Os dez maiores erros jurídicos do relatório da CPI

O mais grave deles, como foi alardeado, é o pedido de indiciamento do governador de Goiás, Marconi Perillo. Conheça outros nove



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A apresentação final do relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) instalada no Congresso Nacional neste ano serve para que as instituições democráticas façam uma análise detalhada de sua função social. O término das apurações conduzidas pelo relator Odair Cunha (PT-MG) deixam no ar uma tentativa de uso político da instituição nunca antes visto na história do país – o que é tão grave quanto o instituto do 'mensalão', que feriu o princípio democrático e o equilíbrio entre poderes (sistema constitucional de freios e contrapesos) que fundamenta o artigo segundo da Constituição Federal de 1988.

A prova disso é que nos últimos dias, o relatório foi objeto não da consciência do relator, mas da 'opinio juris' e 'opinio politica' de um grupo consultado por ele para que – antes de apresentado o texto final - conseguisse apoio ao que escreveu. De antemão, é possível selecionar, pelo menos, dez erros jurídicos que constam do texto e das condições que o tornaram público. Segue análise jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) à luz dos episódios narrados no relatório escrito por Odair Cunha. A metodologia da análise é a jurídico-comparativa de conteúdos.

Erro jurídico 1

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O primeiro erro que salta aos olhos é a disposição da comissão em apurar supostos crimes praticados pelo grupo analisado. A Comissão Parlamentar de Inquérito não é instituto adequado para apuração de crime (fato típico, antijurídico, etc). O relator da CPMI – como é o caso – não demonstrou nenhum traquejo jurídico para conduzir os trabalhos, tornando público erros primários – conforme registrou a imprensa.

Logo no início da CPMI, inclusive, o relator confundiu a inquirição do governador de Goiás com a de 'investigado' quando ele não estava na comissão – até então – sequer como suposto autor de crimes. Apesar de advogado, Odair Cunha demonstrou desconhecer o procedimento.

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Conforme o HC 71.039, relatado pelo ministro Paulo Brossard, do Supremo Tribunal Federal (STF), em 1994, a CPI não se institui para apurar crime, como se propôs desde o início. Em rápida analise de conteúdo do relator, em uma entrevista, ele falou na palavra crime cinco vezes – o que demonstra sua fixação em apurar algo que não era de sua competência.  'In verbis', o que pensava o douto Brossard: "A comissão parlamentar de inquérito se destina a apurar fatos relacionados com a administração (...). Não se destina a apurar crimes nem a puni-los, da competência dos Poderes Executivo e Judiciário". A bem da verdade, qualquer um do povo pode e deve dar voz de prisão a criminosos identificados.  Mas não é a isso que se propõe a CPMI nem Odair Cunha.

Erro jurídico 2

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O segundo erro, também grave, é de que a CPMI conduzida pelo deputado federal Odair Cunha feriu de morte a reflexão do Supremo Tribunal Federal sobre a participação das minorias. Celso de Mello já diz ao relatar um mandado de segurança: "A ofensa ao direito das minorias parlamentares constitui, em essência, um desrespeito ao direito do próprio povo, que também é representado pelos grupos minoritários que atuam nas Casas do Congresso Nacional".

Por meio de uma violência institucional, o grupo majoritário, comandado pelo PT, impediu que fossem investigados os núcleos centrais do suposto esquema comandado por Carlos Cachoeira.  Ficou evidente, por exemplo, que Cachoeira não era o agente maior de uma estrutura, mas alguém ligado à Delta Construções – que tem inúmeros contratos com governos e aliados do PT. No entanto, optou-se por abandonar teses de investigação – como os desvios do Dnit – para beneficiar aliados petistas e peemedebistas (existem mais ligações telefônicas de Sérgio Cabral, governador peemedebista, com a Delta do que do governador goiano com Carlos Cachoeira).

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O decano Celso de Mello alerta para a necessidade de permitir que o interesse de investigação da minoria seja atendido: "A maioria legislativa não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de ver  efetivamente instaurada a investigação parlamentar, por período certo, sobre fato  determinado. Precedentes:  MS 24.847/DF".

Erro jurídico 3

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Outro erro gravíssimo exposto no relatório da CPMI é a barganha política. Conforme noticiado pela imprensa, durante a última semana o relator fez barganhas para que o relatório seja aprovado: retiraria o nome de possíveis sugestões de indiciados (jornalistas e representante do Ministério Público) em troca de apoio político.

