Política e futebol: faltou convocar o bom senso na seleção brasileira

Não adianta se escandalizar com um jogador que agride torcedor e acaba convocado para representar o país na seleção se, nas eleições passadas, você compactuou com um político que ameaçava "fuzilar" adversários políticos no Acre, e acabou na presidência

Política e futebol: faltou convocar o bom senso na seleção brasileira
Política e futebol: faltou convocar o bom senso na seleção brasileira (Foto: REUTERS/Denis Balibouse)


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"Futebol, política e religião não se discute", o ditado popular é quase como uma fórmula dogmática para encerrar qualquer discussão prestes a explodir. Não se discute e ponto final. No Brasil de 2019, precisamos revisitar este ditado popular e perceber que, nele, estão contidos implicitamente, dois pontos fundamentais a serem discutidos neste artigo.

O primeiro ponto do ditado diz respeito à visão distorcida que temos sobre "discussão". Supomos que é algo propenso a dar em briga, confusão. Entretanto, a discussão é uma atividade eminentemente política. Futebol e religião são temas passíveis de serem discutidos em política. Quando dizemos que "temas polêmicos" não se discutem, estamos nos fechando ao diálogo, consequentemente, negando a política.

Seguindo esta linha de raciocínio, a filósofa Hannah Arendt pensava política como ação de dialogar, argumentar, discutir, conversar. O que, automaticamente, exclui a briga, ir para as "vias de fato". Brigar é negar a existência do outro. O fazer político é, justamente, o oposto: reconhecer o outro como um igual dentro da sua individualidade, dito de outro modo, valorizar a pluralidade.

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Política não é apenas aquela partidária que as pessoas reviram os olhos e bufam toda vez que se fala nela. Quando você se dispõe a dialogar, respeitando às diferenças, está fazendo política, como nos ensina Arendt "somos todos iguais, isto é, humanos, de um modo tal que ninguém jamais é igual a qualquer outro que viveu, vive ou viverá", em seu livro clássico "A condição humana".

O segundo ponto está relacionado com uma concepção distorcida sobre a "natureza" dos brasileiros como sendo cordiais, ressuscitando a teoria do sociólogo Sérgio Buarque de Holanda. O "homem cordial" é aquele que apela para a emoção, "sangue quente", que divide o mundo entre amigos e inimigos, logo, deixa de lado a razão. Esse tipo de formulação teórica só alimenta o nosso famoso "complexo de vira-lata", ao enxergar nos americanos e europeus, os racionais, e ver a nós mesmos, os brasileiros, como essencialmente passionais. Conforme argumenta o professor Jessé Souza em seu livro "A elite do atraso": "A emoção nos animalizaria, enquanto o espírito tornaria divinos americanos e europeus".

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Repetir, aos quatro cantos, que "futebol, política e religião não se discute", é dizer que não temos capacidade racional para falar sobre tais temas, pois, partimos para a emoção. Porém, esse chavão apenas fortalece políticos corruptos, líderes religiosos que exploram a fé do povo e, no futebol, nos faz tolerar jogadores que dão contraexemplo fora dos gramados.

O Brasil é um dos países onde mais se pratica a intolerância religiosa, também é um dos que apresenta maiores índices de violência nos estádios. O fato de a violência ser tão presente na religião e no futebol comprova que o brasileiro não tem nada de cordial. Apenas tentamos negar a discussão, varrendo o problema para de baixo do tapete, recitando ditados populares para nos esquivar da discussão emergente.

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Portanto, não adianta se escandalizar com um jogador que agride torcedor e acaba convocado para representar o país na seleção se, nas eleições passadas, você compactuou com um político que ameaçava "fuzilar" adversários políticos no Acre, e acabou na presidência. Parece que, de uma hora para outra, nos achamos no direito de julgar a atitude de um jogador de futebol, esquecendo-se do tipo de pessoa que os brasileiros acabaram votando para presidente. Se o representante do povo se comporta de maneira tão controversa, o que dirá de um jogador de futebol. Por essas e outras que política e futebol se discute, sim !

É claro que não foram os ditados populares que deram voz a essas pessoas, mas no "imaginário coletivo" fica uma mensagem latente de que não se pode discutir, não se pode questionar quando figuras públicas comentem atos violentos ou proferem discursos de ódio. E que, se eles podem, por que não eu?

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Então, de tanto nos omitir da discussão, ficamos cada vez mais emudecidos. Até o dia em que a violência bata em nossa porta. Daí será tarde para gritar, afinal, já não teremos mais voz para pedir socorro.

 

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