Gerald Thomas a Solnik: “Não boto a mão no fogo pelo Aécio”

O delirante enredo de sua existência não só não impediu como talvez tenha ajudado a forjar o totalmente incomum, irreverente e desbocado Gerald Thomas, que concede uma entrevista a Alex Solnik; dos Estados Unidos, onde mora, ele compara as políticas brasileira e americana – "Aqui se cobra de seus representantes no Congresso, aqui a coisa é séria, quem é criminoso aqui paga" – e diz que "a corrupção é um órgão a mais que o brasileiro tem dentro do corpo"; sobre Aécio Neves, afirma: "Eu não sei nada do Aécio... não sei se ele é bom, se é ruim. Sei que é da família Tancredo Neves, mas também não boto a minha mão no fogo por isso"

O delirante enredo de sua existência não só não impediu como talvez tenha ajudado a forjar o totalmente incomum, irreverente e desbocado Gerald Thomas, que concede uma entrevista a Alex Solnik; dos Estados Unidos, onde mora, ele compara as políticas brasileira e americana – "Aqui se cobra de seus representantes no Congresso, aqui a coisa é séria, quem é criminoso aqui paga" – e diz que "a corrupção é um órgão a mais que o brasileiro tem dentro do corpo"; sobre Aécio Neves, afirma: "Eu não sei nada do Aécio... não sei se ele é bom, se é ruim. Sei que é da família Tancredo Neves, mas também não boto a minha mão no fogo por isso"
O delirante enredo de sua existência não só não impediu como talvez tenha ajudado a forjar o totalmente incomum, irreverente e desbocado Gerald Thomas, que concede uma entrevista a Alex Solnik; dos Estados Unidos, onde mora, ele compara as políticas brasileira e americana – "Aqui se cobra de seus representantes no Congresso, aqui a coisa é séria, quem é criminoso aqui paga" – e diz que "a corrupção é um órgão a mais que o brasileiro tem dentro do corpo"; sobre Aécio Neves, afirma: "Eu não sei nada do Aécio... não sei se ele é bom, se é ruim. Sei que é da família Tancredo Neves, mas também não boto a minha mão no fogo por isso" (Foto: Gisele Federicce)


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Por Alex Solnik, para o Brasil 247

Tua cara está diferente.

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Essa cara engordou.

Engordou. Mas está bem. O que você está aprontando em Nova York?

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Olha, bicho, eu moro aqui! Quer dizer, eu dirijo o La Mama, estou ensaiando duas peças, acabei de entregar meu livro de autobiografia...

Que peças?

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... ópera com John Paul Jones... do Led Zeppelin... são várias coisas mesmo.

Eu acho que você seria o cara ideal para escrever e montar uma peça sobre o que acontece no Brasil. Poderia se chamar “Lava Jato”.

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Eu detesto a política brasileira! Eu adoro a política americana. Vou te dar um tour para você ver o quanto Obama eu sou. Para você ter uma noção. (Mostra) Cartas pessoais do presidente para mim...

Ah, é?

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E aqui a linda vista para o East River. (Mostra) Do quarto a vista ainda é mais bonita. (Mostra). Mas eu moro mais tempo na Suíça. Olha a ONU ali.

Você ficou amigo do Obama, é isso?

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Eu sou... eu escrevi 16 speeches... como é que fala? Discursos... em 2007, durante a campanha... em 2008 escrevi uns 10... e na reeleição, em 2012 eu escrevi uns quatro, cinco, por aí...

Que maravilha.

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Tenho muito orgulho desse cara.

É um cara diferente.

Hoje está o pior calor da história... uma loucura! Está 33 graus, mas como é hemisfério norte você tem que botar mais quatro graus...37... umidade 90%... a gente gruda...o problema é essa massa... como se fala em português?

Massa de ar úmido?

Não... mormaço! É foda! O sol vem de todos os lados.

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“A corrupção é um órgão a mais que o brasileiro tem dentro do corpo! Tem o pau, tem a buceta, tem o cu e tem a corrupção”

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Mas qual é a diferença entre a política brasileira e a americana?

Aqui se cobra de seus representantes no Congresso, aqui a coisa é séria, quem é criminoso aqui paga. Leões como Martha Stewart foram para a prisão, entendeu? O Al Capone foi preso por causa do imposto de renda. No Brasil tudo vira pizza, bicho! Não é um país sério! O De Gaulle já disse isso e eu serei o milésimo oitavo a dizer isso. Não dá certo! A corrupção é um órgão a mais que o brasileiro tem dentro do corpo! Tem o pau, tem a buceta, tem o cu e tem a corrupção.

É impressionante!

É horrível.

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“Eu não sei nada sobre a Dilma. Eu só sei que ela tentou ir a um show na Broadway e foi barrada porque chegou atrasada”

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Se forem atrás de tudo que tem não vai sobrar nada mesmo. Não é só a Petrobrás.

Mas o pior, Alex, é que eu ouço esse discurso desde que eu era da Anistia Internacional, na década de 70, era ditadura militar na época... “não vai sobrar nada”... O brasileiro sempre dá um jeito... tem uma química brasileira aí que dá um jeito... é a praia, é o chope, é o jogo de futebol que importa. Sei lá...

O que você acha que vai acontecer? A Dilma cai?

Eu não sei nada sobre a Dilma. Eu não sei nada. Eu só sei que ela esteve aqui há umas duas semanas... tentou ir a um show na Broadway e foi barrada porque chegou atrasada. E é a única coisa que eu sei. Realmente eu não sei nada de política brasileira, eu sei que um tal de Cunha está em evidência hoje em dia...

Esse é terrível!

Mas eu nem quero falar sobre isso... porque eu não sou brasileiro... eu não tenho carteira de identidade, eu não tenho cidadania brasileira, eu entro no Brasil como estrangeiro... eu ainda estou sendo processado pela bunda no Teatro Municipal.

Você está brincando! Não terminou aquilo?

Eles voltam. De dez em dez anos volta. Voltou em 2013, porque aquilo foi em 2003. Volta. Volta para reanalisar o processo. É complicado, bicho! É como se no Brasil não tivesse nada mais importante para fazer.

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“Reinaldo Azevedo me atacou em 2007, em 2008, depois morremos de paixão, saímos para jantar, adoro as coisas dele”

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O que se gasta de energia no Brasil em coisas inúteis é uma grandeza!

