Mãe estressada, filho ansioso: Os fetos são sensíveis e têm memória

Desde as primeiras semanas de vida, o feto é sensível a tudo aquilo que acontece no seu meio ambiente e na vida da mãe. Quanto menor for o estresse sofrido pela gestante durante a gravidez, maiores serão as possibilidades de que seu filho nasça e cresça tranquilo e sadio.

Desde as primeiras semanas de vida, o feto é sensível a tudo aquilo que acontece no seu meio ambiente e na vida da mãe. Quanto menor for o estresse sofrido pela gestante durante a gravidez, maiores serão as possibilidades de que seu filho nasça e cresça tranquilo e sadio.
Desde as primeiras semanas de vida, o feto é sensível a tudo aquilo que acontece no seu meio ambiente e na vida da mãe. Quanto menor for o estresse sofrido pela gestante durante a gravidez, maiores serão as possibilidades de que seu filho nasça e cresça tranquilo e sadio. (Foto: Gisele Federicce)


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Por: Luis Pellegrini

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A criança no ventre materno pode ser influenciada pelo estado físico, emocional, afetivo e mental da mãe durante a gravidez? Se a resposta for positiva, a partir de que momento o feto torna-se sensível a tudo aquilo que é vivido pela mãe? Os fatos da vida da gestante podem determinar futuros comportamentos e tendências da criança que ela carrega? Essas são questões muito sérias num mundo como o atual, onde cada vez menos se favorece a mulher grávida com o clássico ambiente e modo de vida calmo e pacífico preconizado no passado àquelas que se preparam para a maternidade. Pelo contrário, e principalmente nos grandes centros urbanos, à maior parte das futuras mamães é concedida pouca ou nenhuma trégua, como se o estado especial em que elas se encontram não fosse exatamente isso: especial.

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No entanto, confirmando uma crença muito antiga, vários ramos das ciências biológicas e humanas contemporâneas são unânimes ao dar resposta afirmativa àquelas perguntas. Sim, o bebê no ventre materno é influenciado por tudo aquilo que acontece à sua mãe.

 

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 Pesquisas recentes destroem as convicções dos últimos especialistas céticos para os quais “os fetos não possuem sensações, e seus diferentes sentidos não estão ativados porque o sistema nervoso deles ainda não foi completado”. Na verdade, acontece o contrário. Os cinco sentidos humanos básicos se desenvolvem segundo uma ordem invariável: primeiro o tato, depois o olfato e o paladar, a audição e finalmente a visão. Todas as pesquisas concordam: mesmo sem ter alcançado plena maturação, esses sistemas são funcionais desde muito antes do nascimento. O tato, por exemplo. Os prematuros abortados apresentam respostas motoras desde a 8a semana de vida quando o seu lábio superior é roçado; ao toque na palma da mão desde a 10a – 11a  semanas; ao conjunto da superfície corporal desde a 13a -14a  semanas.

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Os sentidos começam a funcionar muito cedo

 

A mesma coisa para o paladar. Jean-Pierre Lecanuet, cientista da Escola Prática de Altos Estudos, de Paris, revela que desde a 22a – 24a semanas a percepção pré-natal ao doce e ao salgado, ao amargo e ao ácido é parecida à percepção pós natal.

O olfato e a visão entram também em ação muito antes do nascimento. Respostas comportamentais a estímulos no nariz, na forma de mímicas e trejeitos faciais, puderam ser observadas em prematuros de 6 meses.

Exames por endoscopia do líquido amniótico, conduzidos ao redor do 6o -7o  mês, produziram no feto acelerações cardíacas imediatas induzidas pelo acender-se da luz fria do endoscópio, o que demonstra a reatividade visual do bebê. Finalmente, está praticamente provado que o feto é capaz de ouvir a partir da 24a – 25a semana de vida. Só não se sabe ainda qual é o grau de  acuidade e fineza da sua percepção. “No final da gestação, o feto percebe numerosos sons e ruídos da vida cotidiana, é capaz de reagir quando se troca a ordem de um par de sílabas, à passagem de um locutor masculino para um locutor feminino, à mudança de altura de uma nota musical tocada num sintetizador. Sobretudo, os trabalhos mais recentes demonstram que o feto prefere a voz da sua própria mãe. Ele reage como se já possuísse uma identidade, como se percebesse que ‘mamãe está falando comigo”, revela a cientista francesa Marie-Claire Busnel.

