Villas-Boas entre a história e a propaganda

"Em tempos nos quais valores ligados aos direitos humanos e a democracia enfrentam ameaças permanentes, a iniciativa do comandante do Exército de investigar o levante conhecido como Intentona Comunista pode merecer aplausos e gerar dúvidas" escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247. "O país só terá a ganhar com um trabalho isento e meticuloso de esclarecimento histórico. Caso o projeto se revele um esforço de criminalização dos movimentos de esquerda, será puro desperdício de tempo e dinheiro para promover o atraso cultural do país". O 

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Toda iniciativa para esclarecer momentos importantes de nossa história deve ser digna de aplauso. Num país onde a memória costuma adormecer escondida nos arquivos antes de chegar ao conhecimento público, todo o esforço para separar fatos e versões é uma iniciativa indispensável para a formação da cidadania.

Nesse sentido, ao determinar uma investigação a fundo sobre a revolta militar de 1935, conhecida como Intentona Comunista, o comandante do Exército Villas Boas merece apoio de toda pessoa interessada em conhecer a fundo a história do Brasil.

Um receio é inevitável, porém. Como acontece com toda tentativa de se produzir uma história oficial, o projeto nasce sob o temor de que pode não passar de uma ação de propaganda a serviço do revanchismo militar. Estamos falando de um movimento em alta nesses dias de luta ideológica de cima para baixo, em que o novo ministro da Educação acha que o 31 de março de 64 é uma data para ser comemorada e o novo comandante do Exército diz que há "preconceito" na análise do período militar.  

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Em tempos nos quais valores ligados aos direitos humanos e à democracia enfrentam ataques permanentes, à isenção e à independência devem ser cultivados como valores máximos num trabalho dessa natureza. Em relação ao levante de 1935, tanto é preciso esclarecer as iniciativas violentas atribuídas às lideranças e militantes comunistas na fase inicial do movimento, como as responsabilidades pela tortura e a covardia animalesca dos interrogatórios e das prisões dos revoltosos, denunciadas com coragem exemplar pelo grande advogado Sobral Pinto.

Também será de grande valia relatar os bastidores de uma decisão particularmente cruel no Supremo Tribunal Federal -- a autorização para o envio de Olga Benário, mulher de Luiz Carlos Prestes, o líder do levante, para a Alemanha nazista, onde ela morreu numa câmara de gás. Grávida da filha Anita Leocádia, futura historiadora, a permanência de Olga no Brasil estava assegurada pelo artigo 134 da Constituição, que reservava tratamento igual a brasileiros e a filhos de pais brasileiros.

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No entanto, uma maioria de ministros da então Suprema Corte de Justiça optou por outro caminho, recusando um habeas corpus que teria salvo Olga Benário. Seria bom saber o como e o por quê se produziu um fato reconhecido como "injusto e trágico", na avaliação de Celso de Mello, decano STF de nossos dias

Do ponto de vista das ideias políticas em curso no país, nunca será tarde demais, também, destrinchar a linha de comando da operação, atribuída à Internacional Comunista, comandada por Stalin e seu círculo, a partir de Moscou. Dentro e fora do país, havia um debate político no interior da própria esquerda, que permanece menos conhecido do que deveria. Lideres importantes do período, como o intelectual Mário Pedrosa, crítico da linha hegemônica no PCB, sempre denunciaram a violenta perseguição aos comunistas, sem deixar de classificar o levante como uma iniciativa irresponsável. 

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 Os brasileiros e brasileiras só terão a ganhar, em conhecimento e formação, caso se realize um trabalho meticuloso e isento de esclarecimento histórico. Por este caminho, os arquivos militares seriam de grande utilidade para esclarecer momentos decisivos de nossa história, que ainda permanecem nebulosos, como o golpe de 64 e demais episódios que vieram a seguir.

Caso o  projeto se revele um esforço de criminalização dos movimentos de esquerda, comunistas ou não, será puro desperdício  de tempo e dinheiro para promover o atraso cultural do país e uma nova ameaça a democracia. 

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