Supremo fará de Lula ministro de segunda classe?

Reunido para decidir se Luiz Inácio Lula da Silva terá prerrogativas de foro caso possa vir a assumir o ministério da Casa Civil, o STF estará julgando a si mesmo na tarde de hoje. Pode vestir a carapuça de um tribunal sempre acusado -- corretamente ou não -- de abrir as portas para a impunidade e acertos de cúpula. Ou pode assumir suas responsabilidades, fazer o debate necessário com a sociedade e lembrar que não se pode negar a Lula um direito de presidentes, parlamentares federais e outras autoridades em função equivalente.  



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O debate de hoje no Supremo Tribunal Federal ameaça produzir uma decisão que contraria um mandamento constitucional elementar -- aquele que diz que todos os cidadãos são iguais perante a lei.

Estou falando da decisão em pauta, sobre os direitos de Luiz Inácio Lula da Silva. Sem disposição para confrontar Gilmar Mendes, que suspendeu a posse de Lula na Casa Civil e embarcou para Portugal,  o STF irá discutir se Lula, quando e se vier a assumir o ministério, terá direito a prerrogativa de foro, direito que a Constituição reserva automaticamente aos presidentes da República, parlamentares federais e ministros de Estado e outras autoridades no mesmo patamar e responsabilidade. É um ritual conhecido e previsível. O cidadão assume um ministério -- ou uma cadeira parlamentar -- e ganha a prerrogativa. Perde o posto. Perde a prerrogativa. Você pode achar justo, errado ou absurdo. Mas enquanto for uma previsão legal, não há o que discutir.

Em se tratando de Lula, não é uma decisão qualquer no país da Lava Jato. Ocorre depois que o juiz Sérgio Moro deu publicidade a grampos -- um deles claramente ilegal -- que têm sido usados para sustentar a versão, nunca comprovada, de que o ex-presidente só pretendia assumir o ministério para obstruir uma investigação sobre o triplex do Guarujá e o pedalinho de Atibaia. Como se Lula fosse um peso morto na política brasileira, um incapaz, entende?

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Caso o STF negue a Lula o mesmo direito assegurado a seus pares -- inclusive ao suiço Eduardo Cunha -- a mais alta corte do país irá consagrar um tratamento de exceção ao ex-presidente. É tão excepcional que constitucionalistas consultados pelo blogue não se recordam de caso semelhante, de um cidadão de quem se amputa direitos e garantias e tudo fica por isso mesmo.

É mais comum, em nossa tradição, ampliar-se direitos de quem não os possuía, quando se considera que garantias fundamentais podem estar melhor protegidas com a garantia de foro. Em 2002, no apagar das luzes do governo Fernando Henrique, Pedro Malan, Pedro Parente e José Serra tiveram assegurada a garantia de foro para responder a RCL 2138 e RCL 2186. Natural, pois os três eram ministros. Mas o governo acabou e, pelos treze anos seguintes -- quando se encontravam na condição de cidadãos comuns -- o foro foi mantido. O que se temia é que, após a mudança de governo, surgissem pressões e estímulos nem sempre visíveis contra direitos do trio de ministros tucanos.

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O próprio FHC, ao deixar o governo, ajudou a aprovar um projeto de lei que garantia o mesmo tratamento a ex-presidentes. A regra permaneceu até 2005, quando foi abolida.

Do ponto de vista histórico, uma decisão desse caráter chega a ser humilhante num país onde a desigualdade social é uma praga estrutural. Lembrando o currículo político de Lula, titular de um governo que trabalhou objetivamente para melhor a sorte dos mais humildes, um tratamento dessa natureza tem um inaceitável sabor de revanche e ajuste de contas. Serve como sinal de tempos terríveis que podem se aproximar, caso as garantias democráticas sejam esmagadas por um golpe de Estado em gestação.

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A ideia de criar um ministro pela metade nasceu no gabinete do PGR Rodrigo Janot e ajuda a demonstrar que nem sempre ele se mostra capaz de cumprir a regra anunciada em seu discurso de posse: o pau que bate em Chico também bate em Francisco. Está errada, por mais que Janot mereça ser aplaudido pela postura responsável que assumiu em outras oportunidades. Aqui errou feio.

O Supremo irá cometer um erro de consequências ainda mais graves  se mantiver essa situação. O PGR sugere, propõe. O STF dá a decisão final. A tese de que Lula pretendia uma vaga no ministério apenas para garantir a própria impunidade simplesmente não pode ser aceita pelo STF. Em primeiro lugar porque, sem provas redondas, definitivas, implica em pré julgamento.

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Outro aspecto é que a aceitação dessa tese implicaria, por parte dos próprios ministros, numa confissão de incompetência do próprio tribunal para julgar autoridades nesse patamar de responsabilidade, que tem feito parte de suas obrigações constitucionais ao longo de toda história da República. É uma noção inaceitável, quando se recorda que cabe ao STF, entre outras funções, julgar presidentes da República.

 Outro aspecto é que a base dessa visão não se apoia em provas nem em fatos, mas em suspeitas. Em má fé, pode-se dizer, quando se recorda a inegável capacidade de atuação política de Lula, de extrema utilidade na reconstrução de um governo em crise profunda.

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Por fim, há uma questão que é individual e ao mesmo tempo universal. Negar a Lula um direito que é de todos implica em ressuscitar os velhos preconceitos contra um antigo peão de fábrica que, após uma longa travessia, continua sendo o mais popular presidente que o país já teve. Não é triste. É revoltante.

 

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