Algo que mataram dentro de mim

Penso nas pessoas dignas que ainda trabalham nas redações e fico a imaginar como estas convivem com aqueles que falsificam reportagens, num verdadeiro ato de corrupção editorial



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Leio desde os nove anos. Ler, que eu digo, é ler jornais, revistas, histórias em quadrinho e até fotonovelas.

Meu pai tinha uma banca de frutas na rodoviária de uma pequena cidade de Goiás, Porangatu.

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Saímos de São Paulo, minha mãe com cinco filhos pequenos e uma tia-avó, e fomos ao encontro dos negócios confusos do meu pai em Goiânia e depois Porangatu. Mas isso é outra história.

O que eu quero dizer é que a leitura me pegou pelo pé desde criancinha. Saía da banca de frutas e ia até a banca de jornais da Rodoviária e pedia de tudo emprestado para o seu Salviano.

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Ali, entre a chegada de um ônibus e outra, viajava com minhas leituras. Lia muito jornal também. Aliás, só não lia bula de remédio porque a fartura de outras publicações era grande.

E foi assim que trouxe para a juventude e a fase adulta o gosto pela leitura.

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Sou de uma época (já tenho idade suficiente para usar esta expressão) em que a crítica maior à imprensa era sobre as editorias esportivas e as de futricas de TV.

Críticas de quem já sabia diferenciar uma notícia bem apurada, bem feita, de uma simples fofoca.

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Lembro bem que na minha juventude adorava a chamada “grande reportagem”.

Ricardo Kotscho, Zuenir Ventura, Nirlando Beirão, Joel Silveira, Raimundo Pereira, Fernando Moraes, José Louzeiro, José Marquez, Otávio Pena Branca Ribeiro e tantos outros grandes textos e repórteres fotográficos me faziam viajar para os confins de um país que já naquela época não era conhecido pelo Brasil do chamado sul maravilha.

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Com isso, ansiava para que estas belas reportagens se multiplicassem e pedia aos céus que as reportagens esportivas subissem ao nível daquelas.

Para resumir esta história: hoje a editoria esportiva desceu a níveis bem mais baixo do que os parâmetros da minha juventude.

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E o pior: as editorias de política acompanharam esta descida abismal e, muitas vezes, desceram mais ainda.

Comecei indo para o final dos cadernos, lendo variedades e depois pulava para o esporte e fechava o jornal.

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Hoje, leio muitos livros,  blogues, o Portal 247,  a revista Brasileiros e a Carta Capital, mas não leio jornais e outras revistas semanais. 

Não consigo. E digo isso com pesar.

Lembro-me de uma máxima do jornalismo, que estudei no início dos anos 80, de que um bom lead (abertura da reportagem) levava o leitor até o final da matéria e que um lead ruim levava o leitor para outra publicação.

E foram tantos e tantos os leads ruins e as manchetes escabrosas que os jornais me levaram para fora deles.

Mataram em edições diárias um prazer dentro de mim.

Trabalhei em redação somente três anos, no meio da década de 80.

Nesta época, repórter ainda tinha opinião sobre sua matéria. Opinava sobre a edição.

Depois disso, em assessoria de imprensa, fui ouvindo desculpas de colegas interpelados por terem feito um contéudo e ter o mesmo totalmente deturpado pelas mãos de editores inescrupulosos: "Ah, mas não editei o meu texto".

Só restava lembrar ao coleguinha de que a sua assinatura no texto ensejava algumas obrigações, como a de ter autonomia para não ver sua criação se transformar num Frankenstein. 

Penso nas pessoas dignas que ainda trabalham nas redações e fico a imaginar como estas convivem com aqueles que falsificam reportagens, num verdadeiro ato de corrupção editorial. 

Dizem que quem participa da produção de salsichas não as come. 

Pois então...

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