do tucano Eduardo Azeredo à reeleição como governador de Minas em 1998, a fim de comprar apoio político-partidário ao primeiro governo Lula.

Na sessão seguinte, ontem, os dois votos restantes, dos ministros Celso de Mello e Ayres Britto, presidente da Corte, confirmaram a denúncia e o entendimento do relator, sendo Dirceu condenado por oito ministros, na acusação de corrupção ativa. A denúncia de montagem de quadrilha ainda será julgada, mas a tendência do Pleno não ajuda Dirceu.

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Na apresentação dos votos pela condenação de Dirceu foram citadas provas “torrenciais” — termo usado pelo procurador-geral, Roberto Gurgel — da atuação do então ministro chefe da Casa Civil naquele período, como maestro do mensalão.

Também estará nos destaques do julgamento histórico o voto da ministra Cármen Lúcia, proferido ainda na terça, contra Dirceu, em que ela pulveriza, com justificada indignação, a tentativa da defesa de minimizar o crime tachando-o de “simples” caixa dois de campanha. “Acho estranho e muito grave que alguém diga, com toda a tranquilidade, que houve caixa dois. Caixa dois é crime. Dizer isso na tribuna do Supremo, ou perante qualquer juiz, me parece grave (...)”.

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O esfarrapado álibi foi destilado dentro do PT, assumido pelos mais proeminentes advogados do partido (e de acusados de legendas aliadas) e pelo presidente Lula. Este, numa entrevista concedida em Paris a uma free-lancer, mesmo depois de ter pedido desculpas, em rede nacional, por ter sido “traído” pelos mensaleiros — admissão explícita da existência do esquema —, amenizou o escândalo, equiparando-o “a tudo que os outros partidos fazem”. Pois isto é crime, disse com firmeza Cármen Lúcia. Mesmo porque, “restou provado”, como concordam os ministros, inclusive Lewandowski e Tóffoli, que este dinheiro ilegal saiu de cofres públicos, (Visanet/Banco do Brasil e contratos assinados por Marcos Valério, no papel de publicitário, com o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), também condenado) e foi lavado numa grande fraude financeira de que participaram o Banco Rural, Marcos Valério, Delúbio Soares e José Genoíno, com o conhecimento de José Dirceu.

Além do álibi improvável, das fileiras do partido surgiu, por meio de intelectuais orgânicos, a tese farsesca de que o mensalão não passava de invenção das “elites”, a serviço das quais estaria uma “mídia golpista” (a imprensa independente e profissional, leia-se). No melhor estilo da visão conspiratória cultivada em hostes de militantes partidários, tudo era uma fantasia mal intencionada. Grande bobagem, como está sendo mostrado num dos mais longos julgamentos de que se tem notícia, transmitido ao vivo pela TV. Assistir a qualquer das sessões dá ideia precisa da seriedade com que o Ministério Público construiu sua denúncia, com base em informações das CPIs que vasculharam o escândalo, de investigações e perícias da Polícia Federal. O mesmo zelo e rigor técnico transparecem nos votos do relator Joaquim Barbosa e na intervenção dos demais ministros.

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Não faz sentido, portanto, o condenado José Dirceu, em nota emitida após o desfecho do seu julgamento nesta acusação, dizer-se “prejulgado e linchado”, e ainda equiparar a Corte a um tribunal “político e de exceção”. Discurso para militantes.

Não contava a defesa, de Dirceu e de todos, que o STF, por maioria absoluta, avançaria na jurisprudência. “Provas evidenciais”, a teoria do “domínio do fato”, a importância de testemunhas — nada, por óbvio, inventado pelos ministros do STF, apenas reinterpretações de conceitos antigos — serviram para condenar vários acusados, inclusive parte da cúpula do PT na época do mensalão, 2002/2005.

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Sem a nova amplitude de visão da maioria do Pleno do STF, nunca um chefe — aquele que tem o “domínio do fato” — de uma operação ilegal com estas proporções, montada dentro do Estado, seria condenado, pois ele não deixa provas materiais. Cometem crimes sem rastros. Por isso, a ortodoxia jurídica, na qual confiaram os advogados dos mensaleiros, contribuiu muito para a ideia de que poderosos não são punidos no Brasil. E de fato.

O alcance da condenação de Dirceu é essencialmente político, ponto-chave para a estabilidade institucional do Brasil na democracia. Fica entendido, depois deste julgamento, que qualquer grupo que tente executar um projeto de poder criminoso para se perpetuar como governo — não importa em nome de quê — esbarrará, como deve ser, com o Poder Judiciário, e, no caso específico, com o Supremo, responsável último por zelar pela Constituição.

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O Executivo subjugar, por via financeira ou qualquer outra forma, o Legislativo é desestabilizar a República, implodir princípios da democracia representativa, atacar o conceito essencial da independência entre os Poderes, tomar o rumo de um regime chavista, unitário, cesarista. É crime, alerta o Supremo. O mesmo é verdade no relacionamento entre Legislativo e Justiça. Esta é a mensagem do STF nas condenações que tem lavrado. Mais significativa ela fica se for considerado que a maioria dos atuais ministros da Corte, sete em dez, foi nomeada por governos petistas. É risível enxergar algum dirigismo nas condenações que têm sido distribuídas.

