A militância da chef Bel Coelho por um Brasil mais saudável e inclusivo

Em uma uma curta passagem por Portugal, a renomada chef de cozinha, Bel Coelho, deu uma breve entrevista exclusiva para o Brasil 247; a chef, uma das mais renomadas do país e com uma militância ativa em prol de causas sociais, especialmente a favor da agricultura familiar rural, feminismo, inclusão social e a valorização dos produtos orgânicos, diz temer que o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro criminalize movimentos sociais como o MST que, segundo ela, são fundamentais para abastecer os grandes centros por meio da agricultura familiar

A militância da chef Bel Coelho por um Brasil mais saudável e inclusivo
A militância da chef Bel Coelho por um Brasil mais saudável e inclusivo (Foto: Rafael Ribeiro)


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Carlos Hortmann, especial para o 247 - Numa curta passagem por Portugal para um evento do projeto "Fartura do Brasil", a renomada chef de cozinha Bel Coelho concedeu uma breve entrevista exclusiva para o Brasil 247. Bel tornou-se uma das referências mundiais quando o assunto é gastronomia brasileira, visto que tem realizado um profundo e longo trabalho de pesquisa acerca das raízes gastronômicas do Brasil. Para além de produzir pratos e menus com sabores ímpares com ingredientes tipicamente brasileiros, Isabel Aranha Coelho (bisneta de Osvaldo Aranha) figura-se como uma das superchefs de cozinha com uma militância ativa em prol de causas sociais, especialmente a favor da agricultura familiar rural, feminismo, inclusão social, apoio aos imigrantes e a valorização dos produtos orgânicos (sem agrotóxicos).

A notoriedade do seu trabalho ultrapassou a gastronomia, principalmente, pela sua postura politizada perante a realidade brasileira e mundial. Por muitas vezes, despertou o ódio de certos seguimentos reacionários da sociedade. Um dos motivos é porque procura mostrar a importância que do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) tem na produção de uma agricultura agroecológica ou quando visitou o "acampamento Marisa Letícia", em Curitiba, onde está como preso político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O seu ativismo notabiliza-se com frases poderosas como: "comer é um ato político". A categorizar a máxima do filósofo grego, Aristóteles, de que o "homem/mulher é um animal político".

Dentro desse contexto e no conhecido "Mercado da Ribeira" em Lisboa, o Brasil 247 procurou saber um pouco mais da sua história pessoal e de militância e das suas perspetivas perante a atual conjuntura política brasileira.

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Brasil 247 – Como se sente em voltar à terra dos seus familiares?

Bel Coelho: (risos) Bem! A minha família é de Lousã, mais ao centro de Portugal. Mas eu já vivi um período em Portugal no Algarve (Sul). É claro que me identifico muito com a cultura desse país, pois vivenciei ela em casa, visto que sou descendente de portugueses por parte de pai. Por outro lado, a cultura portuguesa tem muita semelhança com o Brasil, é impossível negar essa aproximação. Então, sinto-me sempre em casa.

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B247 – Em termos gastronômicos, é tão similar assim?

BC: Não. Aí acredito existirem peculiaridades que as diferem. Entretanto, a cozinha brasileira tem como um dos seus alicerces principais a cozinha portuguesa. Claro que isso envolve algumas adaptações. Porém, a cultura brasileira tem uma intimidade com a gastronomia portuguesa. Mas na sua generalidade podemos dizer que são diferentes.

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B247 - Quando descobriu que sua missão iria para além do cozinhar?

BC: Essa missão é um pouco mais recente, tem pouco mais 4 anos.

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B247 - Ter feito alguns meses de viagens pelo Brasil profundo, para o seu programa "Receitas de Viagem", na TLC, mudou completamente a sua forma de encarar a cozinha e a vida?

BC: Acredito ter sido um divisor de água na minha vida. Um "turning point" na minha carreira e no meu processo criativo – isso já fazem 6 anos. Pois nesse projeto conheci produtores, cozinheiros caseiros e regionais, e, principalmente, ter cozinhado com eles me inspirou muito a criar novos pratos e menus. Foi muito importante na minha carreira e vida.

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B247 – Muitos consideram você uma cozinheira revolucionária. Porque não quer deixar apenas livros e produção áudio visual como um legado da sua história, mas uma outra forma de vida e de sociedade, correto?

BC: Eu sempre quis fazer algo mais para sociedade, para além do cozinhar novos pratos. E, principalmente, essa questão do chef de cozinha muito autocentrado ou egocêntrico no seu trabalho e na sua história. Acho importante e legítimo em fazer coisas que são vanguardas na gastronomia. Mas acredito ser irrelevante para o ponto de vista da história da humanidade. Nesse sentido, eu queria e quero fazer mais pela sociedade. Passei a prestar mais atenção aos problemas do nosso tempo. Por consequência comecei a militar em favor de uma rede do alimento mais justa (para todos) e saudável. Todavia, isso engloba muitas questões sócio-ambientais, de saúde e econômicas, e isso no Brasil está muito forte e latente.

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B247 – Nesse contexto, as suas viagens pelo Brasil trouxeram-lhe uma consciência ainda mais profunda dessas questões?

BC: Sim! Acredito que sempre tive uma posição e um pensamento progressista. No sentido de lutar por uma sociedade mais justa, inclusiva e igualitária. Visto na nossa realidade brasileira, a sociedade é muito desigual. Todavia, encontrei uma forma de comunicar a minha mensagem por meio do alimento (uma prática).

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B247 – Numa imagem em que você está com o boné do MST teve muitas repercussões nas redes sociais. Qual é a sua relação com o movimento e a importância do mesmo no Brasil?

