Boa lição de história no filme sobre Elis

"Abrindo com a música Como Nossos Pais, já na primeira cena a biografia filmada de Elis Regina estabelece um diálogo com o Brasil de hoje", escreve Paulo Moreira Leite. "Num momento da história brasileira em que intelectuais e artistas tem sido chamados a denunciar iniciativas contra a democracia conquistada a duras penas, o  filme mostra o esforço da maior cantora brasileira para assumir suas responsabilidades num país submetido a ditadura militar"

"Abrindo com a música Como Nossos Pais, já na primeira cena a biografia filmada de Elis Regina estabelece um diálogo com o Brasil de hoje", escreve Paulo Moreira Leite. "Num momento da história brasileira em que intelectuais e artistas tem sido chamados a denunciar iniciativas contra a democracia conquistada a duras penas, o  filme mostra o esforço da maior cantora brasileira para assumir suas responsabilidades num país submetido a ditadura militar"
"Abrindo com a música Como Nossos Pais, já na primeira cena a biografia filmada de Elis Regina estabelece um diálogo com o Brasil de hoje", escreve Paulo Moreira Leite. "Num momento da história brasileira em que intelectuais e artistas tem sido chamados a denunciar iniciativas contra a democracia conquistada a duras penas, o  filme mostra o esforço da maior cantora brasileira para assumir suas responsabilidades num país submetido a ditadura militar" (Foto: Paulo Moreira Leite)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

"Elis", filme baseado na vida, obra e dilemas políticos que marcaram a existência da primeira voz de nossa música popular, possui todos os requisitos para um espetáculo de alta qualidade. O elenco é bom, a começar por Andrea Horta, que faz o papel principal. A seleção de música é adequada e, até onde meu conhecimento sobre Elis alcança, não exibe falhas factuais graves.

O ponto principal reside em sua capacidade de retratar o horizonte de uma época marcante para os dias de hoje. Trabalho à seis mãos, o roteiro consegue a proeza de situar a protagonista e sua arte num país que enfrentava os rigores da ditadura militar de 64. Este regime sempre esteve na existência de Elis. Ela desembarcou no Rio de Janeiro, para os primeiros passos como cantora, exatamente no 1 de abril daquele ano, quando as tropas do general Mourão desciam de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro e Goulart deixava o país.Morreu em 1982, quando o país ainda não havia recuperado o direito de votar em eleições diretas para presidente da República.

Elis é apresentada como aquilo que foi. Uma  artista ambiciosa, competitiva e, acima de tudo, proprietária de uma voz incomparável. Mas também uma cantora que lutou para se colocar à altura da grande tragédia política da época -- a vida sob uma ditadura  -- e que,  na maior parte das vezes,  deu respostas coerentes com a situação. Sempre com sensibilidade muito acima da média, fazia questão de interpretar canções que falavam de tortura e execuções, de injustiça e da falta de liberdade.  Foi uma grande voz a pedir anistia para perseguidos e exilados políticos.

continua após o anúncio

Sem proteger a protagonista, "Elis" retrata um momento marcante. Uma entrevista em Paris na qual denunciou a ditadura como um regime de gorilas provocou uma reação dura por parte da caserna,  sempre ocupada com aquilo que chamava de "imagem do Brasil no exterior." Na volta ao pais, pressionada num interrogatório em tom de ameaça, ela  concordou em se apresentar numa Olimpíada do Exército, numa tentativa óbvia de agradar aos comandantes militares. O filme conta o que se passou a seguir, quando Henfil publicou um cartum no Pasquim, jornal de respeitável circulação no período, retratando Elis numa cova de cemitério. Também exibe um diálogo tenso entre os dois. Por mais que tenha simpatia por Elis, o filme deixa claro que, no episódio, Henfil tinha razão em sua crítica à cantora.

Filmado em 2015, a trilha sonora de "Elis" se inicia com  a emocionante  interpretação de Elis (sem aspas)  para   "Como Nossos Pais". Nesta canção, de 1976, o cearense Belchior faz um balanço doloroso do fracasso de uma geração de brasileiros nos anos 1960 que sonhou com tantas mudanças na vida e no mundo mas foi condenada a reproduzir o comportamento anterior, "como nossos pais."

continua após o anúncio

Exibida na abertura de "Elis", a música é uma boa introdução a um debate que atravessa o filme inteiro e, inevitavelmente, chega aos dias de hoje. Gravada por Elis num momento em que procurava novos artistas para renovar a carreira, a exibição em 2016 lhe garante um significado atualizado em função de versos que retratam um país onde o passado sempre retorna como "um sinal fechado para nós, que somos jovens."

Discordo inteiramente da visão de que nada mudou no Brasil, nos últimos anos. Muitos brasileiros, especialmente mais humildes,  hoje têm uma vida melhor do que a de seus pais. A herança dessas mudanças  está em disputa.

continua após o anúncio

Mas é impossível evitar emoções fortes quando se ouve a voz de Elis dizer:

 "Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como nossos pais."

continua após o anúncio

(texto atualizado em 20/12/2016)

 

continua após o anúncio

 

 

continua após o anúncio
continua após o anúncio

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247