Protestos são “uma nova fase da democracia brasileira”

Deputado federal pelo PT de Sergipe, Rogério Carvalho diz que os movimentos que se espalharam pelo país representam o aprimoramento do conceito de democracia no Brasil; para ele, é imprescindível aos governos “garantir que o cidadão possa participar de todas as etapas da administração, desde a definição das diretrizes até o cumprimento efetivo delas”; “O modelo de democracia representativa não é suficiente, no tempo em que as pessoas participam da vida pública ou que participam de tudo”, reforça

Protestos são “uma nova fase da democracia brasileira”
Protestos são “uma nova fase da democracia brasileira”


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Valter Lima, do Sergipe 247 – O deputado federal Rogério Carvalho (PT) diz que as manifestações que se alastraram por todo o país são “como uma nova fase da democracia brasileira” e representam a evolução das reivindicações da sociedade. “Antes era pela falta, era em prol de uma parcela do povo, era pelo fim da miséria, agora é pela insuficiência, é pela busca da qualidade, agora é uma reivindicação para toda a sociedade”, afirma, em entrevista exclusiva ao Sergipe 247, realizada na última sexta-feira (21).

Na longa análise que faz do atual momento pelo qual o Brasil passa, o deputado petista ressalta que é preciso “garantir que o cidadão possa participar de todas as etapas do Governo, da produção de diretrizes, do momento de materialização daquelas diretrizes, do momento de licitação, de conformação de leis e na entrega do bem ou do serviço e poder acompanhar a qualidade desse bem ou serviço em tempo real”.

Para Rogério Carvalho, à democracia representativa será preciso agregar a participação efetiva da sociedade, “para que aqueles que decidem em nome de todos possam estar construindo, com todos, um governo coletivo”. Como se daria isso? “Passa pela construção de uma plataforma tecnológica sobre a qual devem se assentar os governos para permitir, em tempo real, que todos os cidadãos possam participar, porque agora não cabe mais a possibilidade de eu falar pelo outro, porque hoje eu não falo por ninguém, ninguém fala por mim, eu falo direto, através da rede social, eu falo com todo mundo”.

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O parlamentar decreta, neste sentido, o fim das massas. “O tempo que nós fazíamos para a massa acabou, porque não existe mais massa, existem indivíduos que se relacionam com outros indivíduos”. Sendo assim, os partidos também precisam passar por uma reformulação, avalia Rogério Carvalho. “O partido passa a ser muito mais um lugar produtor de ideias e difusor de ideias, criando nichos e relacionamentos, numa perspectiva de entrar numa teia, e muito menos com a tarefa de ser condutor”, diz.

No entanto, ele não enxerga o fim das siglas partidárias. “Por pior que seja o partido no Brasil, ele teve 500 mil pessoas dizendo, de uma forma ou de outra, que concorda com aquele partido. E não é menos qualificado do que as pessoas que estão nas ruas. Porque nem todo mundo está na rua sabendo o que quer ou querendo coisas distintas. No partido, às vezes, as pessoas assinam a ata de sua criação, porque é amigo. A pessoa também vai à passeata porque o amigo vai. Então não temos que ter a satanização dos partidos e a cristianização dos movimentos”, defende.

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Confira a entrevista na íntegra: 

Sergipe 247 – Que análise o senhor faz dos movimentos que estão sendo realizados em todo o país?