Se o impeachment de Collor fortaleceu o Congresso brasileiro, o julgamento do mensalão consolida o Judiciário como um pilar sólido do regime de democracia representativa. O Brasil como nação passa a ter no mundo uma estatura equivalente ao tamanho e importância de sua economia.

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Pode até não ter sido combinado, mas o Estadão também soltou editorial bem parecido. Leia:

O alcance de uma sentença

Estado de S. Paulo

Conceda-se, apenas para argumentar, que os costumes políticos brasileiros permanecerão em geral os mesmos apesar da decisão sem precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) de condenar por corrupção ativa, entre outros, um dos mais importantes líderes de sua geração, o ex-ministro da Casa Civil da Presidência da República José Dirceu, homem forte do PT durante décadas e do governo Lula nos seus primeiros anos. Afinal, poderão dizer os céticos, invocando um exemplo de varejo, porém ainda assim revelador, na semana passada, em pleno julgamento do mensalão, a Polícia Federal apreendeu R$ 1,1 milhão que serviria para subornar eleitores em Paraopebas, no Pará, sem falar de R$ 1.280 que, como manda o figurino, estavam escondidos na cueca de um agente petista em Manaus.

Mas o prognóstico de que, passado o choque inicial das sentenças acachapantes da Suprema Corte, tudo continuará igual em matéria de conquista e ocupação do poder, equivale de alguma forma a acreditar na enormidade de que o mensalão não só foi uma operação de caixa 2 entre o PT e aliados, como saiu da cabeça do tesoureiro da agremiação, o matuto Delúbio Soares. O fato é que, "pela primeira vez na história deste país", a Justiça processou, julgou e puniu dezenas de réus de um esquema ambicioso de corrupção política engendrado nas entranhas do governo federal. E o fez deixando claro que, em estrita obediência ao devido processo legal, o Judiciário tem condições técnicas, institucionais e morais para reconstituir, passo a passo, um escândalo de tamanhas proporções e identificar os seus autores.

Se não por uma improvável conversão aos valores que devem ditar a conduta dos detentores da representação popular, ao menos a certeza da punição fará a maioria dos políticos habituados a ceder aos seus piores instintos, a custo zero, pensar duas vezes antes de delinquir. Inescrupulosos ou honestos, decerto já se deram conta de que o breve do Supremo contra a corrupção vem no bojo da repulsa da opinião pública - uma coisa realimentando a outra - à imundície das estrebarias do poder. Há, nesse sentido, uma relação entre a cobrança popular que gerou a Lei da Ficha Limpa e as esperanças do País quando, sete anos depois da revelação dos fatos, o STF começou a julgar os mensaleiros. A súbita popularidade do severo relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, atesta que a consciência moral da Nação está viva e desperta.

Os brasileiros leigos nem sempre conseguimos acompanhar os pontos de doutrina discutidos nas sessões da Corte transmitidas ao vivo. Mas a sociedade entende perfeitamente - e se rejubila - quando o decano do tribunal, Celso de Mello, saúda o direito do cidadão de exigir "que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, legisladores probos e juízes incorruptíveis". Ou quando a ministra Cármen Lúcia expressa a sua ira contra a versão oficial, rota desde o primeiro momento e descartada pelo STF, de que não houve suborno de deputados, mas caixa 2. "Caixa 2 é crime, uma agressão à sociedade", fulminou. "(A defesa) passa a ideia de que ilícito pode ser praticado e tudo bem. Não é 'tudo bem'". Ela integrou a maioria que condenou Dirceu (além do então presidente petista José Genoino e do notório Delúbio) com base em três pontos críticos.

Pela posição que ocupava no coração do governo e por sua influência política dentro e fora do PT, ele dispunha dos meios para orquestrar a compra de apoio parlamentar ao Planalto. Portanto, podia e - a julgar pelo muito que dele se conhece - queria. Não bastasse isso, há a proximidade de datas entre os encontros de Dirceu com banqueiros (e Delúbio!) e os repasses de dinheiro manchado. Por último, se é inverossímil que o tesoureiro do PT tenha criado e dirigido o espetáculo, a tese da iniciativa e comando de Dirceu é de todo verossímil. Assim também o nexo entre Lula e o mensalão. A mesma lógica que une Delúbio e Genoino a Dirceu no trâmite do negócio liga o "capitão do time" do governo ao presidente. O ex-ministro condenado por ter concebido e comandado o esquema, não o levaria adiante sem, no mínimo, o sinal verde do chefe. E este, que nomeou 5 dos 10 atuais membros do STF, vem dizer, insultuosamente, que a condenação de seus companheiros foi "uma hipocrisia".

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