Ele sabe

Da parte de Lula, em um momento tão triste de sua trajetória, o gesto simples diz que não se curva ante a repressão, que não teme pela sua vida, e que nunca deixará as demonstrações de carinho do povo sem resposta

Ele sabe
Ele sabe (Foto: Ricardo Stuckert)


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Como muita gente, passei a noite de sexta-feira ansiosa para assistir na íntegra a entrevista de Lula. Enquanto esquadrinhava a internet, lembrei-me de sua última imagem marcante, na saída do velório do neto, quando ergueu-se na porta do carro e abanou para o público que ali estava para oferecer solidariedade a ele. Cada gesto de Lula é interpretado de forma diversa pelos diferentes grupos. Não foi diferente com este, alguns acham que fez política; outros, que retribuiu o carinho do povo, o que sempre procurou fazer, em todo seu trajeto como homem público. E, por estar tão acostumado a ser este homem público, sim, cada gesto dele, mesmo que impregnado de outros sentidos, torna-se, também, político. Afinal, é o Lula.

Quando ele se apoia na porta do carro e acena, o delegado da PF o repreende, ele diz: "O senhor sabe que não devia fazer isso." Ao que Lula responde: "O senhor sabe que eu devia". O breve diálogo mostra, da parte da polícia, duas possíveis preocupações: que Lula não se expressasse publicamente, e que não colocasse em risco sua integridade física. Mas é Lula, que sempre caminhou no meio do povo, entre operários, índios, professores, empresários ou favelados, entre todas as gentes que formam o mosaico colorido do Brasil, e nunca foi agredido. Vai ver é porque, como poucos, ama o povo brasileiro, e isso é fácil de ver nas ações, no olhar, nas palavras.

Da parte de Lula, em um momento tão triste de sua trajetória, o gesto simples diz que não se curva ante a repressão, que não teme pela sua vida, e que nunca deixará as demonstrações de carinho do povo sem resposta. Por isso admite que ainda não sabe como agradecer aos que o acompanham na vigília, em frente à sede da polícia federal em Curitiba, há mais de um ano.

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Encontro a entrevista, finalmente. Na primeira impressão, o considero mais frágil. A tosse preocupa. A idade traz mudanças naturais, um pouco mais de calvície. O rosto, porém, na medida em que fala, demonstra uma força que não vem do corpo físico. Lula, confrontado pela insistência da jornalista em fazê-lo admitir que pode não vir a estar mais em liberdade, diz que não se importa, que não agiria de forma diferente do que quando se colocou à disposição da polícia. E que, se for preciso, ficará até cem anos preso, mas não trocará a dignidade pela liberdade.

Como em todas suas falas, Lula traz memórias muito presentes da família. Lembra da herança de sua mãe, dona Lindu, dignidade e caráter. Das perdas recentes, cita o irmão Vavá, que era como um pai, o amigo Sigmaringa e o neto Arthur. A voz some, a tristeza ainda é muita. O avô, frágil, se expõe. Inconformado, diz que preferia ter morrido no lugar do neto. Revela também entender que dona Marisa teve o AVC devido à perseguição a que a família foi submetida. Lula tem consciência de toda a injustiça a que o submetem, e aos seus, mas sabe por que está vivo: "Tenho muita motivação para estar vivo. Estar vivo e não fazer nenhuma loucura é a forma que eu encontrei de ajudar esse país a se reencontrar com a democracia, a se reencontrar com o amor, a se reencontrar com a paz. Esse povo tem o direito de ser feliz, tem o direito de viver bem. Então é pra isso que eu existo, e pra isso vou lutar até o último dia da minha vida".

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De repente, os cabelos brancos ralos do avô tomam aspecto de aura. As feições endurecidas pelas dores, um elmo de quem permanece em luta pela paz e pela democracia. O orgulho de ter sido presidente do Brasil, ninguém vai lhe tirar. A coluna, que teima em continuar ereta, com tantos anos acumulados em sabedoria, mostra que ele sabe. Lula sabe quem realmente é, e não há nada que o faça esquecer. Do chão da fábrica ao convívio com reis e rainhas. Nada, na vida dele, foi pequeno. Nem a dor, nem as alegrias; nem a pobreza, nem o glamour. Nada pode ser esquecido. Nada o fará sentir-se menor, e aí está o pesadelo daqueles que gostariam de vê-lo derrotado. Por mais que as situações sejam injustas, doloridas ou tristes, o operário-presidente mantém a cabeça erguida e acena. O pernambucano teimoso sabe quem é...

Na lucidez de sua santa indignação, eu ainda o vejo acenando naquela porta de carro. Ele acena para aqueles que o acompanham com tanto carinho lá fora, com cumprimentos que avisam sobre o passar do dia. Acena para o judiciário, ao recordar as decisões graves e corajosas já tomadas por estes tribunais, acena até para os que o veem como inimigo...

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Para nós, diz: "Quem tem que fazer por nós somos nós. [Temos que]... acabar com o complexo de vira-lata, levantar a cabeça, a solução dos problemas do Brasil está dentro do Brasil." Não acredito que Lula tenha vindo à Terra para "incendiar" o país. Ele veio para incendiar nossas consciências e nossos corações. Lula sabe quem é, e nos lembra quem somos.

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