É a loucura, estúpido!

A nova e draconiana imposição da Troika ao governo do Syriza não guarda o menor resquício de racionalidade econômica. Como disse bem Paul Krugman, prêmio Nobel de economia, é pura "loucura"

A nova e draconiana imposição da Troika ao governo do Syriza não guarda o menor resquício de racionalidade econômica. Como disse bem Paul Krugman, prêmio Nobel de economia, é pura "loucura"
A nova e draconiana imposição da Troika ao governo do Syriza não guarda o menor resquício de racionalidade econômica. Como disse bem Paul Krugman, prêmio Nobel de economia, é pura "loucura" (Foto: Marcelo Zero)


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Esqueça a economia.

A crise da Grécia já não tem mais relação com qualquer ramo da ciência econômica. A nova e draconiana imposição da Troika ao governo do Syriza não guarda o menor resquício de racionalidade econômica. Como disse bem Paul Krugman, prêmio Nobel de economia, é pura "loucura".

É, contudo, uma loucura com método.

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No último dia 14, o FMI divulgou documento sobre a sustentabilidade da dívida grega, que traz conclusões dramáticas.

Em poucas palavras, o FMI afirma que a dívida grega, nas presentes condições, subirá de 177% do PIB para 200% do PIB em apenas dois anos. Mais: as necessidades de financiamento anual subirão para mais de 15% do PIB. O FMI afirma também que a Grécia não conseguirá fazer superávits primários da ordem de 3,5% do PIB para reduzir sua dívida.

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Em outras palavras, até mesmo o conservador FMI sabe muito bem que a dívida da Grécia, em seus termos atuais, é totalmente insustentável.

O FMI sugere alternativas. A primeira delas seria um dramático alongamento do perfil da dívida, que incluiria uma moratória de pelo menos 30 anos. Outra opção seriam transferências anuais substanciais diretamente para o orçamento grego. A opção mais dura, para os credores, seria uma drástica redução nominal da dívida.

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O FMI admite hoje a insustentabilidade da dívida grega porque sabe também de um dado importante. A dívida grega mudou de perfil. Antes dos programas de "ajuda" à Grécia impostos pela Troika, a dívida grega estava, em sua maior parte, nas mãos de bancos e credores privados. Hoje, mais de 90% dessa dívida foram assumidos pelos governos europeus. Em 2008, os bancos norte-americanos, britânicos e da zona do euro detinham cerca de 140 bilhões euros em papéis da dívida grega. Em 2013, esse número já tinha diminuído para cerca de 20 bilhões euros.

Foi para isso que a "ajuda" à Grécia serviu. Para salvar os bancos e os credores privados. Dos cerca de 250 milhões de euros que a Grécia teria recebido até agora com a "ajuda", somente 25 milhões ficaram no país. O resto voou pelo sistema financeiro até chegar, direta ou indiretamente, na mão dos credores, que se livraram dos papéis gregos.

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Essa mudança de perfil permitiria, em tese, uma profunda estruturação da dívida grega, sem afetar significativamente o mercado financeiro privado. Bancos e credores privados não seriam real e diretamente afetados. Ademais, hoje em dia a economia grega representa apenas 1,7% da economia da União Europeia e sua dívida responde por somente 2,5% da dívida pública desse bloco.

Trata-se, portanto, de uma reestruturação assimilável. Trata-se, na realidade, da única coisa que faria algum sentido.

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Algum cartesiano poderia perguntar: por que não se faz?

É aí que a "loucura" da Troika revela o seu método.

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Assim como o FMI, os demais componentes da Troika (o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia) também sabem muito bem que a dívida grega tornou-se insustentável. Sabem muito bem que a nova proposta de "auxílio" só piorará a situação já dramática do povo grego. A esta altura dessa tragédia digna de Sófocles, até mesmo Angela Merkel sabe disso.

É que o objetivo do novo plano não é, do ponto de vista de uma suposta racionalidade econômica, ajudar a Grécia a tornar a sua dívida sustentável e, com isso, se recuperar. O objetivo é, sob a perspectiva do controle político da União Europeia, punir a Grécia.

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A finalidade real é castigar e humilhar a Grécia e torná-la exemplo para qualquer outro país que ouse se contrapor à austeridade imposta pela Troika e liderada pela Alemanha.

Pune-se a Grécia que elegeu o Syriza, pune-se a Grécia que questionou a austeridade suicida, pune-se a Grécia que cometeu a suprema ousadia de consultar o seu povo sobre o novo plano. Castiga-se a Grécia não apenas pela Grécia, mas também se pensando nos casos da Espanha, de Portugal, da Irlanda e de qualquer outro país que porventura esteja farto de sacrifícios inúteis.

O brutal e insano plano de "ajuda econômica" é, na realidade, uma mensagem política cristalina e insofismável: a Troika e a Alemanha não tolerarão dissidências.

Para tanto, a "loucura" da Troika tem um aliado infalível: a camisa de força do euro. A Grécia não pode fazer política monetária e cambial. Tem câmbio fixo e sua política monetária é exógena. Sua única variável de ajuste é fiscal. Essa é a sua tragédia.

Entretanto, a sua saída do euro imporia um custo econômico e social absurdo. Um novo dracma seria muito desvalorizado. A Grécia empobreceria ainda mais e teria enormes dificuldades para se prover de liquidez. Seria uma saída, mas uma saída com graves riscos econômicos, sociais e políticos.

Tsipras sabe disso e a Troika sabe que Tsipras sabe.

Daí o seu ultimato covarde e vingativo. Sabem que, aceitando-o, Tsipras tem a sua legitimidade ameaçada. Querem, no fundo, tirar Tsipras e o Syriza do poder. Nesse ponto, o método da "loucura" da Troika revela seu objetivo direto e imediato. É um golpe financeiro contra a democracia grega.

Angela Merkel, líder da Alemanha que, como bem assinala Piketty, nunca pagou realmente suas dívidas no pós-guerra, tendo sido beneficiada por um perdão que as reduziu em mais de 60%, deve estar agora saboreando sua vitória vil.

Pode ser, porém, uma vitória de Pirro. A União Europeia foi fundada sobre os valores da democracia, da solidariedade, da tolerância, da defesa dos direitos humanos, e sob o pressuposto que todos seus membros e cidadãos teriam iguais oportunidades de aceder à prosperidade. A atitude da Troika e da Alemanha assesta um duro golpe contra essa União Europeia da democracia, da solidariedade e da igualdade de direitos. Talvez um golpe mortal.

Enquanto isso, na Europa idealizada por Jean Monnet, grande artífice da integração europeia, mais de 40% das crianças gregas, cidadãs da Europa, já estão abaixo da linha pobreza.

É a verdadeira loucura. É a grande estupidez.

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