Foram três votos a dois, é por isso. Não foi unânime. O voto que pesou foi o do Peluso, Antônio Peluso, alguma coisa... e como não foi unânime depende da politicagem do Supremo. Mas eu não quero falar disso, não me interessa! Me interesso pela Inglaterra, me interesso pela Síria, Israel, Irã, Egito, EUA e Alemanha... chega! É muito país! Eu sei intimamente de detalhes desses países. O Brasil politicamente não faz parte... Meu coração está aí no Brasil! Minha obra também está. Vários casamentos meus estão aí no Brasil.

E a política não?

Mas a política brasileira não faz parte do meu repertório. De jeito nenhum! Não adianta! Pode falar a Dilma, pode falar o Lula, o FHC... para mim não quer dizer nada. Eu recebi o Lula em Londres em 2003, ele veio no Rolls-Royce da rainha, a gente se encontrou no pavilhão do Niemeyer, no Hyde Park e eu fiquei submerso ali com ele e com cineastas ingleses, e com o embaixador Bustami, por uns vinte minutos a gente falou e ele me agradeceu pelo fato de eu ter apoiado a candidatura dele. Eu tinha coluna no JB na época. Fora isso, pompa e circunstância. O país caiu tremendamente.

Mas você lê as notícias do Brasil.

Leio pela Folha de S. Paulo. Eu leio mais a parte cultural. Eu leio o Contardo. O Contardo é muito amigo meu. Ele publica às quintas. A Nanda tem coluna, eu leio a coluna da Nanda. Que mais eu leio? Sylvia Colombo... enfim, algumas pessoas assim.

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“Em Portugal queriam cobrir os peitos da Gal! Eu falei: nem fodendo, então nem abro a cortina”

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Eu li uma coluna do Reinaldo Azevedo falando bem de você. Vocês são amigos agora?

A gente teve uma puta briga e depois ele virou meu amigo. Coisas passionais. Me atacou em 2007, 2008, depois morremos de paixão, saímos para jantar, toda vez que eu vou a São Paulo eu me encontro com o Reinaldo, com a mulher dele, e eu adoro essa coisa bombástica do Reinaldo: “os ultradireitistas”... eu acho tudo isso uma bobagem, bicho! Eu já vi esse filme. Eu sou filho do Holocausto... você também, né?

Sim.

Você sabe,... a gente já viu esse filme... a gente já viu esse filme muitas vezes... já vi macarthismo... passei pela contracultura... eu tenho 61 anos... quantos anos você tem?

Perto de mim você é um garoto...fiz meia meia agora.

Porra! Estamos bem, bicho, estamos bem.

Sabe quantos dias são 66 anos? 24.090!

Daqui a pouco você vai me dizer horas e minutos também...

24090 dias! Multiplica por 60 minutos e depois por 60 segundos. Mas escuta, você não vai montar mais nada no Brasil?

Olha, bicho...

Está tudo muito parado aqui. Os dois grandes diretores que eu vi atuar no Brasil que mudaram mesmo as coisas foram o Victor Garcia e você. 

Você foi ver a peça que eu fiz no ano passado com o Nei?

Não. Nem fiquei sabendo na época, passei batido.

Há dois anos eu estive no Brasil lançando um livro de desenhos... fui no Jô, Metropolis...

Isso eu vi... teu incidente com a Nicole...foi uma brincadeira... uma performance...

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“Tem trepadouros em toda Berlim...quartinhos de metal em que você entra e fode rapidinho”...

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Você não tem um filho que mora em Hamburgo?

Tenho o Theo, que mora em Berlim... que é cineasta.

Você colocou uma hora a gente em contato, não foi?

Foi sim, mas não me lembro mais por que.

Acho que você pediu para eu dar uma força... faz muito tempo, né?

Ele fez um filme sobre uma russa muito louca que virava as noites em Berlim cheirando, fumando, brigando...

Mas você sabe que Berlim é um submundo. O submundo do submundo é que deve ser uma loucura.

Parece São Paulo.

Não... São Paulo é um puta pé no saco... desculpa, mas... São Paulo é uma cidade careta com garçom vestido de branco... em Berlim o garçom usa brinco aqui... é como em Nova York, como nas grandes cidades do mundo... tem trepadouros em toda Berlim...quartinhos de metal em que você entra e fode rapidinho... desculpe, mas São Paulo mal tem a faixa de bicicleta...

Fizeram nas coxas. Mas meu filho está querendo mudar para Portugal.

Que horror! Eu não aceito mais convite nenhum de Portugal.

O que aconteceu?

O show da Gal, por exemplo, em 94, que eu mostrei o peito dela, O Sorriso do Gato de Alice. Em Portugal queriam cobrir os peitos dela! Eu falei: nem fodendo, então nem abro a cortina. Pior que isso: impediram ela de usar batom vermelho porque é cor de batom de puta! Duas mulheres da minha equipe foram presas por não usarem sutiã.

Você está brincando!

Claro que Portugal mudou bastante. Mas isso aconteceu vinte anos depois da Revolução dos Cravos.

Teve o show ou não teve?

Claro que teve. Tinha uma multidão de 20 mil pessoas para entrar, você acha que o cara ia discutir? Eu não botei um peito, botei logo os dois para fora. E quase mostrei a buceta dela.

Era uma censura oficial?

É o medo que eles têm... um medo horrível...em 98 eu estive lá de novo, eu fui o cara que abriu a Expo 98, levaram umas encenações minhas e não tinha mudado muito. Mas depois da União Europeia quem manda em Portugal são os turistas alemães e ingleses.  Vão para as praias. E alemão e inglês fica nu na praia. Então eles começaram a acostumar. Os vendedores de picolé ficam com o picolé duro e tem que não olhar.  Um ano atrás teve uma família que reclamou do seio nu de uma turista inglesa. A mulher nunca mais voltou. Diz que a Ilha da Madeira é mais relaxada. Mas é um bando de pessoas que... Deus me livre!

Você conhece aquela cidade europeia onde as pessoas podem andar nuas na rua sem que ninguém incomode?