 

 

Busnel fez com que mulheres grávidas falassem com seus bebês e, logo em seguida, com que pessoas estranhas falassem a esses mesmos bebês. No primeiro caso, o ritmo cardíaco do bebê diminuía, no segundo caso, ele não apresentava nenhuma reação. A experiência foi renovada depois do nascimento: o recém-nascido responde exatamente como um feto de 8-9 meses. “Isso significa que o feto não apenas ouve mas também reconhece a voz de quem lhe fala, e conserva a lembrança do que ouviu ainda no interior do útero materno”, conclui Busnel. Ela e muitos outros pesquisadores estão persuadidos de que o período fetal constitui uma fase de pré-aprendizagem daquilo que será a vida através da audição, dos odores, das sensações corporais.

Um dos fenômenos que mais têm interessado os cientistas da vida intrauterina é justamente o conjunto de consequências que situações de estresse prolongado da mulher grávida acarreta ao seu bebê. As conclusões são preocupantes: situações reiteradas de estresse da gestante parecem realmente produzir estigmas biológicos, morfológicos e comportamentais em seu bebê. Um deles é a diminuição da capacidade de adaptação da criança. Foram pesquisados grupos de gestantes que, ao longo da gravidez, viveram nas proximidades de grandes aeroportos, submetidas a um permanente ruído de fundo; outras que divorciaram ou que sofreram a perda de alguém próximo, e outras ainda que passaram a gravidez em situações de guerra. Seus filhos, como norma geral, nasceram com peso inferior ao normal e, em seguida, ao redor dos 3 - 4 anos de idade, apresentaram comportamentos agressivos particularmente fortes, distúrbios do sono, e perturbações na capacidade de resposta às novidades (medo daquilo que é novo). Tudo leva a crer que experiências estressantes muito precoces, vividas ainda no ventre materno, produzem um estresse a longo termo.

 

 

Ratos vítimas de estresse pré-natal apresentam anomalias 

 

Experiências com animais - principalmente ratos -, feitas na Universidade de Bordeaux, França, não deixam margem a dúvidas. Ratas grávidas, submetidas a frequentes situações de estresse durante a gravidez, dão à luz progenituras que apresentam traços morfológicos, biológicos e comportamentais anômalos. Tais anomalias podem se manifestar em todos os períodos da vida da criatura, seja logo após o nascimento, como durante a maturidade e a velhice.

 Constatou-se que os ratos vítimas de estresse pré-natal apresentam anomalias na morfologia de certas áreas do cérebro, com redução do número de neurônios particularmente do hipocampo - justamente a área cerebral encarregada do controle da produção de hormônios anti-estressantes. Terão também, durante toda a vida, fortemente ativadas as glândulas que produzem hormônios relacionados à ansiedade, como é o caso das suprarrenais. E serão, por essa razão, permanentemente ansiosos, apresentando deficiências de memória ao final da vida. Em suma, nos mamíferos, o estresse da mãe grávida produzirá no filho várias disfunções, principalmente na área hormonal, além de comportamentos associados às patologias da ansiedade.

 

 

Por seu lado, especialistas da psicologia pré-natal estudam a hipótese de que o feto é capaz de perceber as emoções da mãe e de guardá-las na memória após o nascimento. Myriam Szejer, pedopsiquiatra que estuda a psicologia dos recém-nascidos, cita vários casos submetidos aos seus cuidados. Um deles era o de um bebê de três dias, vítima de diarreias violentas e dolorosas. Ao falar com a mãe do garoto, esta lhe confia suas dificuldades. Diz que, apesar de estar feliz com a chegada do filho, não consegue se ver no papel de mãe. Durante toda a gravidez não suportava a ideia de ver sua barriga crescer. Sofreu de náuseas durante todo o período, e submeteu-se a regimes draconianos para não engordar. Conta essa médica que, “na presença da mãe - a quem, na verdade, meu discurso se dirigia -, decidi conversar com o menino e explicar-lhe toda a situação. Se sua mãe pensara, de algum modo, em ‘evacuá-lo’, ele não deveria procurar reproduzir essa ‘evacuação’ por sua própria conta, como se fosse um dejeto e não um bebê. Esta mensagem permitiu o estabelecimento de um diálogo entre a mãe e a criança. Naquele mesmo dia suas diarreias desapareceram completamente”.

Para Myriam Szejer, e contrariamente àquilo que em geral se acredita, o bebê já possui uma forma de personalidade durante sua vida intrauterina. Desde o terceiro mês começa-se a desfazer o estado de fusão entre a mãe e o embrião, e este último mais e mais desenvolve a sua própria “individualidade”. “Não sei se já se pode falar de uma verdadeira consciência do feto”, explica Szejer. Para ela, o feto “não memoriza os acontecimentos na forma comum. Mas, por outro lado, estou certa de que ele registra as percepções externas sob forma sensorial. Seja um estresse, seja uma sensação de bem-estar... Todas essas ‘impressões’ irão influenciar a sua vida futura”.