Ora, um delegado de polícia não tem direito de negociar com familiares ou interessados o indiciamento ou não de pessoas.  Comete crime ao não fazer isso, ao violentar sua consciência retirando o nome de pessoas envolvidas em supostos crimes.

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Erro jurídico 4

O modo procedimental do anúncio do relatório da CPMI – com seu adiamento, inclusive – maculou o documento. Não se sabe por onde passou o relatório, se nas mãos de seu mentor político (como diz a boataria política, seria Lula. Inclusive existe foto dos dois juntos no site do deputado) ou nas mãos de outros 'interessados'. O fato é que o relatório foi parido com mistérios, situações inusitadas, negociações estranhas, histrionices políticas.

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O próprio decano Celso de Mello, ao tratar de CPI sobre apagão aéreo, já denunciava a impossibilidade de vir à público um relatório cuja essência era o mistério – conforme se notou pela imprensa: "É importante reconhecer, por isso mesmo, que,

no regime democrático, o cidadão tem direito à informação, pois, consoante  adverte Norberto Bobbio, em lição magistral (O Futuro da Democracia, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério" " (MS 26.441-MC, rel.

min.  Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 29-3-2007,  DJ de 9-4-2007).  Essa possibilidade de mistério, avisa Mello, é que mancha e torna suspeito o produto final de Odair Cunha.  Afinal, quem leu e opinou nestes relatório?

Erro jurídico 5

Outro notável equívoco diz respeito a 'legitimidade passiva ad causam'. No texto final da CPMI de Odair Cunha, observa-se que ele investiga praticamente o Estado de Goiás. O debruçar sobre políticos federais é uma prerrogativa. Mas não é para a apuração de atos de agentes públicos de outra unidade da federação. Goiás não faz parte da competência de Odair Cunha, que opina onde não tem competência ou mero conhecimento.  Diga-se, que em Goiás foi instituída uma CPI e não ocorreu comunicação real do relator com esta instância, sequer de forma institucional – o que demonstra desinteresse em, de fato, reunir dados para melhor formar uma opinião sobre o episódio relatado.

Erro jurídico 6

A CPMI atuou aos moldes de instituições de tortura, apesar de ter prerrogativas de autoridade judicial. Ou seja, deputados usaram as duas possibilidades, conforme era conveniente.  Senão vejamos: inúmeros deputados e senadores integrantes da CPMI foram à imprensa dizer que quem usava a prerrogativa de se manter em silêncio era, na verdade, 'culpado'.  Assim sendo, o parlamentar deixava de lado suas obrigações e prerrogativas de 'autoridade judicial' e sua obrigação em seguir o 'devido processo legal' para jogar para a plateia – coisa que juiz e magistrado nenhum faz, cioso da lei. A CPMI preferia, pois, fazer a imprensa leiga (e pouco informada sobre as lides judiciais)  cometer crime de honra contra os arrolados para falar na CPI, mas que exerciam seu direito constitucional. Veja o que diz o Supremo Tribunal Federal (STF):   "Atua, nesse sentido, como poderoso fator de limitação das próprias atividades de investigação e de  persecução desenvolvidas pelo Poder Público (Polícia Judiciária, Ministério Público,  Juízes, Tribunais e Comissões Parlamentares de Inquérito, p. ex.). (...) Na realidade, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal (HC 80.530-MC/PA, rel. min.  Celso de Mello). (...) O direito de o indiciado/acusado (ou testemunha) permanecer em silêncio  – consoante proclamou a Suprema Corte dos  Estados Unidos da América, em Escobedo v. Illinois (1964) e, de maneira mais  incisiva, em Miranda v. Arizona (1966)  – insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E esse direito ao silêncio inclui, até mesmo  por implicitude, a prerrogativa processual de o depoente negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial, judiciária ou legislativa, a prática de qualquer infração penal. (...)  Cabe enfatizar, por necessário  – e como natural decorrência dessa insuprimível prerrogativa constitucional  –, que nenhuma conclusão desfavorável ou qualquer restrição de ordem jurídica à situação individual da pessoa que invoca essa cláusula de tutela pode ser extraída de sua válida e legítima opção pelo silêncio".

Veja o leitor agora o que diz o artigo 186 do Código de Processo Penal: "Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão,  não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa".