Eu tenho uma companhia na Dinamarca, eu vou muito lá. Nos parques, no verão da Dinamarca o casal está trepando ali e os filhos estão do lado olhando. Em Kopenhagen, Estocolmo, Oslo, Helsinque as pessoas estão pouco se lixando se você está nu ou não. Na Holanda o policial entra num coffee shop e compra um baseado.

Então existe um outro mundo...

Você está reduzido ao Brasil... você é judeu, rapaz!

Eu fui preso várias vezes na juventude flagrado trepando em praça pública. E era de madrugada, escondido.

Tem um argentino amigo nosso... como é o nome dele? Amigo do Babenco, sempre faz os filmes dele...

Patrício Bisso.

Isso, Patrício Bisso. Foi preso na Praça da República dando o cu.

Não. Chupando um pau num banheiro da Praça Roosevelt. É um crime gravíssimo aqui no Brasil. Você fica exposto à execração pública. É como você mostrando a bunda... enfiando o dedo na vagina da Nicole Bahls...

Aquilo... teve gente que xingou, mas teve gente que achou engraçado. Afinal de contas o programa se chama “Pânico” e eles vêm para foder com a tua vida. E quando você fode com a vida deles eles ficam putos. Eu mudei o jogo, só isso.

Foi uma coisa que você pensou antes ou fez na hora?

Imagina, eu não sabia que eles iam aparecer lá. Meu assessor de imprensa falou: “cuidado, o pessoal do Pânico vem aí”. “Mas eu não sei o que é o Pânico”. “Eles vão acabar com você”. “Ah, é? Tentem”! Aí veio um cara fantasiado de Luciano Huck, veio uma traveca que é um ator, aliás muito engraçado e veio essa Nicole e o sotaque dela me irritou muito, ela falava “porta”, “carne” com sotaque caipira, essas coisas me irritam muito e aí eu disse para ela “menina, você não sabe falar meu nome direito, vai aprender a pronunciar, fala ‘carne.’” E aí rolou a sacanagem. Aliás, eu podia jurar que era uma traveca. Eu achava que ia ter um pau lá dentro, mas não.

Você estava investigando se ela tinha pau, foi isso?

É. Ela se chama “Bahls”, “balls” é saco em inglês.

Você enfiou o dedo na vagina dela ou só apalpou?

Imagina se enfiei o dedo! Vou te mandar a versão on line do vídeo que tem quase um milhão de leitores.

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Como você começou a escrever discursos para o Obama?

Aqui é que a bolha ferve na contracultura...aqui é o país do cara mais burro que mata não sei quantas pessoas numa igreja...ao mais inteligente, como Noam Chomsky e pessoas como Malcolm X... Mohamed Ali... Luther King...Kennedy... e todas as pessoas que representam a liberdade civil, que não existe em outros países...os países europeus, apesar de serem liberais, não têm constituição...aqui tem constituição e tem emendas... foi sobre isso que eu comecei a escrever e eles se empolgaram em Washington, me chamaram, eu fui e o resto é história.

Você tem contato com o Obama? Conversa com ele?

Hoje em dia, de jeito nenhum! Ele virou presidente! A agenda dele começa às cinco da manhã com chefes de estado, não tenho, claro que não. Fui por acaso a um jantar com ele, uma semana atrás, em Nova York, ele fez um daqueles jantares beneficentes e eu fui convidado sem pagar nada. Eu vou te mostrar umas carteiras... essas carteiras explicam tudo...judeu é sempre cheio de plastiquinhos... que a gente sempre está pronto para fugir...olha aqui, dinheiro judeu, shekel... Rapaz, não estou encontrando...

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“Eu não sei o que acontece com os transgêneros que todos eles têm a cara da Barbara Heliodora”

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Gerald, você está parecidíssimo com o Laerte! Quando era homem, claro.

O problema é que eu venho antes dele. Ele usava cabelo curto quando eu já estava com essa cara. Ele virou mulher e eu continuo homem.

E ele está loira agora...

Ele ficou com a cara da Barbara Heliodora...

Exatamente.

Eu não sei o que acontece com os transgêneros que todos eles têm a cara da Barbara Heliodora.

Isso mesmo.

A ídola dos transgêneros é a Barbara Heliodora. Todos eles acabam ficando com a cara dela. O lábio muito fino...aquela cara esticada.

Agora, me diga: qual é a graça de virar mulher aos 60 anos?

E qual é a graça de ter a cara da Barbara Heliodora? Eu vou te mostrar as carteiras.

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“Aos 28 anos minha mãe me contou uma história de que meu pai biológico não era meu pai”

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“(Lendo) President Obama... member since 2008...Gerald Sievens”…

Meu nome é Gerald Thomas Sievens. (Mostra a carteirinha). Esse é do partido mesmo, que nada tem a ver com Obama...

Você é membro do Partido Democrata mesmo?

Sou. Claro. Essa é de 2013... essa de 2014...a desse ano, 2015... é isso. Sem fazer piada, eu sou democrata de carteirinha.

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“Por que eu explodi no mundo? Samuel Becket me deu originais que nunca tinham sido publicados”

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Mas você é brasileiro?

Não, não sou.  Aos 28 anos minha mãe me contou uma história de que meu pai biológico não era meu pai e que meu pai biológico é uma outra pessoa... isso é conversa para uma outra vez... e na verdade eu descobri, aos 28 anos, que eu tinha nascido aqui, em Nova York. Eu tenho certidão sim brasileira, eu tenho americana, inglesa e tenho alemã. Eu tenho quatro I-Phones, um para cada país...

Não acredito!

... como também tenho quatro passaportes, o que é um puta pé no saco...amanhã tenho que renovar um deles... só pode ter dois, legalmente falando...eu estou usando o americano e o inglês... nesse momento eu estou sem passaporte brasileiro... mas não precisa porque eu não moro no Brasil... eu pago imposto de renda aqui... na Inglaterra...

E no Brasil não?

Como eu vou uma vez por ano ao Brasil eu entro na fila dos estrangeiros... o cara da alfândega já me conhece (imita sotaque carioca) “E aí, Thomas? Dá um ingresso para mim e para minha esposa e tudo bem”. É o cara da Polícia Federal, da Imigração. “Grande Thomas! Põe meu nome na lista. Meu nome é Faria”. Eu falo “claro, boto”. O cara vai. Com a mulher. Fica escandalizado com a peça. “Pô, não entendi nada, mas gostei”.

