A perspectiva é de aprofundamento da crise

A economia patina e as delações virão por aí. A possibilidade de convulsão social não é alarmismo catastrofista

Michel Temer
Michel Temer (Foto: Roberto Amaral)


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A deposição da presidente Dilma Rousseff foi a panaceia receitada em prosa e verso para todas as nossas mazelas. Consumado o golpe parlamentar, empossados o presidente e seus áulicos (Jucá, Geddel, Padilha, Moreira et caterva), ao invés do céu na terra, a realidade dos primeiros oito meses do mandarinato de Michel Temer aponta para um rotundo fracasso, representado pelo agravamento da crise brasileira sob todos os ângulos segundo os quais a examinemos.

A começar pelo ponto de vista ético (o presidente é acusado na Operação Lava Jato como receptador de propina) e do ponto de vista político, em face de sua irrecuperável ilegitimidade, legal, política e popular. 

Dominante é o agravamento da depressão econômica, para a qual tanto tem contribuído o monetarismo arcaico de Meirelles e sua trupe, ainda festejado pela imprensa brasileira, jornalões e revistonas à frente.  

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O desemprego é apenas um de seus muitos e nocivos frutos. Trata-se de uma tragédia social levada a cabo pela retração promovida conscientemente pelo governo, e que se abate mais fortemente sobre a indústria. Trata-se, pois, de uma politica tecnicamente errada, e moralmente inaceitável.

Nos últimos 12 meses o País perdeu 2 milhões de vagas (pouco mais de um milhão na indústria) e tem hoje uma multidão de 13 milhões de pessoas sem trabalho, sem esperança de retorno ao mercado, exército de reserva que só tende a crescer.

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Depois dos -8,3% de 2015, concluímos 2016 (novembro) com uma retração do setor industrial em torno de -7,1% quando o Boletim Focus (leia-se Banco Central) estimava uma retração de apenas -3,5%, justamente a metade. Esses -7,1% somados aos -8,3% da retração de 2015 somam uma retração da ordem de -15% em dois anos! 

Por que prosseguir com essa política, inepta e desumana? 

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A crise fiscal caminha pari passu com a demolição das economias estaduais, abalando os alicerces sempre frágeis de nossa federação de fancaria. 

O que a União anuncia como condição para socorrer os tesouros estaduais falidos? Redução da folha salarial do funcionalismo, maiores contribuições para as previdências estaduais, períodos mais longos de contribuição, venda dos ativos, ou seja, mais depressão, mais desemprego, mais instabilidade social, mais crise política.

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No Rio de Janeiro a joia da coroa a ser vendida na bacia das almas é sua companhia de saneamento, e o ministro Barroso, do STF, já pleiteia a privatização das universidades estaduais fluminenses. (Foi-se o tempo em que os ministros, que aliás se faziam respeitar, só falavam nos autos; agora são eles quase todos boquirrotos, falando sempre quando deviam estar calados e silenciando quando deviam estar despachando os processos que dormem em seus gabinetes).

E por óbvio, nos estados e no plano federal, nada de investimentos, isto é, nada de criação de novas oportunidades de produção econômica e geração de empregos. Ao contrário, o congelamento dos investimentos nos setores básicos da vida nacional – saneamento, saúde, educação, ciência e tecnologia — por 20 anos!, com o que o governo ilegítimo de hoje se projeta sobre os governos futuros.

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No plano internacional não há luz no fim do túnel, a cada dia mais comprido. Não são bons os ventos que sopram da União Europeia, e muitos menos dos EUA. A xenofobia e o nacionalismo isolacionista presidem as políticas econômicas das principais potências.

Na Alemanha, a direita protofascista assusta a socialdemocracia de Merkel, e Marine Le Pen pode ser a próxima presidente da França. A Inglaterra, depois do ‘Brexit’ (tiro no fígado da União Europeia), parece ainda sem rumo e muitos analistas já anteveem a desestruturação do Reino Unido. A independência da Escócia, por exemplo, é apenas uma questão de tempo.

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As grandes potências e o complexo militar-industrial, sempre faminto, continuarão a promover guerras no Oriente Médio e a produzir refugiados rejeitados, alimentando o terrorismo de que são causa e alvo.

