A grande falha do Bolsa Crack, na visão de um médico

"Não basta o governo de SP disponibilizar R$ 1350 mensais para os viciados se tratarem: é preciso também ajudá-los a se reinserir na sociedade, senão o risco de recaída é alto", diz o médico e escritor David Norton, em artigo publicado no Diário do Centro do Mundo, do jornalista Paulo Nogueira

A grande falha do Bolsa Crack, na visão de um médico
A grande falha do Bolsa Crack, na visão de um médico (Foto: Marcelo Camargo)


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David Nordon, Diário do Centro do Mundo - O governo de São Paulo lançou, ontem, um projeto que foi rapidamente apelidado de "Bolsa Crack". Funciona assim: famílias que possuem dependentes receberão mensalmente um cartão com R$ 1 350 de crédito, que pode apenas ser usado em clínicas credenciadas de reabilitação. A ideia é permitir um novo começo ao usuário de drogas, suprindo a falta de instituições públicas através do financiamento de clínicas privadas, que geralmente são extremamente onerosas para a família. Ainda não temos informações de como exatamente será a escolha destes pacientes, de quais receberão o benefício, nem ao certo de quais clínicas participarão.

Do ponto de vista paliativo, a medida é realmente válida; não seria a primeira vez que o governo arcaria com os custos de serviços particulares para suprir a falta de recursos públicos. Entretanto, a questão é: clínicas de reabilitação são eficazes? Convivo com casos de usuários de drogas na família desde criança e trabalhei na Fundação Casa durante a faculdade, dando aulas sobre dependência química, período no qual tive muito contato com menores infratores usuários dos mais diversos tipos de drogas. O que eu observei com esta experiência e após ver uma parente internada mais de 38 vezes e outro ser internado três vezes e ser preso duas, é que isto não é eficaz. Há clínicas bem intencionadas, que seguem uma rotina rígida; há outras, contudo, em que não há rotina nenhuma e nas quais as drogas entram, às vezes com a cumplicidade do próprio dono.

Mas, mesmo que isto não ocorra e que a rotina rígida da clínica realmente evite que o usuário utilize a droga por meses, o que acontece quando ele sai? Como ele pode reestruturar toda a sua vida, que girava em torno do uso de drogas, o que é essencial para a sua reabilitação? Se não o fizer, voltará ao seu círculo de amigos, passará diante dos mesmos bares, dos mesmos locais onde usava; sentirá seu nariz coçar e fungará toda vez que pensar ou ouvir falar em cocaína, salivará ao pensar em bebidas, lembrará inevitavelmente da brisa da maconha. Como evitar tudo isso?

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Em artigo publicado no jornal Estado de Minas, estado que apresenta um programa semelhante, o subsecretário de Estado de Políticas Antidrogas, Cloves Benevides, afirma que os índices dos melhores serviços indicam que a metade dos usuários irá recair. No mínimo. No Centro Mineiro de Toxicomania, em 2010, 40% eram casos de recaídas, e 60% de casos novos.

É necessária uma força de vontade imensurável para abandonar tais vícios, encontrada apenas em raras pessoas. Conheci usuários que perderam tudo, tentaram suicídio, sobreviveram, recomeçaram a vida do zero, apenas para recair novamente. O apoio familiar é essencial, mas não é tudo; muitas vezes não basta. Incorro na repetição em dizer que mais dinheiro deveria ser deslocado para o combate ao tráfico, a prevenção ao uso e ao apoio social dos usuários. Entretanto, contanto que o "Bolsa Crack" seja apenas um dos primeiros passos, talvez uma medida de contenção ajude em alguma coisa. Assim espero.

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