Mas o que é que dá para entender? Eu não consigo entender como o corpo humano funciona, dá para entender?

Eu não consigo entender.

Assim como nada prova nada, não se entende nada! Não dá para entender só a peça, não dá para entender a vida. Pior ainda é o universo. Eu prefiro pensar que a terra é plana e nós estamos parados e não girando no espaço.

Dá uma lidinha em Galileu rapidinho.

Não! Não quero! Não quero saber de estrelas que ficam a 1700 anos-luz da Terra.

Entender a teoria da relatividade do Einstein já é uma doideira. Quebrar molécula em átomos e produzir a bomba atômica... Ó, não se esqueça nunca que eu sou mestre desse cara aqui, ó. Nunca esqueça esses dois: Becket e eu. (Mostra foto dos dois conversando).

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“Becket me deu um envelope pardo, manila e falou: “olha, tenta aí”. Eu tentei e deu certo. A partir disso ele foi me dando textos e mais textos”

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Samuel Becket?

Eu sou discípulo do Becket, claro! Não é possível que você não saiba disso!

Mas quantos anos você tinha aí?

Tinha 24. Porra, Alex, não é possível que você não saiba disso! Eu comecei no Brasil com “4 vezes Becket”...

Que você montou Becket eu sabia, eu não sabia que vocês foram amigos...

Cinco anos... os últimos cinco anos da vida dele... de 1984 a 1989 eu sentei na frente dele. Eu ia a Paris só para falar com ele, encontrar com ele durante umas três horas e meia por dia, cada vez eram dois dias, três dias, depois a gente se encontrava de noite de novo para jantar no La Copole e... cinco anos... ele me deu... Por que eu explodi no mundo? Ele me deu originais que nunca tinham sido publicados. “All Strange Away” é uma première mundial onde eu estava com 70 críticos na plateia vindos do mundo inteiro... o Becket me deu um envelope pardo, manila e falou: “olha, tenta aí”. Eu tentei e deu certo. A partir disso ele foi me dando textos e mais textos.

Mas por que você o procurou?

Começou assim. Eu queria montar “Esperando Godot” e a editora dele aqui falou não. Porra, é uma peça publicada, feita, desde a década de 50. Por que? “Porque Becket conhece seus escritos sobre Genet e gostaria que você fizesse outra coisa”. Pô, tudo bem, mas tipo o que?... E eles não davam resposta. Nisso, eu comecei a escrever cartas enormes para Becket, de 25 páginas, não tinha e-mail, mandava pelo correio para Paris, levava sete dias, mandava para Jerôme Landome, da Edition de Minuit, que era o editor dele. E sete dias depois vinha a resposta dele num cartãozinho mínimo, com uma resposta de uma sílaba: yes.

O que se podia esperar do criador do teatro do absurdo?!

Mas começou... começou... bota um ano nisso e a biógrafa dele começou a se encostar em mim e um dia recebi um cartão maior do que os outros. Ele dizia “olha, se por acaso, algum dia, quem sabe você estiver em Paris, quem sabe, talvez, remotamente a gente se encontre”. Ela falou “pega já um avião, agora e vai para Paris”. Eu peguei aquele voo danado, da TWA 800 (que caiu em 1996), em 84, cheguei às seis da manhã, fui para o hotel que pagavam para mim, sem um puto, liguei para Edition de Minuit às dez horas e me disseram: “o Becket não está na cidade não... está na casa de campo”. Falei: puta que pariu! “Mas a gente vai dar o recado” e pegaram meu telefone. Não saí do quarto o dia inteiro.

Esperando Godot...literalmente...

Às 4 da tarde começou a dar uma fome louca, eu saí para comprar croissant na esquina da Avenue du Senne e quando eu voltei ao hotel a mulher falou “um tal de Mr. Becket ligou para você”. Puta que o pariu! Quase arranquei os cabelos. E a mulher falou: “olha, não se preocupa porque ele falou que vai ligar de volta às sete”. Às seis e meia eu ficava olhando o relógio. Seis e trinta e um, seis e trinta e dois, seis e trinta e três...às sete em ponto toca o telefone, eu quase arranco o telefone da parede e era ele. Ele falou: “estou em Paris, sim, vamos nos encontrar amanhã às 11”.

Só isso?

Ele falou onde morava – Boulevard Saint Jacques – e marcamos no lobby do hotel PLM às 11. Eu falei ok. Eu estava lá às 8 da manhã, três horas antes, evidente e pronto: acho que a gente ficou umas três horas e meia, a gente bebeu seis expressos cada um, fumou, naquela época, aquele charutinho café crem, sabe? E combinamos para de noite, depois o dia seguinte e foram três dias intensos de conversa. E ele foi me dando peças, foi me dando espetáculo... Um minutinho só.

Você já tinha montado alguma peça?

Hoje o dia tá pegando. Muita coisa. Eu tinha montado “A Tempestade” de Sheakspeare aqui no Central Park, com Raul Júlia. Com ele e com o Anthony Hopkins.

Becket estava bem aos 78 anos?

Não. A mão dele estava totalmente artrítica... uma artrite inacreditável... ele tinha dificuldade para escrever...Um ano depois ele deixou que eu subisse no apartamento dele. Tinha uma única cadeira, para ele, uma máquina de datilografar, uma mesa, uma cama no fundo, que eu vi no outro quarto e a janela dava para um cemitério de automóveis da Peugeot, era a vista da casa dele. Espera aí... tem um alerta aqui acontecendo...cara, vou ter que desligar. Desculpa. Mandaram desligar todos os aparelhos elétricos. Tá um calor da porra. É prevenção. A gente continua mais tarde, está bem?

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“Eu fazia michê. Porra, você não sabe nada a meu respeito! Que judeu é esse?! Eu era michê com 14 anos”

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Passou a emergência? Tudo bem?

Tudo bem. (Mostra um livro). Esse é o meu livro “Nada prova nada”. A contracapa é o que? Eu e Becket. E apresentação da Fernandona, minha ex-sogra. (Mostra outras capas.) Esse é o livro de ilustrações... esse aqui é uma biografia não autorizada... mas que eu não me importo.

Você é uma pessoa não autorizada!

Exatamente. Não tenho a menor autoridade. Tanto é que... olha a foto que abre a porra desse livro! (Ele vestido de mulher.) Eu sou uma pessoa séria! E você me chama de Laerte!