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Rogério Carvalho - A constatação que a gente faz é que o primeiro momento da nossa democracia em que surge movimentos e manifestações da sociedade de forma generalizada sem o auxilio dos instrumentos clássicos da luta política (sindicato, movimentos, associações) e com reivindicações que transcendem a falta. Agora, é a insuficiência e não a falta, que mostra também uma evolução do país. Precisamos ver esse movimento como uma nova fase da democracia brasileira com o surgimento de um novo ator político na cena política brasileira. Até agora nós temos os atores que surgiram na década de 70 e 80, decorrentes do processo de luta pelas conquistas sociais, ou seja, pelo direito, que foi a base da entrada em cena dos atores que são os operadores da política do tempo que a gente vive. Então, era a busca pelo direito. Os Governos Lula e Dilma garantiram a inclusão pelo direito como nenhum outro Governo na história. Ou seja, aquela agenda que foi a base da construção de uma geração de novos atores políticos se consolidou e se materializou a partir dos Governos Lula e Dilma. A partir de agora, já nasce uma nova agenda, que é a busca da qualidade e por alguns serviços, que são generalizados, não são mais os serviços da miséria. É o serviço que deve contemplar a toda a sociedade. E não mais um segmento. Agora é a revolução tecnológica. As redes sociais são o instrumento. É um instrumento difuso, onde qualquer um pode ter acesso. E temos aí um outro fenômeno, que a gente precisa analisar, que a marginalização natural que ocorre com determinados setores da sociedade. Marginalização no sentido de estar à margem, para que o acesso a este setor se faça através de operadores. Por exemplo, a medicina. Ela caminha paralela ao desenvolvimento da sociedade, ou seja, está a margem. Para o cidadão acessar a medicina, precisa do médico. E quanto mais ela se especializa, mais ela se marginaliza e mais ela se legitima. O direito, quanto mais ele se especializa, mais ele se marginaliza, mais ele se legitima e os advogados passam a ser os mediadores entre o direito e o cidadão e a cidadania. E o Estado? O Estado Brasileiro de 1988 para cá nasce decorrente daqueles atores que entraram na cena política no final das décadas de 1970 e 1980, que influenciam na construção de um novo Estado, o Democrático, mas um Estado complexo e sofisticado, com separação entre governo e estado. E cria uma especialização e um novo modelo de Estado muito mais hermético, mais especializado, só que ao longo do tempo, o fato da esquerda ter chegado ao Estado e aos governos, a disputa política começa a lançar mão de um questionamento sobre a legitimidade não do governo, mas do Estado, e isto transforma aquele setor que se marginaliza em função da natureza, ou seja, da especialização e da complexidade que a Constituição estabeleceu, num lugar de coisas escusas, de coisas não publicáveis, e isto é o principal ponto. No final das contas, intuitivamente, as pessoas chegam nos símbolos que representam a institucionalidade e se colocam contra a institucionalidade. E isso pode ser um problema, porque ela faz parte da estabilidade democrática. E a democracia é um valor que a gente precisa preservar, mas a multidão questiona os símbolos da democracia e das instituições democráticas. Está errado ou certo? É uma percepção de que este Estado, hermético, fechado, é lugar de coisas escusas. É preciso o Estado reagir.

247 – Como reagir?

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RC – Quando eu fui pré-candidato a prefeito, nos debates, eu dizia o seguinte: a gente precisa “governar com”, a gente precisa avançar no orçamento participativo e “governar com”. “Governar com” é garantir que o cidadão possa participar de todas as etapas do governo, da produção de diretrizes, do momento de materialização daquelas diretrizes, momento de licitação, de conformação de leis e na entrega do bem ou do serviço e poder acompanhar a qualidade desse bem ou serviço em tempo real. Então, inclusive, nós criamos uma rede social (governando.com.br), que é uma rede criada por mim e por uma empresa do Rio de Janeiro, mas na prática o que estávamos a procura era: em que plataforma tecnológica devem se assentar o governo? Porque os governos devem se tornar permeáveis, mas não de faz-de-conta, mas real, para que a gente possa acabar com a corrupção ou diminuir 99% da corrupção, para que a gente possa ter uma associação entre a democracia representativa e a participação da sociedade. O modelo de democracia representativa não é suficiente, no tempo em que as pessoas participam da vida pública ou que participam de tudo. As redes sociais e a tecnologia permitem o retorno da individualidade, da construção da percepção de ser sujeito, porque estou em qualquer lugar do mundo, em tempo real. Eu interajo com uma celebridade em tempo real, a minha opinião pode se transformar na opinião de muitos sem precisar de nenhum mediador. Eu posso virar uma estrela sem ter produtor, sem ter nada, basta que aquilo que eu produzo caia na graça do coletivo. Isso cria um novo fenômeno de comportamento na sociedade. E este comportamento tem que ser refletido e visualizado por quem faz governo. E nós só teremos sucesso se mudarmos a lógica de uma democracia representativa,       que não podemos abrir mão, porque não existe outro modelo, mas agregar a participação social em tempo real. Não é deslegitimando a democracia que daremos um novo passo. A gente precisa agregar à democracia representativa a participação efetiva da sociedade, para que aqueles que decidem em nome de todos possam estar construindo, com todos, um governo coletivo. Então, a coletivização da construção política de um país, dos rumos de uma sociedade passa pela construção de uma plataforma tecnológica sobre a qual devem se assentar os governos para permitir, em tempo real, que todos os cidadãos possam participar. Porque agora não cabe mais a possibilidade de eu falar pelo outro, porque hoje eu não falo por ninguém, ninguém fala por mim, eu falo direto, através da rede social, eu falo com todo mundo. Este é o modelo que a gente precisa construir. O tempo que nós fazíamos para a massa acabou, porque não existe mais massa, existem indivíduos que se relacionam com outros indivíduos, como um rizoma. Um rizoma é uma planta que tem vários nódulos, que produzem raízes, que produzem estímulos elétricos e que circulam como se fosse um rede neuronal, ou seja, o que nós estamos vivendo hoje é um sistema que precisa caminhar para ser um sistema rizomatoso, com vários nódulos e núcleos produtores. E quem são esses nódulos e núcleos? Pode ser uma organização econômica ou social, mas pode ser um indivíduo. O que vai prevalecer é a força da ideia.

