Brasil deve enfrentar ameaças de Trump com firmeza e cautela, de olho nas oportunidades
Como declarou o presidente Lula, serenidade e reciprocidade são a melhor reação ante o blefe
Cumprindo um enredo cuidadosamente coreografado, em meio a uma profusão de ordens executivas, ameaças e idas e vindas, o segundo mandato de Donald Trump ainda não completou duas semanas, mas já revelou os métodos do retorno à decrépita ordem Imperial.
Ao show de deportações humilhantes para a América Latina, com uma guerra comercial relâmpago com a Colômbia, sobreveio a imposição de tarifas de importação de 25% aos vizinhos México e Canadá, a que se somam as taxas de 10% para o comércio com o gigante chinês.
Foi o mais recente surto da onda de ataques desferidos a esmo e que já atingiram Dinamarca, Panamá, Cuba, Brasil, Colômbia, Brics, China, Rússia, Otan e outros, em rompantes de árduo acompanhamento.
O mundo assiste a essa performance paralisado. Todos sabem (mesmo os que não convém publicamente admitir) que a hiperatividade do ilusionista encobre sua decadência. Choque e espanto visam dar glórias de conquista ao declínio subjacente. Trump 2.0 nasce para, em busca da sobrevivência, reverter, ou ao menos minimizar, a catástrofe de uma ordem.
Ao procurar recompor a mão firme sobre sua área de influência geopolítica mais imediata, a Europa e as Américas, os Estados Unidos o fazem reintroduzindo a política do grande porrete. Trump ameaça tarifas contra o Brasil, bem como contra todos os outros membros dos Brics, se estes insistirem em criar uma moeda única para se libertar do dólar nas transações internacionais.
É difícil distinguir, em momento tão inicial, entre o que é ameaça real e o que é bravata. Os sinais apontam em todas as direções, exigindo dos governos capacidade para ler as situações. Cautela não se confunde com fraqueza, na hora de identificar o que, por trás do show, podem ser propostas iniciais de quem na verdade é um negociador espalhafatoso. Como declarou o presidente Lula, serenidade e reciprocidade são a melhor reação ante o blefe. E podem-se abrir oportunidades de negociações vantajosas, como a recente viagem de um enviado de Trump à Venezuela parece apontar.
A atitude de Washington busca reassumir a liderança de seu campo de influência, porém da pior maneira. Busca vantagem arrancada pela via da ameaça e do medo, não pelo exemplo.
São instrumentos que fomentam a rebelião e a curto prazo podem se revelar um tiro no pé.
Excitando os mais baixos instintos racistas da população, Trump empreende uma caçada a milhões de trabalhadores latino-americanos ilegais nos Estados Unidos. A economia do país pode sofrer sem a mão de obra estrangeira, que se submete ao trabalho duro. Além da escassez de mão de obra na agricultura, construção civil e serviços, as tarifas ao comércio internacional, por seu lado, vão elevar a inflação.
Na frente geopolítica, como disfarçar que a trégua em Gaza marca a derrota estadunidense e de Israel, seu Estado cliente encravado na região? Ambos não conseguiram o que diziam ser o principal objetivo do massacre: eliminar o Hamas. Ao contrário, negociaram os termos da trégua com o Hamas. Este, além de ser reconhecido como liderança, obteve a libertação de seus combatentes mais sêniors e o retorno de mais de um milhão de deslocados às suas regiões no centro e norte, ainda que devastadas por Israel em condições apocalípticas. Biden e Netanyahu perderam a guerra, apesar do genocídio. Trump conjurou a derrota parecendo dar razão a quem alega que Washington entende apenas uma linguagem, a das armas. Resultado semelhante está por acontecer em outra guerra por procuração dos Estados Unidos, a da Ucrânia, contra a Rússia.
A partir dessa realidade surgem sinais da chegada no Departamento de Estado e no Pentágono de um realismo disposto a reconhecer que um mundo multipolar, dividido em esferas de influência regionais, é inevitável e até necessário para controlar conflitos. A vantagem chinesa na frente tecnológica age no mesmo sentido. O caso da revolução causada pela inteligência artificial chinesa Deepseek mostra que mostra como as restrições de exportação estadunidenses podem impulsionar a inovação e o empreendedorismo também no Brasil.
Nessa perspectiva mais pragmática, cheia de contradições, podem surgir novas oportunidades a serem aproveitadas pelo Brasil, na defesa de seus interesses, nos relacionamentos com países vizinhos e todo o hemisfério.