O Laerte se inspirou em você.

Não, ele se inspirou na Barbara Heliodora.

Você foi o guru.

Olha eu com 14 anos...

Tá brincando...parece menina... você era bonitinho com 14 anos... indo para a escola?

Não, eu trepava por dinheiro aqui em Nova York... Eu era puta.

Como assim?

Eu fazia michê. Porra, você não sabe nada a meu respeito! Que judeu é esse?! Eu era michê com 14 anos...

Fala mais, como foi isso?

Olha, eu tinha duas alternativas. Uma era ganhar 150 dólares por noite trepando com velhos e velhas e casais, ou lavar prato a noite toda a 1 dólar e 50 cents. Qual você escolheria?

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“Eu e o Helio Oiticica, a gente vendia pó, quer dizer... com uma fileira, duas ou três você faz qualquer coisa”

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Caralho!

Foi o caralho que escolhi. Exatamente. E foi uma puta experiência de vida do caralho.

Com 14 anos?

15, na verdade. Com 14 eu estava sendo assistente do Victor Garcia n’ “O Balcão”. Aí eu voltei para cá em 69, com 15 anos. Depois de Woodstock. Eu trabalhava para um hotel, não trabalhava na rua. Trabalhava para o Hilton, era serviços especiais de hóspedes e tal. E pegava evangélicos radicais que na sexta-feira na hora do almoço estavam dando as mãos, rezando em família antes da refeição, em Kentucky, Ohio e na puta que pariu e de noite estavam pedindo para eu cagar na boca deles e mijar e tal...

Aquelas coisas do Marquês de Sade?

Não, coisas da vida.

Aquelas coisas que estão no “120 dias de Sodoma”?

Sim, mas é coisa de cocaína também, coisa de pó, época de muito pó, eu vivia com o Helio Oiticica a gente vendia pó, quer dizer... é isso, você encara qualquer uma, com uma fileira, duas ou três você faz qualquer coisa. Enfim, aguentei uns nove meses. Te confesso que eu descia a Quinta Avenida aos prantos de manhã cedo, com dinheiro na mão... metade do dinheiro ficava para o hotel, é claro e outra metade era minha, mas dava uma sensação horrorosa, e também aquela chamada descida do pó... você fica péssimo... Na época não tinha rivotril... hoje, com rivotril, você vai abrandando... mas é aquele horror... você vê caveira... eu parei... quer dizer, de vez em quando eu caio numa cilada...

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“Você fica grudado naquele cu, naquela buceta e depois de uma semana você tá podre, tá acabado, tá deprimido”

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Eu parei há uns trinta anos.

Eu tenho um cara bom. Eu posso confiar. Mas o problema é que você perde dias e não sabe depois... você sai do universo... não responde mais e-mail... telefone... você fica grudado naquele cu, naquela buceta e depois de uma semana você tá podre, tá acabado, tá deprimido...eu nem sei quais pessoas passaram por esse apartamento, entendeu? E aí, chega disso. É sempre a mesma coisa. Fica repetitiva a coisa uma hora. Aliás, a coisa do pó é um ciclo repetitivo, obsessivo, redundante...

E compulsivo...

Eu juro que tento manter as compulsões ali na esquina. Eu sei que é difícil... eu engordei muito nos últimos tempos... Comecei a comer feito um doido... tem a ver com a tentativa de suicídio...com mais uma separação, mais um casamento que não deu certo e aí comecei com doce, açúcar, açaí, chocolate, queijo e acabei ganhando um peso doido, estou com 20 quilos acima do meu normal. Entrei numa dieta e vou fazer lipoaspiração semana que vem. Chega. Uma boneca como eu não pode ter barriga.

Você está com barriga? Não dá para ver daqui. (Ele mostra a barriga.Porra, é mesmo. Parece eu. Não, pior do que eu.

Testosterona baixa... metabolismo mais vagaroso... de repente vem a queda brutal.  Esses dois últimos anos na minha vida... mudou tudo! Eu era magérrimo. De dois anos para cá, 25 quilos. Café é a única compulsão que eu não consigo acabar. Eu vivo do café. Eu sou barista. Tenho várias marcas de expresso em casa.

E qual é o bom? Colombiano?

Não, é o Ille. O Ille a seleção dos melhores cafés do mundo do ano. Eles viajam pelo mundo e compram os melhores. Pode ser Java, Etiópia, Jamaica. Cafés brasileiro e colombiano nunca entram porque eles têm a mania de amadurecer prematuramente o grão do café... sulfato, como fazem com banana e aí o gosto fica ácido e olhando você vê o óleo... parece a Baía da Guanabara.  Ille é uma família tradicional de Trieste, que está há 100 anos na coisa do café epicuriano...

E que história é essa de barista?

É outra das profissões que eu tive, mas em Londres. Porque com 16 anos eu saí daqui e mudei para Londres e fui procurar emprego...

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“Eu sabia mais que os professores! Eu sabia mais de Geografia que a professora de Geografia que eu comi”

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Vem cá, por que você não estava na escola nessa idade?

Saí da escola com 12, com 13.

Por que?

Bicho, eu sabia mais que os professores! Colégio Pedro II, Rio de Janeiro... ninguém sabia porra nenhuma, eu sabia tudo. Minha família é sobrevivente do Holocausto, pediram para fazer uma resenha sobre política, eu escrevi 80 páginas sobre Hitler e o III Reich, Goebbels, Goering. Eu sabia mais de Geografia que a professora de Geografia que, aliás, eu comi.

Você comeu a professora?

Não, ela me seduziu. Eu não queria. E como eu viajava com a minha família, a gente passava as férias aqui em Nova York e a outra metade em Londres, eu sabia mais de Geografia que qualquer professora recém-formada que não sabia nem pronunciar o nome das coisas. O Ziraldo era muito amigo da minha família, falou para os meus pais “deixa o Gerald ir para a universidade da vida, deixa ele procurar o Pfeiffer e o Steinberg em Nova York, vai fazer o que aqui no Brasil? O Brasil é pequeno para ele”. Meus pais sempre foram meus melhores amigos, eu tenho que dizer isso. Os meus maiores apoiadores.

Os dois são judeus?