247 – E os partidos, como é que ficam, já que as manifestações reclamam tanto deles?

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RC – Os partidos precisam perceber que não são mais o lugar da produção. Eles são um lugar para pensar conhecimento, para produzir ideias e disputar como mais um núcleo produtor de difusão. É só isso. Acabou a ideia do partido que organiza, que leva, não tem mais espaço para isso. Porque se eu estou dizendo para você que o cara quem tem por trás dele a indústria do entretenimento, a música dele atinge 500 mil visualizações ou 500 mil cópias de discos vendidos. Ou seja, o cara pode ter a sua produção vista por três milhões de pessoas, por um bilhão de pessoas. Quem é que estava por trás do rapper coreano? E ele foi protagonista de um clipe que virou o maior sucesso de visualização da rede de toda a história da humanidade. Se isso é verdade, quando se trata de uma indústria poderosíssima, com ramificações em vários setores, de produzir para difundir na massa. E se uma pessoa pode ser mais poderosa do que tudo isso, o que dizer de um partido? Estamos vivendo um novo tempo que marca o começo real da nossa democracia. 

247 – Acabam os partidos?

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RC – Nada acaba. Só que deixa de ter um papel. O partido passa a ser muito mais um lugar produtor de ideias e difusor de ideias e se instrumentalizando e criando nichos e relacionamentos para difundir ideias, norte, rumo, numa perspectiva de entrar numa teia, e muito menos com a tarefa de ser condutor. É óbvio que o partido tem o papel de dar objetividade a determinadas demandas, de capturar, de representar essas demandas. Continua tendo esse papel, mas não o papel único ou central protagonista político na nossa democracia futura.

247 – Mas nessa sua análise, ele continua sendo o caminho por onde as pessoas se candidatam e se elegem?

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RC – Enquanto não mudar, sim. Podemos até criar a possibilidade de não ser necessário partido para que as pessoas se candidatem, mas temos toda uma estrutura montada em cima dos partidos. Esse é um debate que é muito incipiente para a gente fazer, mas um dia a gente pode ter uma forma muito mais dinâmica de organização com legitimidade para disputar o voto. Talvez a gente deva caminhar para isso. Eu aposto nisso no futuro. Não necessariamente só os partidos, mas qualquer organismo que preencha determinados requisitos de legitimidade que possa ter a possibilidade de ser canal de participação da sociedade. Por pior que seja o partido no Brasil, ele teve 500 mil pessoas dizendo, de uma forma ou de outra, que concorda com aquele partido. E não é menos qualificado do que as pessoas que estão nas ruas. Porque nem todo mundo está na rua sabendo o que quer ou querendo coisas distintas. No partido, as vezes, as pessoas assinam a ata de sua criação, porque é amigo. A pessoa também vai a passeata porque o amigo vai. Então não temos que ter a satanização dos partidos e a cristianização dos movimentos. O que acontece em um partido para ele ser criado não é muito diferente. O que motiva alguém a entrar e assinar não é muito diferente do que motiva as pessoas a irem às ruas. Óbvio que o calor daquilo que é feito em multidão é muito mais significativo, porque produz a imagem. Agora, se você pensar em matérias de eleição: quantas pessoas tiveram nas ruas ontem em Aracaju? 20 mil? Quantas pessoas votaram em mim na eleição? [Rogério teve mais de 100 mil votos] Quantas passeatas daquela me representam? É diferente, claro, mas as pessoas manifestaram. Isso tem importância e não pode ser negligenciado. Agora só isso não é suficiente no tempo que a gente vive. Só a democracia representativa não é suficiente. A gente precisa criar os mecanismos da participação da sociedade.

247 – Se fosse o senhor no lugar da presidente Dilma Rousseff, no lugar dos governadores, prefeitos, como agiria?

RC – Quem está do lado de cá não vai conseguir materializar qual a intenção de quem está do lado de lá ou de quem está protagonizando o movimento das ruas. Em outras palavras, os governos não podem materializar as reivindicações de quem reivindica. Quem reivindica tem que materializar sua reivindicação. Isso só vai acontecer ao longo do tempo, porque é tudo muito bruto, no sentido de que está nascendo. Ainda não foi lapidado. É um organismo em desenvolvimento, com indefinições. É um embrião.

247 – Mas e o que fazer no agora?

RC – Agora é observar. Porque você vai impedir? Vai fazer confronto? O que os governos têm que fazer é garantir que não se viole as instituições que representam o que a gente tem de institucionalidade, porque não posso violar uma institucionalidade sem ter outra para colocar no lugar, senão vira barbárie, a destruição do país e da sociedade. É bonito e bom saber, é fabuloso imaginar que os sujeitos estão presentes e que a história vai ter continuidade. E que uma nova institucionalidade pode ser forjada, com novas necessidades, em um novo momento da democracia do Brasil. 

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