Que me mandem para Évora

O jornalista Florestan Fernandes Júnior critica a declaração do ministro Ricardo Vélez Rodríguez, que chamou os brasileiros de ladrões em entrevista, e diz que Vélez é um homem pouco dado ao reconhecimento das grandes obras mais recentes da humanidade; "Posição bem diferente de alguns ministros da educação do regime militar que o capitão presidente deseja ressuscitar. Jarbas Passarinho, por exemplo, chegou a dizer em uma coletiva de imprensa que tinha a honra e o orgulho de ter um livro autografado pelo meu pai, um teórico marxista", lembra ele, referindo-se a um dos principais sociólogos do Brasil, Florestan Fernandes

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Por Florestan Fernando Júnior, para o Jornalistas pela Democracia - "O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo". Esta frase, do atual ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez, chocou os educadores do país. Primeiro pela grosseria, segundo, pela inverdade. Quem anda de avião e se hospeda em hotéis de luxo não é a grande maioria da população pobre do Brasil, mas a parcela privilegiada que teve acesso às melhores escolas e universidades privadas e públicas do país. Por conta de seu viés ideológico de extrema direita, o ministro, de origem colombiana, tem desprezado também a produção acadêmica do mais importante educador do país.

Trata-se de Paulo Freire, o terceiro teórico mais citado em trabalhos acadêmicos no mundo. Um intelectual que foi agraciado com 35 títulos de Doutor Honoris Causa das mais prestigiadas universidades do mundo. Sua obra, "Pedagogia do Oprimido" é o único livro brasileiro no Top 100 dos títulos mais pedidos pelas universidades de língua inglesa. Paulo Freire virou estátua em uma praça de Estocolmo na Suécia por ser considerado um dos sete maiores pensadores da década de setenta. Todo este conhecimento corre o risco de ser roubado das escolas e universidades públicas do Brasil pelo ministro que diz que brasileiro é ladrão. Com um apagador nas mãos, o ministro Rodriguez promete apagar a produção acadêmica que não seja ufanista ao regime autoritário que tentam reimplantar no Brasil. Sinto informar ao ministro que ele não vai conseguir. O conhecimento hoje está na internet e é praticamente impossível censurar autores como se fez na Alemanha nazista, na União Soviética stalinista e na ditadura militar brasileira. Boa parte das bibliotecas hoje já é virtual.

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E falando em livros, no próximo dia 21 de fevereiro faz 171 anos do lançamento do "Manisfesto Comunista" de Friedrich Engels e Karl Marx. Eu sou de uma geração em que ter o pequeno livrinho em casa poderia dar cadeia e até sessões de tortura. Uma vez, quando era adolescente, emprestei o Manifesto para um amigo. Era uma sexta-feira, estávamos indo para uma festa. Ele colocou o livro embaixo do banco da frente do fusquinha. No caminho fomos parados por uma blitz do exército. O carro foi todo vasculhado. Os soldados nos revistaram apontando metralhadoras. Eu tinha apenas 16 anos e meu amigo 18 e, sem saber, já éramos uma ameaça ao regime militar. Suamos frio e pedimos a Deus para que os soldados não encontrassem o livro. Nossas preces deram certo. Fomos liberados, mas o medo foi tanto que meu amigo desistiu de ler o Manifesto Comunista.

Como o comunismo não deu certo no leste europeu, o livrinho perdeu importância para os jovens da "nova esquerda", mas continua sendo uma referência importante para teóricos marxistas e anti-marxistas. Certamente o Manifesto Comunista estará na lista negra do ministro Rodriguez. Um homem pouco dado ao reconhecimento das grandes obras mais recentes da humanidade. Posição bem diferente de alguns ministros da educação do regime militar que o capitão presidente deseja ressuscitar. Jarbas Passarinho, por exemplo, chegou a dizer em uma coletiva de imprensa que tinha a honra e o orgulho de ter um livro autografado pelo meu pai, um teórico marxista.Outro foi Eduardo Portela que, ao ser nomeado ministro pelo general presidente o João Batista Figueiredo, ligou para meu pai pedindo a ele a colaboração intelectual no projeto que pretendia executar no ministério da Educação. Meu pai recusou o convite por ser ferrenho opositor ao regime militar, mas agradeceu e desejou sucesso ao, na época, ministro da Educação. Em tempos de retrocesso político, espero que ninguém, depois de ler esse texto, me mande pra Cuba. Se for me mandar para algum lugar, que seja para Évora, uma das mais antigas cidades europeias, na região do Alentejo, em Portugal. Lá, a esquerda deu certo e os comunistas governam a cidade democraticamente pelo voto desde a Revolução dos Cravos em 1974.

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