Não, o pai que me criou, que depois descobri que não era meu pai era luterano. Minha mãe era judia. Mas a minha mãe era judia de não saber a diferença entre shaná tová e tomar no cu.

Por que todo judeu nasce com nariz adunco?

Vou ligar o ar condicionado, um minutinho...

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“O Trump é um doido, fala as merdas que quer, não pede desculpas a ninguém, é tipo eu... eu não peço desculpas para ninguém”

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Vem cá, essa turma do tea party é forte aí?

São republicanos extremistas. Agora, com a entrada do Donald Trump na campanha eles estão fodidos. Ele está destruindo os republicanos. Ele está atacando mais os republicanos do que nós.

Ele pode ganhar a eleição, não acha?

Acho.

Ele é muito louco! Mas eu gosto dele.

Pois é, a gente precisa de loucos! É um doido, fala as merdas que quer, não pede desculpas a ninguém, é do tipo eu... eu não peço desculpas para ninguém... Os prédios dele são um horror, são os piores prédios de Nova York. É o tipo do americano John Wayne, que não tem medo de ninguém. E vai falando. Um dia é contra os mexicanos, no dia seguinte não é mais. A mídia daqui, a CNN, a ABC, a NBC não dão outra coisa. É Trump o dia inteiro.

Ele é performático... só aquele cabelo dele...

Ninguém sabe como fica aquilo...

Nunca se sabe se ele penteia para frente ou para trás...

Eu acho aquele cabelo o máximo! Com a grana que ele tem... avião... helicóptero... ele podia se organizar para ter um cabelo melhor... cagou. É milionário, tá pouco se lixando.

Ele já falou alguma coisa do Brasil?

Não. O Brasil não está no mapa. Aqui fala-se da China, da Rússia, da Europa...do México. Não tem motivo para falar do Brasil. Não tem alguma coisa que aconteça no Brasil que afete a ordem global. Na época da Petrobrás, quando começou aquele negócio todo, o New York Times dava umas notinhas. Sempre na última página da última página. O Brasil não tem importância. O que é uma pena para mim. Gostaria que tivesse. Eu gostaria que o Brasil tivesse papel de jogador importante no mundo, mas não tem. É G-20, não é G-8. Ih, caramba, preciso ir. Vamos continuar amanhã.

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“Eu acho que a vida da família Collor é mais sheakespiriana. Zé Dirceu é um simples pilantra. Um simples pilantra”

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O que você me diz do Zé Dirceu?

Um pilantra. Espero que pague pelo que fez.

Você estava no Brasil quando ele despontou como líder estudantil?

Eu estava na Anistia Internacional, em Londres, e por incrível que pareça defendi esse cara, enquanto ele estava na clandestinidade. Eu tomava conta do setor brasileiro da Anistia Internacional.

E o que você fez por ele?

Não fiz por ele, fiz por todos. Miguel Arraes, Leonel Brizola, todo pessoal do MR-8. Fiquei oito dias no Brasil, visitei a Frei Caneca no Rio, a Barro Branco em São Paulo, Itamaracá sei lá aonde, falei com todos os presos políticos da época, de Nelson Rodrigues Filho, Artur Geraldo Bonfim de Paula, todo pessoal da VAR-Palmares, do PCB, guerrilha do Araguaia, Ação Popular... enfim, todo mundo.

Como um cara consegue mudar tanto?

Não é a primeira nem a última vez, Alex. A história é assim.

Te lembra alguma peça de teatro? Sheakspeare?

Eu acho que a vida da família Collor é mais sheaksperiana. Isso é um simples pilantra. Um simples pilantra. Sheakspere era muito mais sofisticado do      que isso. É um pilantra, essa petagem é uma pilantragem na minha opinião. Enfim... Mas, olha, eu já te falei: eu não quero entrar nesse assunto, eu não sou brasileiro, não dou opinião, não quero dar opinião. Eu não sou partidário, eu não quero isso, no Brasil todo mundo rouba. Todo mundo que está no poder rouba. Uns roubam mais, outros roubam menos.

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“Como é que um desdentado qualquer do Acre tem o mesmo poder de voto de um paulista que dá 40 mil empregos”?

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Será que a solução é se mandar, como você fez?

Não, também acho que não é, aquele slogan ame-o ou deixe-o, o último vai apagar a luz... na ditadura militar não era diferente. Todo mundo reclama muito em casa, mas ninguém vai para a rua, não quebra porra nenhuma, não faz nada. Os palestinos fazem pelo menos. O jeito não é se mandar para o Brasil, é fazer alguma coisa pelo Brasil. Agora, não me pergunte o que. Eu acho que o brasileiro é responsável pelo governo que tem. Eu tenho um grave problema com o sistema eleitoral brasileiro. Na boa, não quero ser preconceituoso, mas como é que um desdentado qualquer do Acre tem o mesmo poder de voto de um paulista que dá 40 mil empregos?

Isso vem da constituição de 88...

Como é que pode ser um a um? Por que não é voto proporcional? Por que o Nordeste analfabeto, do bolsa-família, que elege a Dilma, tem esse poder? Porque o Brasil do Rio para baixo votou no Aécio...eu não sei nada do Aécio... não sei se ele é bom, é ruim, não sei porra nenhuma. Sei que é da família Tancredo Neves, mas também não boto a minha mão no fogo por isso. Agora, por que não fazem um colégio eleitoral, como aqui nos Estados Unidos? Nova York, Flórida tem mais assentos no Congresso que um Kentucky. Mas enquanto o cara que não sabe escrever vai lá coloca o dedo e isso conta como voto, até não consertarem isso o Brasil vai ser manipulado e dirigido por pi-ca-re-tas.  Mas eu não sou político, eu não falo de política.

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“O nariz é falso, os óculos são falsos... a única coisa real é o dente. O pau é falso, o cu é falso... é tudo falso”

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E vem cá, você não tem nenhum cabelo branco?

Nunca o que?

Você não tem cabelo branco?

Tenho, claro, isso aqui é tudo tingido.

Ah, você tinge?

Claro, você acha que com 61 anos eu vou ter esse cabelo absolutamente preto? Tudo falso. O nariz é falso, os óculos são falsos... a única coisa real é o dente. O pau é falso, o cu é falso... é tudo falso.

Você é o Gerald? Estou falando com o Gerald?