BC: Pelo o que tem demonstrado, esse novo governo vai tentar criminalizar os movimentos sociais. Acredito que depois do "Escola Sem Partido", isso deve ser a primeira coisa que o governo Bolsonaro vai tentar fazer. Isso é muito sério e preocupante. Obviamente que todos os partidos políticos, movimentos e organizações sociais têm problemas, defeitos e questões para serem melhoradas. Mas o MST tem um papel muito importante, particularmente, na luta pela distribuição de terras improdutivas ou de monocultura e na produção de alimento orgânico e agroecológico.

A existência do mesmo trouxe o desenvolvimento de uma agroecologia tropical cada vez mais forte. Não podemos esquecer que eles alimentam milhares de famílias e fornecem para grandes centros. É um movimento social, claramente de esquerda, que tem muita importância no Brasil, pois nunca tivemos reforma agrária real e eles são a expressão dessa luta. E essa redistribuição da produção agrícola tem que acontecer, pois se sempre continuar com os mesmos fazendeiros e latifundiários, nós vamos continuar a ter muita pobreza e exploração. Principalmente no campo, visto que o trabalhador rural enfrenta o que de mais cruel existe nessa realidade, que é o trabalho excessivo e o contato direto com os agrotóxicos que provocam intoxicação aguda.

B247 – Por ser reconhecida como uma chef ativista por uma sociedade mais justa e igualitária, como tem lidado com um Brasil bastante reacionário, particularmente nas redes socais?

BC: Olha, no início foi muito difícil ser atacada, muitas vezes de maneira extremamente agressiva, de chegar ao ponto de me enviarem mensagens diretas com ameaças de morte. Mas hoje em dia já aprendi um pouco a lidar com tudo isso, quando estou com um pouco de tempo respondo a alguns desses ataques. Todavia, procuro trazer um argumento racional e com afeto, por vezes alguns toques de ironia. Pois muita gente não está a fim de mudar de ideia, mas estão ali apenas para te xingar ou hostilizar de alguma forma. Então, lido assim, com humor, afeto e argumentos.

B247 – Acredita que no governo Bolsonaro teremos ainda mais retrocessos na questão dos agrotóxicos e transgênicos, visto que o mesmo tem uma forte relação com o agronegócio?

BC: Não há dúvida que teremos muito retrocesso. Por exemplo, o "PL (Projeto de Lei) do Veneno", que flexibiliza a utilização de agrotóxicos no Brasil. Infelizmente, acredito que ele será aprovado. Não há dúvida, pois a bancada ruralista é muito grande, rica e poderosa, fomentada também por financiamento, mesmo que de forma tácita, pelas grandes empresas produtoras de veneno. Será difícil não existir retrocesso nesse sentido, tanto do ponto de vista ambiental como social (no campo e na cidade).

É necessário lembrar que hoje o agronegócio representa 23% do PIB brasileiro, movimentando a economia. O problema central é: quanto dessa produção e lucro é realmente redistribuído e democratizado com aqueles que produzem comida? Bem como, quanto dessa percentagem do PIB é real? Pois segundo levantamentos no ano passado foram R$ 200 bilhões de isenções para o agronegócio. Isso não é pouco dinheiro. O que mais me incomoda, para além de corrupção e dos privilégios, são as isenções fiscais da classe empresarial, industrial e do agronegócio. Essas elites precisam devolver mais à sociedade do que receber. A contradição e ironia está que estas elites querem um Estado mínimo na economia e Estado máximo nas isenções e subsídios. Muito complexa essa nossa situação.

Do ponto de vista prático o agronegócio produz muito pouco para a alimentação, visto que basicamente eles produzem soja (na sua maioria para produção de alimento animal), cana de açúcar, algodão, milho e gado. Então, 75% do que a população se alimenta de frutas e hortaliças vem da agricultura familiar rural. Por isso que é muito mais simples fazermos com que essa produção familiar transite para um manejo mais sustentável e agroecológico da terra, do que o modelo do agronegócio. Porque eu sei exatamente a lógica que gere o agronegócio: alta produtividade, lucros altos, duas safras ao ano.

E não podemos mais pensar por essa lógica em detrimento do bem-estar e saúde da humanidade e do meio ambiente. Nesse caso, os representantes do agronegócio (ruralistas e empresas de veneno) constroem uma narrativa de que eles alimentam o mundo, de que sem isso haverá fome. A contradição está em que, apesar dos avanços, o Brasil ainda tem fome, portanto, como eles sustentam o mundo? Aí surgem outras narrativas de que utilizar agrotóxico na produção é uma questão de segurança alimentar, que é muito melhor ter veneno no alimento. O que eu tenho lutado, é que pelo menos possamos diminuir a quantidade de venenos e criarmos mais inventivos para uma agricultura familiar e de um manejo mais sustentável da terra.

B247 - Que mensagem de resistência gostaria de deixar aos leitores do Brasil 247?

BC: (um sorriso de preocupação). Nossa que difícil! Eu acredito, pois também estou mudando um pouco a minha forma de agir, de que não devo ser tão combativa à primeira vista. O mais importante é fazer a diferença no nosso microcosmo. Se você é progressista e quer continuar na luta por igualdade e inclusão social, é não entrarmos sempre de frente, não que eu não seja frontal muitas vezes. Por outro lado, é necessário participar de iniciativas coletivas que procurem defender esses valores. Temos que focar nesse tipo de trabalho de base para os próximos 4 anos que vem aí, que eu espero que sejam só 4.

 

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