A expectativa de mais protecionismo que caminha por toda a Europa é a promessa do governo Trump, que ninguém sabe direito o que será, mas sabe-se que será um governo protecionista, isolacionista e uma de suas primeiras medidas, das muitas já anunciadas, é o aumento da tributação dos produtos importados, o que muito nos afetará, como já está afetando a nova política de juros do FED (Banco Central dos EUA), que deve afastar de nossas fronteiras os dólares com os quais os Meireles da vida contavam para reanimar a economia brasileira. 

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Seja qual for a nova política chinesa, em face dos EUA e em face do mundo, jamais voltarão suas importações aos volumes de cinco anos passados, e em nossos calcanhares a Argentina de Macri enfrenta crise similar à brasileira, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista econômico. 

Nesse cenário de incerteza e desassossego certo, o governo investe na desnacionalização da economia e na venda de ativos indispensáveis a qualquer política comprometida com a retomada do desenvolvimento, desenvolvimento que causa urticária nos operadores do Banco Central. Só a Petrobras já se desfez, até aqui, na administração Pedro Parente, de ativos essenciais no montante de algo como dez bilhões de dólares, jogando fora não só recursos e instrumentos de intervenção positiva na economia, mas a tecnologia construída ao longo de décadas de trabalho e investimento.

Com a destruição paralela das grandes empresas nacionais de engenharia, abre-se o sempre desejado espaço para as empresas estrangeiras. 

A grande e única alternativa brasileira, que é seu desenvolvimento econômico a partir do desenvolvimento interno com a criação de um grande mercado consumidor, para o que é fundamental a recuperação e fortalecimento da indústria nacional, continua sendo rejeitada por um neoliberalismo anacrônico, incompetente, perverso e antinacional, preso ideologicamente à opção agrário-exportadora que jamais fará deste país uma nação rica, solidária e soberana. 

O que esperar de 2017? 

As estimativas para o crescimento da economia variam entre 0,3% e 0,7%, numa hipótese e em outra muito abaixo dos 2,5% de 2013, último ano antes da recessão, cujo corolário, o desemprego, também será em 2017 maior que o de 2016, superando 12%. A ociosidade da indústria é a maior desde 2001. 

Nada sugere a recuperação das vendas de varejo, deprimidas pelo desemprego, pelo crédito restrito e pela redução dos investimentos governamentais. Menos vendas no varejo, maior ociosidade industrial; menos negócios, mais imóveis encalhados (as vendas de imóveis novos caíram 8,8% em 2016 em comparação com 2015) quer dizer construção civil no ponto morto, donde menos encomendas à indústria e menos absorção de mão de obra.

Onde apoiar qualquer expectativa de recuperação econômica?

Os resultados dos contingenciamentos orçamentários, em todos os níveis, serão atrozes e o descontrole será ainda maior com a incapacidade dos governos estaduais e municipais de manter os serviços públicos. 

Diante da crise econômica, que gera a crise politica, um presidente sem audiência nacional, um Congresso sem legitimidade e um Poder Judiciário que a cada dia mais se apequena diante da opinião pública. 

A possibilidade de convulsão social não é alarmismo catastrofista.

As crises econômicas e políticas não são autônomas. Vasos comunicantes se auto alimentam e quase sempre constroem os impasses institucionais. A perspectiva brasileira é de aprofundamento  da crise das instituições, com graves riscos para o processo democrático que não se compadece com governos ilegítimos.

A expectativa é que o STF homologue até março as delações dos donos e dos executivos da Odebrecht e novas delações de outras empreiteiras devem ser anunciadas prometendo uma hecatombe política de graves proporções. O ainda presidente Temer, já alvo de delações, terá ainda no primeiro semestre de 2017 seu mandato (com as contas de Dilma Rousseff) julgado pelo TSE. A perda de seu mandato não é uma hipótese descartável.

Não há perspectiva de superação da crise com o atual Congresso, o que reclama por eleições diretas, o único instrumento de legitimação do poder conhecido pela democracia representativa.

As esquerdas, lanhadas, são chamadas a operar ativamente, e seu primeiro dever é a releitura do papel desempenhado até aqui, revisando métodos e reescrevendo paradigmas, revendo teses e reconstruindo projetos.

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