Eu olho no espelho e me pergunto: “será que sou eu mesmo”? Tiro uma foto e falo: “não sei, não”... Mas acho que sou... eu te conheço não sei há quanto tempo...eu lembro de você num carro parando para entrevistar a Nanda na porta do Eldorado. Na Marquês de Itu.

E você usava calças pretas de couro. Logo depois eu fiz aquela entrevista com você e com o Antunes. Você acredita que ele ficou puto comigo?

É que ele não é judeu! O judeu sabe que é para levar tudo com humor porque tem uma câmara de gás nos esperando mais tarde.

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 “Eu tomei todas as pílulas, botei o casaco, botei uma faca de queijo que é bem afiada no bolso, fui para a neve”

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Escuta, no primeiro dia em que conversamos você falou em tentativa de suicídio. O que você fez?

Cortei aqui... cortei aqui...cortei na barriga... Eu não sei o que dizer. Foi no início do ano. Eu vi que um casamento de seis anos estava indo para a puta que pariu e... sabe de uma coisa? Uma estafa... é um cansaço tão grande... não é depressão, mas eu tinha a percepção de que eu não queria viver o dia seguinte, sabe? Atender telefone... pagar contas... lidar com atores... escrever livro de memórias...

O problema é sempre o dia seguinte.

Aliás, eu estava tomando um antidepressivo na época chamado Wellbutrin... Era quatro da manhã, eu não conseguia dormir e eu odeio ter insônia. No meio da Suíça, tudo escuro, não tem o que fazer. Eu tomei todas as pílulas, botei o casaco, botei uma faca de queijo que é bem afiada no bolso, fui para a neve e ainda pensei: vou me esconder num lugar onde os helicópteros do salvamento não me achem. Só que me acharam, roxo de hipotermia... e fui levado para o hospital... e pronto.

Muita gente pensa nisso, em suicídio, mas daí a realizar...

Eu estava meio fora de mim... eu penso todo dia em suicídio... ontem eu tive uma conversa, uma discussão com a minha namorada aqui sobre justamente isso. Não estou aguentando mais. Não estou mais nessa de me suicidar, não sei se eu tenho coragem de novo. Porque o pior é falhar. Você se sente ridículo, no hospital... enfim, é ridículo.

O pior nem é isso, o pior é que não dá para se arrepender. 

Eu me arrependi... acho. Mas me senti bastante humilhado. É uma coisa bastante humilhante. Eu ainda não estou completamente recuperado. Eu faço análise. Você faz análise?

Não, queimo fumo.

Bem, mas isso aconteceu no início do ano. Eu estou aqui falando com você, é um prazer.

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“Eu não vou a teatro para assistir coisa dos outros, não! Eu odeio teatro, cara! Eu faço teatro, mas não tenho esse compromisso com teatro”

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Tudo isso é porque o trabalho do diretor é muito estafante, não é?

Mas eu não sou diretor de teatro. Eu sou um autor, por acaso eu dirijo. Eu não estou dirigindo a peça de outra pessoa, eu dirijo as minhas. A primeira coisa é o que eu tenho a dizer. Isso não é pegar um texto de Dostoievsky ou do Tchecov e colocar no palco. O buraco nesse caso é muito mais embaixo. Eu concebo a coisa, e aí vou para o palco e dirijo. Eu podia também dar a direção para uma outra pessoa, mas eu tenho prazer de lidar com os atores.

Os atores podem colaborar no texto?

Não, não. Na hora do ensaio saem coisas que eu não esperava que eu posso aceitar. É uma prerrogativa minha. Mas o ator não faz texto.  Não tem porque. Eu já tenho tanta coisa para dizer. (Pausa) Estou com uma alergia tão chata...

O que é? Mosquito?

Não... dá um lacrimejar... 

Você vai a teatro?

De jeito nenhum! Alex, claro que não! Eu vou a teatro, sim, mas eu dirijo. Eu não vou a teatro para assistir coisa dos outros, não! Eu odeio teatro, cara! Eu faço teatro, mas não tenho esse compromisso com teatro. Eu uso o teatro como veículo, entende? Eu prefiro ver o Eric Clapton se despedindo no Madison Square Garden. 

Como foi recebida aí a reaproximação com Cuba?

Muita gente aplaude... muita gente não aplaude... eu aplaudo, como aplaudo tudo que o Obama faz. Mas a questão do Irã é mais pertinente nos Estados Unidos. Cuba atinge poucas pessoas. Você está gravando ou escrevendo junto?

Gravando, claro. Seria impossível anotar uma entrevista na íntegra.

Muita gente grava pelo próprio Skype, mas eu não sei fazer isso.

Eu uso um gravador digital encostado ao alto-falante. Você está montando uma ópera, eu soube.

É sobre Margot Fonteyn, que foi metade brasileira. Era Margarete Fontes antes de estourar como a partner de Rudolf Nureyev. Ópera a gente pensa já com a possibilidade de nem acontecer. Porque é tudo muito complicado. Ópera é muito caro. Eu tenho 20 óperas montadas pelo mundo afora, mas umas 30 que não aconteceram. Já comecei. Tem a narrativa toda pronta. Estou trabalhando com uma compositora com que trabalhei muitas vezes no passado. Mas é assim: todo mundo quer grana para trabalhar. Eu não posso financiar uma ópera, não tenho estrutura.

Você faz duzentas coisas ao mesmo tempo?

Sim. Acabei de escrever uma ficção chamada “The lost case of a briefcase” e aí tem toda uma brincadeira de palavras: é o caso perdido de um caso perdido ou então “O caso perdido de uma bolsa perdida”, porque “case” também é “mala”, “bolsa” ou então “uma bolsa perdida de um caso perdido”, enfim...Caso judicial. É sobre suicídio de uma mulher. Mas eu fico brincando muito com o nome dos policiais.  Mas é difícil explicar, você teria que ver o texto e tal.

Você escreve em inglês?

Escrevo em inglês. E os tradutores que se ralem. Eu adoro português, eu falo português, mas na hora de escrever eu me enrolo todo. Fui péssimo aluno de Português no Colégio Dom Pedro II, eu era muito ridicularizado, eu tenho trauma de errar. Mesmo quando escrevo coluna para jornal eu escrevo em inglês e na redação alguém traduz. (Pausa) Estão me avisando que eu tenho que ir. Continuamos amanhã?