Ocorre, conforme se observa no relatório, em boa parte desprovido de elementos que sequer sejam nomeados de provas, o pedido de indiciamento dos que se silenciaram.

Erro jurídico 7

Ocorreu nítido desrespeito a diversos investigados. Tais fatos não aparecem no relatório final da CPMI, que deveria também narrar os equívocos cometidos nos encontros dos deputados. "Se for certo que as Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício das atribuições que lhe são constitucionalmente conferidas, devem assegurar que a  pessoa inquirida seja tratada 'sem agressividade, truculência ou deboche' – conforme  lição de Odacir Klein (Comissões Parlamentares de Inquérito  - A Sociedade e o  Cidadão, p. 48/49, item n. 4, 1999, Sergio Antonio Fabris Editor), o que significa o  dever que qualquer pessoa tem, máxime o Estado por qualquer de seus Poderes e  respectivos órgãos, de respeitar a dignidade da pessoa humana (lição, aliás, recordada pelo eminente Ministro Celso de Mello ao apreciar a liminar requerida nos autos do HC 94.082, de que Sua Excelência foi Relator)  -, o mesmo tratamento e respeito há que ser dispensado aos membros da Comissão Parlamentar por quem a ela compareça", conforme diz jurisprudência de Carmem Lúcia.

Erro jurídico 8

Ao começar, a CPMI fez toda uma festa espalhafatosa, de que investigaria isso e aquilo.  Exerceu, portanto, seu direito de petição, pedindo, pois, a quebra de inúmeros sigilos fiscais, telefônicos e bancários. E pediu muitos mais documentos. Entretanto, o relatório não esmiúça tais pedidos, mas apenas alguns – os que interessam politicamente ao comando da CPMI.  Observa-se, logo, flagrante desrespeito ao pedido de petição. Afinal, se pediu, a CPMI deve dar respaldo ao público, que espera ver esmiuçados todos os pedidos.

Eis a jurisprudência do STF: "O direito de petição, o direito de obter informações consubstanciam garantias constitucionais e nenhuma autoridade pode, sem desrespeito à Carta da República, arvorar-se em detentora do odioso privilégio de menosprezá-los. Defiro a liminar, compelindo, com isso, sob o ângulo da prevalência do ordenamento jurídico, a Comissão Parlamentar de Inquérito do Narcotráfico a expedir certidão sobre o  envolvimento, na citada Comissão, do Impetrante, assentando os dados de fato coligidos e formalizados em documentos – atas e relatórios – que lhe digam respeito." (MS 23.674-MC, rel. min. Marco Aurélio, decisão monocrática, julgamento em  29-5- 2000, DJ de 5-6-2000.).

Logo, antes de terminar seu relatório, a CPMI deveria - neste documento ou em outro -  destrinchar um a um os pedidos que fez.  Pode ser que exista uma seleção política do que almeja investigar a comissão – daí incorrendo também em ilícito os nobres deputados.

Erro jurídico 9

Sob alegação de que investigava Carlos Cachoeira, o relatório da CPMI relega a Delta Construções a um papel coadjuvante na investigação, sendo que a maioria das provas documentais coletadas (que valem mais do que gravações telefônicas supostamente ilegais) dirigem-se a contratos da Delta Construções com cidades como Goiânia, Rio de Janeiro e obras do PAC. A jurisprudência é clara: "A primeira,  porque,

como já assentou o Plenário desta Corte, não está comissão parlamentar de inquérito impedida de estender seus trabalhos a fatos outros que, no curso das investigações, despontem como irregulares, ilícitos, ou passíveis de interesse ou estima do  Parlamento, desde que conexos com a causa determinante da criação da CPI, nem de  aditar ao seu objetivo original outros fatos inicialmente imprevistos (HC n. 71.231, rel. min. Carlos Velloso, DJ de 31-10-1996, e HC n. 71.039, rel. min. Paulo Brossard, apud Jessé Claudio Franco de Alencar,  Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil, RJ, Ed. Renovar, 2005, pp. 49 e 50. Cf., ainda, MS n. 23.652 e n. 23.639, Rel. Min. Celso de Mello,  DJ de 16-2-01).

Destarte, a CPMI de Cachoeira não tratou do fundamental, exatamente para não desagradar os grupos políticos que arquitetaram a comissão – o que é um erro grave e que corrobora a tese de que não existe valor jurídico nenhum no relatório final.