 

 

Relações intrauterinas dos gêmeos

 

Na Universidade de Turim, Itália,  a psicanalista Alessandra Piontelli dedicou-se a uma especialização curiosa: as relações intrauterinas dos gêmeos. Ela conta, por exemplo, o caso de um garoto de 18 meses que manifestava um comportamento muito agitado. Dia e noite ele percorria todos os cantos da casa, como se procurasse alguma coisa, e cada vez que encontrava algum objeto, ele o sacudia come se tentasse trazê-lo à vida. Esse garoto fora irmão gêmeo de um outro, morto duas semanas antes do parto. Várias perguntas afloraram à mente da terapeuta. Estaria o menino tentando reencontrar seu irmão? Teria tentado sacudi-lo no ventre da mãe? Perguntas que, claro, permaneceram sem resposta. Mas Piontelli submeteu o menino a uma série de sessões onde lhe foi permitido exteriorizar seu imenso sentimento de culpa. Desse modo foi possível corrigir o comportamento agitado do paciente e reconduzi-lo à normalidade.

Para outros investigadores da psicologia do feto, ele muito cedo mostra ser um ser que manifesta desejos próprios e é capaz de demonstrar seu prazer ou desprazer em relação a diferentes estímulos. Por essa razão, é certo considerá-lo como um interlocutor válido desde sua vida pré-natal. Tais terapeutas conseguem inclusive encontrar traços da vida fetal que se refletem na vida adulta. Foram desenvolvidas para isso certas técnicas que trazem à tona “lembranças” da fase intrauterina, através de respirações, relaxamento profundo, ou estímulos de certas zonas do corpo.

 

 

“Não se trata de tentar recuperar a memória clássica, isto é verbal, porém muito mais de utilizar a memória do corpo”, diz a psiquiatra francesa Catherine Dolto-Tolitch, que completa: “Concretamente, o adulto pode se reencontrar na condição de bebê ou de feto. Mas é o seu corpo que fala e que se recorda”.

Outro estudos desenvolvidos em vários países tentam estabelecer a relação entre vida intrauterina, condições do parto, e criminalidade. Para Adrian Raine, da University of Southern California, Los Angeles, essa relação é muito clara, e seria possível diminuir a criminalidade ao melhorar as condições gerais da gravidez e do parto. Segundo esse pesquisador, as crianças que sofreram complicações no nascimento (uso do fórceps, por exemplo) bem como as que foram rejeitadas muito cedo pelas mães, têm três vezes mais chances de se tornarem criminosos violentos. Stephen Burka, da Universidade de Harvard, amplia as conclusões do seu colega. Para ele, entre os cinco fatores que predispõem a um comportamento violento, estão: um quociente de inteligência baixo aos 4 anos de idade, complicações pré-natais e perinatais, traumatismos cranianos. Dificuldades de aprendizagem, agressividade e hiperatividade estariam ligadas a lesões do córtex pré-frontal. Por seu lado, o abandono maternal ou paternal parece também alterar os níveis de certos mensageiros químicos nessa parte do cérebro.

No momento do parto, generalizou-se nas últimas décadas a administração de anestesias locais ou gerais à parturiente, mesmo quando não existem maiores complicações. Nessas anestesias utiliza-se muitas vezes derivados opiáceos como a morfina, considerados não perigosos para a mãe e a criança. Mas a médica Karin Nyberg, do Karolinska Institute, de Estocolmo, publicou trabalho onde revela que as crianças nascidas entre 1945 e 1966 apresentaram um risco 4,7 vezes mais elevado de dependência de opiáceos quando a mãe recebeu essas substâncias no momento do parto.

 

 

Todas essas descobertas levam a profundas reflexões que deverão alterar substancialmente, nos próximos anos, nossa maneira de ver e entender a existência intrauterina do feto. Os defensores da clonagem humana - possibilidade cada vez mais próxima, depois da criação da ovelha Dolly e tantos outros animais superiores já produzidos pela engenharia genética - irão provavelmente se convencer de que fabricar um ser humano não é questão apenas de tecnologias de laboratório. Isso envolve responsabilidades muito mais importantes e profundas. Em primeiro lugar, parece claro que as relações sutis, mutáveis e inumeráveis que o feto possui com o seu meio ambiente tornam irrealizável a cópia pura e simples. Essas relações fazem de cada ser humano um espécime único. Como sempre entenderam todas aquelas tradições, velhas como a própria humanidade, que consideravam a gravidez e o parto um fenômeno natural, sim, mas muito, muito especial.

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