 

“Você diz que transava com Hélio Oiticica em que sentido”?

“Ele me comia”!

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Tudo bem?

Eu não te ouço.

E agora?

Melhorou.

Escuta... agora estou entendendo melhor: você não está com a cara do Laerte... está com a cara do Lampião.

Não entendi uma palavra.

Você não está com a cara do Laerte, está com a cara do Lampião.

Eu estou com a cara do Lampião?

É, sim, você não acha, não? Ainda mais com esses óculos...

Que tal eu parecer com Gerald Thomas uma vez na vida?

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“A mãe da minha mãe era prostituta em Berlim... Além do mais, ela era viciada em ópio e heroína”

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Escuta, eu fiquei muito preocupado com a tua história de ter sido michê na adolescência. Como a sua mãe judia deixou? Por que você ficou sem grana em plena Nova York?

Eu fiz um pacto com meus pais de que se eu voltasse para cá era por minha conta. E foi. E foi ótimo. Senão, eu seria filhinho de papai, com grana mensal, mesada, tendo que reportar o que fiz e o que não fiz, eu não estava a fim disso.

Sua mãe não perguntava nada? Não sei se ela está viva...

Morreu em 2006.

Ela não era uma ídiche mame? Não se preocupava com você?

Não. A mãe da minha mãe era prostituta em Berlim, então, nós fomos criados... Além do mais, ela era viciada em ópio e heroína, essas coisas...

Que interessante! Como é o nome dela? Que personagem fantástico!

Paula Lansberg.

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“Meu tio era gay assumido, tanto é que minha avó pediu para ele se unir a um oficial da Gestapo para eles se safarem”

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Que fantástico! Isso quando?

Antes do III Reich, na década de 20. Então, eu venho de uma família... O tio que eu não conheci era gay assumido, tanto é que minha avó pediu para ele se unir a um oficial da Gestapo para eles se safarem. E ele se enforcou por causa disso. Então, eu venho de uma família muito heterodoxa. Judeus reformistas liberais. Eu por acaso fiz bar-mitzva, mas fiz bar-mitzva porque meu pai biológico, que eu só fui saber aos 28 anos quem era, tinha pedido. Eu achei engraçado um hippie, já transando com Hélio Oiticica, de cabelão, fazer bar-mitzva.

Você diz “transando” em que sentido?

Não te ouvi.

Você diz que transava com Hélio Oiticica em que sentido?

Ele me comia!

Ah, você teve um caso com Hélio Oiticica...

Eu tive.

Então... você é bissexual?

Olha, eu acho que já, fui... hoje em dia... há cinquenta e tantos anos eu gosto de mulher. Sessenta e um menos treze... eu transava com o Hélio quando tinha 13..14...de lá para cá, basicamente só mulher.

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“Acho essa coisa de Pasquim, de heterossexual convicto uma bobagem. Já trepei muito com traveco, entendeu”?

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Ah, tá.

Eu só fui bissexual numa época. Nessa época eu também transava com mulher, mas era orgia, com o Hélio junto, cocaína, essas coisas. Nunca sem pó. Mas, desde lá, só mulher. Não sei se se chama isso de bissexual.

Acho que não.

Olha, eu prefiro ser ambissexual do que heterossexual, acho uma chatice heterossexual, acho essa coisa de Pasquim, de heterossexual convicto uma bobagem. Já trepei muito com traveco, entendeu? Então, eu não tenho nenhum preconceito. Nenhum. Zero.

Agora, quando você está casado, teu casamento é pequeno-burguês? Careta?

Você está brincando! É super-careta, nossa! Uma caretice única! Claro que não. Óbvio que não. De jeito nenhum.

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“Eu sou uma puta e acho que todo mundo é uma puta também. Eu parto desse princípio”

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Não existe essa coisa de fidelidade?

Eu não acredito nisso, Alex! Eu acredito que as pessoas mentem muito, então...eu prefiro ouvir a verdade: acabei de transar com não sei quem, fulando está vindo aí, quer vir junto? Eu sou uma puta e acho que todo mundo é uma puta também. Eu parto desse princípio.

Sei...  

Fidelidade? Imagina! Fidelidade é o cartão da TAM!

Hahahaha...

Não chama Fidelidade o cartão da TAM? E por acaso alguém é fiel a essa porra dessa TAM? Acho uma bobagem.

Você não se importa se a tua mulher chega e diz: olha, acabei de transar com o vizinho.

Vou dizer uma coisa: eu até acho erotizante. Bato uma bela punheta ouvindo a história.

Eu queria ser como você...hahahaha...mas acho que não consigo. Acho que não vai dar mais tempo de ser como você.

O que?

Eu queria ser tão generoso quanto você.

Você é ciumento, é isso?

Mais ou menos.

Eu, nem um pouco... eu acho o maior tesão... sabe o que eu acho? Eu acho o seguinte: a cumplicidade de um casal pode ser tão intensa que esse tipo de abertura é completamente normal, é legal essa honestidade, isso para mim fica de verdade uma relação, entende?

E as tuas mulheres aceitam esse tipo de relacionamento ou acaba gerando algum conflito?

Olha, já gerou... não posso generalizar. Já gerou, já também não gerou... cada caso é um caso, como diz o Nietsze.

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“Eu acho excitante estar casado com uma pessoa que é cobiçada por outras pessoas. E que me conta”

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Você sempre foi assim?

Olha, eu cresci com orgia. E assim ouvi histórias muito liberais. Minha avó casou sete vezes. Puta de Berlim. Enfim... Eu sei como é que a vida é, eu não tenho muita ilusão. Fidelidade o que é? Você ver uma pessoa engordando a cada dia, fazendo ravióli? Você acha isso excitante? Eu acho excitante estar casado com uma pessoa que é cobiçada por outras pessoas. E que me conta. E a gente bate uma punheta junto. Se quiser trazer o cara para cá eu dou o quarto, entendeu? Se quiser que eu olho, eu olho. Não tenho problema nenhum com isso. Nenhum. Zero.  

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Uma semana depois da lipo:

Tá melhor, cara?

Mais ou menos. Não sei o que deu errado. Mas deu. Estou tomando Vicodin que é opiácio e me deixa muito pra baixo.

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