Lições da maior derrota do futebol brasileiro

Ninguém pode organizar bem os pensamentos (em campo e fora dele) trocando o raciocínio lógico e os padrões de comunicação eficaz por expressões estapafúrdias como o “é tóis”



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Muito já se disse e muito vai ser dito ainda sobre o retumbante fracasso da seleção brasileira nesta última Copa do Mundo, especialmente nos dois últimos jogos. Confesso que eu também me espantei com o tamanho e a forma da surra que nos foi aplicada pela Alemanha. Antes dela, estávamos todos docemente iludidos por uma fantasia que nós mesmos tínhamos criado, numa espécie de autoengano coletivo.

Foi preciso acontecer o absurdo placar de 7 x 1 do Mineirão, seguido do 3 x 0 no Mané Garrincha, para que alguns de nós brasileiros (infelizmente, nem todos) caíssemos na real. A mídia, as autoridades e o público viviam um sonho errado, cultivado sobre valores e atitudes totalmente equivocados. Tínhamos a ilusão de que possuíamos o melhor futebol do mundo – que nos havia sido dado pelos céus como um dom especial e inesgotável – e de que isso bastaria para que a nossa seleção exercesse o sagrado direito de ser campeã sempre que assim o desejasse. Poderíamos deitar à sombra e esperar a chegada inevitável do título. Se fosse necessária uma ajudazinha, bastaria que puséssemos em campo um pouco da nossa malemolência, do nosso gingado, da nossa malandragem, da nossa surpreendente improvisação ou, até mesmo, do imbatível jeitinho brasileiro, para cavarmos um pênalti inexistente ou para deixarmos o mundo boquiaberto com um dos nossos atacantes que, sem sequer dizer “shazam”, transformava-se em arma perigosíssima com o simples gesto de lançar-se ao chão e finalizar deitado. Nem precisávamos treinar direito, acostumados que estamos com incontáveis feriadões, férias de 43 dias por ano trabalhado e jornadas camaradas com muitas interrupções e licenças. Trabalhar pra quê? Pra sofrer como alemães? Afinal, para que serve aquele supersalário, se não for para aproveitar a vida à sombra do Dedo de Deus, no conforto protegido do Aviário Comary?

Ironias à parte (que essas talvez até ajudem a descontrair do susto) temos que tirar lições desse vexame. Não para, simplesmente, mudarmos a postura dos nossos atletas, muito mais interessados em conquistar pela aparência, com penteados exóticos, tatuagens enormes, o modo atrevido de inverter o boné e outras esquisitices, do que em vencer pelo afinco no treinamento, pela disciplina tática e pela aplicação no trabalho. Precisamos mudar a própria sociedade e o comportamento dos nossos jovens, celeiro de onde saem os atletas ávidos da justa ascensão social. Não lhes serve a crença de que poderão ser bem-sucedidos sem estudar. Aliás, a cultura é essencial para a melhoria do desempenho esportivo, para compreensão dos ensinamentos técnicos e para enfrentar a eventual adversidade. Ninguém pode organizar bem os pensamentos (em campo e fora dele) trocando o raciocínio lógico e os padrões de comunicação eficaz por expressões estapafúrdias como o “é tóis”, por exemplo. É desnecessário que se comente os episódios de choro generalizado, já que eles estão nítidos na memória de todos e, certamente, são estimulados pelas imagens diárias exibidas na TV, quando adultos se esmeram em comover o público com o inevitável pranto por qualquer motivo, à espera de algum benefício, recompensa ou reconhecimento.

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Ao contrário desse padrão primitivo e imaturo, precisamos adotar, com fé, a convicção de que ações bem planejadas, continuadas, lógicas e embasadas na boa técnica (inclusive nas artes, categoria em que já tivemos orgulho de enquadrar o futebol nacional) são o melhor caminho para o êxito e para o sucesso. No caso do futebol, essas ações devem incluir, imediatamente, a reestruturação completa da nossa administração esportiva, reconhecendo com humildade que o “estado da arte” nesse ofício não mais está no “país do futebol”. Vamos buscá-lo onde estiver para ajudar a arrumar a casa.  Recursos não faltarão, certamente. No ano passado, a CBF (entidade máxima do nosso futebol) arrecadou a estonteante quantia de R$ 433,5 milhões. Este ano, com as receitas da Copa, a arrecadação total deverá ser muito superior.  Porque não aplicar parte dessa montanha de dinheiro na construção de centros de treinamento, no apoio objetivo, direto e transparente às categorias de base, na formação e capacitação de árbitros e no intercâmbio planejado de atletas e treinadores? Porque não aplicar, também, na disseminação de tecnologia atualizada, envolvendo táticas de jogo e de apoio ao treinamento dos atletas (efetivos e potenciais), mesclando tudo isso com a melhoria do nível educacional? Por oportuno, não devemos esquecer que a Alemanha vem investindo pesado na estruturação de seu próprio futebol, incluindo a construção, em todo o país, de 1370 campos esportivos e a obrigatoriedade de que os clubes da liga principal constituam divisões de base com educação acoplada. Para mim, isso resulta claramente na construção do placar do Mineirão. Alguém duvida?

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