Erro jurídico 10

O erro mais grave do relatório da CPMI, como foi alardeado, é o pedido de indiciamento do governador de Goiás. Inicialmente, a comissão declinou de investigar o chefe do executivo do Rio de Janeiro – indiscutivelmente mais ligado ao grupo da Delta Construções. Depois, optou em não investigar, de fato, o governador do Distrito Federal (inclusive existem provas de torpedos de celular dando conta de que ele não seria 'indiciado') e, por fim, optou em concentrar toda a investigação no governador goiano.  O motivo é de notório conhecimento público: Marconi Perillo é algoz de Lula no processo do Mensalão, pois denunciou o petista de que este 'sabia' do ocorrido. E a defesa de Lula era exatamente esta: "Não sabia de nada".  O silogismo é este: "Lula gosta de Marconi?". A resposta é não. Em seguida, outra parte do silogismo: "Odair Cunha gosta de Lula?". A resposta, com certeza, é sim. Então, Odair não gosta de Marconi. Pois bem, foi o único dos governadores prejudicados com a divulgação do relatório. É simples e teratológico.

Como a CPMI não tem poder nenhum em seu relatório, ela opta em atingir moralmente o político adversário – o que é mais grave, pois arremessa ao chão a honra e reputação, aspectos formadores de opinião pública ( e em última instância, o voto, que sustenta a carreira política).

Agora os fatos, a CPMI não pode pedir indiciamento de governador, que deve ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Veja por analogia a jurisprudência do STF: "Se à CPI são atribuídos os poderes investigatórios da autoridade judiciária, é certo que a comissão parlamentar também se encontra sujeita a determinados limites constitucionais e legais, dentre os quais a observância do foro por prerrogativa de função que assiste aos magistrados, segundo a base dada pelo art. 96, III, da Constituição Federal (...). Assim, ainda que constatada pela CPI a possível prática de  ilícito penal por parte de magistrado, poderá aquela, tão-somente, encaminhar os respectivos autos ao Tribunal a que vinculado o magistrado, sendo-lhe vedado o ato  formal de indiciamento, o qual é privativo do órgão competente para o julgamento. Embora tratando da matéria sob o enfoque da prerrogativa de foro dos parlamentares (...). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que a  atividade tipicamente jurisdicional do magistrado é absolutamente imune à investigação realizada pelas comissões parlamentares de inquérito. (HC 95.259-MC, rel. min.  Eros Grau, decisão monocrática do Min. Presidente Gilmar Mendes, julgamento em 7-7-2008, DJE de 4-8-2008.).

Da mesma forma, é imune à investigação realizada pelas comissões parlamentares os atos do governador de um estado, que, assim como o magistrado, tem espaço próprio para ser julgado e investigado.  Mesmo sabendo disso, a CPMI, midiática, optou em gastar tempo e dinheiro do contribuinte se debruçado em um assunto que não lhe diz respeito.

Pegue-se o caso da venda da casa do governador, um dos fatos mais marcantes do debate da CPMI. Trata-se de ato negocial, regulamentado pelo direito dos homens desde o direito romano. Existe, portanto, atipicidade da conduta. Não se conseguiu comprovar absolutamente nada, a não ser um monte de desencontros de respostas – perfeitamente possível dentro de um processo judicial.

A jurisprudência do STF veda o uso de acusações estapafúrdias, como a da venda da casa do governador goiano: "Acusações vagas e imprecisas, que impossibilitam ou dificultam o exercício desses (SS 3.591-AgR, rel. min.  Presidente, decisão monocrática, julgamento em 14-8-2008, DJE de 20-8-2008.) .

Marconi teria que provar o que?  Que vendeu uma casa? E daí? Não existe relevância jurídica no fato. Existem inúmeros erros na CPMI e vários pormenores políticos. Ela será motivo de debates públicos. Mas é preciso que todos saibam o risco que se tem ao deixar que este discurso tome o espaço público, pautando jornalistas muitas vezes desinformados e enganados pelo juridiquês dos encenadores midiáticos.  O governador, evidente, terá que prestar contas, se assim forem considerados os indícios, para um tribunal superior. É o que manda a lei. O resto é embate jurídico e midiático.  O pesquisador John Thompson nos alerta para o risco de sermos plateia de babuínos políticos, que  desejam apenas marcar seu território nas páginas dos jornais.

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