Com o limão do golpe, Lula fez a limonada da democracia

"O desenho eleitoral que aponta no horizonte não é o da perpetuação dos candidatos que representam o poder, a elite e o fisiologismo. Todos eles estão sendo rechaçados pelo eleitor, haja vista a intenção de voto que um candidato como Alckmin apresenta a 67 dias do primeiro turno", diz o colunista Gustavo Conde a respeito do cenário eleitoral que se aproxima de maneira muito acelerada; para Conde, Lula não fez apenas uma limonada com o limão do golpe; ele fez a limonada da democracia

Com o limão do golpe, Lula fez a limonada da democracia
Com o limão do golpe, Lula fez a limonada da democracia


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Muita gente se pergunta se o eleitor brasileiro vai votar novamente em seu algoz, o tradicional político conservador de direita que legisla em causa própria há tantas décadas. A informação é que 90% do legislativo são candidatos à reeleição.

Esse perfil do ‘político de si mesmo’, aquela personagem que começa sua carreira em alguma cidade do interior com um discurso precário do ‘vota em mim, por favor’, faz parte da cultura política brasileira, tão arraigado que está em todo tecido social do país. Mas não só. O perfil do ‘político de si mesmo’ é humano demasiadamente humano.

O fenômeno do compadrio aqui posto não ocorre só nas pequenas cidades, é claro. Mas ali ele é pedagógico e serve a uma prospecção técnica acerca dos cenários que vão sendo desenhados para esta eleição de 2018, tão peculiar.

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Antes de debruçar na psicologia do político boçal, nosso ‘estandarte administrativo’ desde os tempos de colônia oficial, é preciso ponderar que há muitas exceções à regra, evidentemente. E não são poucas. Elas, a rigor, prevaleceram durante 13 anos na esfera macro, esfera esta que é um pouco menos ‘ilhada’ que as esferas micro.

Poder-se-ia dizer, sem meias palavras: no interior, os políticos conservadores são amadores e nos oferecem o grau zero do comportamento humano: é o darwinismo social mais meia-boca da espécie. Nos grandes centros, os políticos conservadores são profissionais e fazem o jogo pesado do poder econômico associado ao crime organizado. É o darwinismo social-financeiro 4.0.

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Micro e macro, essas instâncias se autoexplicam e caracterizam a sanfona gestora do Brasil. É impressionante que ainda funcione alguma coisa. Mas, sem lamentações, afinal de contas, é o comportamento da espécie, não há como escapar dessa realidade fatal. O ser humano não prima pela ‘generosidade’ e isso desde Jesus Cristo que, aliás, tentou sem sucesso dar um jeito nisso.

Em suma, somos todos parte desta doce caminhada rumo à autoextinção chamada humanidade – sem querer ser dramático e já sendo. Podemos, portanto, usar a primeira pessoa do plural para falar do brasileiro, sem maiores complicações: nós, os brasileiros, somos responsáveis diretos pela classe política que temos.

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Nós, os pós-doutores de gabinete, paus mandados do tucanismo subserviente; nós, os trabalhadores-torcedores, amigos-escravos da CBF e dos brasões futebolísticos capitais afora; nós, os professores pelegos, da rede pública e privada, que aceitamos trabalhar em péssimas condições (e com uma concepção pedagógica do século 19); nós, as donas de casa, que trabalhamos mais que todos os profissionais remunerados, mas que assistimos a nossa novelinha e turbinamos a receita de uma emissora de televisão que ajuda a esmagar o país com seu cardápio de mediocridade aplicada há mais de 50 anos.

Nós.

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Evidentemente, não é proibido usar os ‘eles’, até porque o termo consta no dicionário e faz parte do português padrão, com seu devido sentido licenciado pela história, pelo uso e pelas – desculpem – instituições.

Combinemos assim: quando falarmos da responsabilidade histórica pelo aspecto grotesco e atrasado da nossa sociedade, usemos a primeira pessoa do plural – para que isso nos ajude a ter humildade e nos possibilite recalibrar nossas ações, bem como saber como combater o inimigo que habita nosso próprio espírito.

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Quando formos para o campo da disputa política soberana dos espaços eleitorais, no entanto, que tenhamos a coragem de também a terceira pessoa do plural, o ‘eles’, para identificar o inimigo externo que habita o mesmo país e a mesma sociedade (isso é um desejo, não uma constatação).

Decorre daí, o famoso ‘nós contra eles’, legítimo e também didático, afinal não é qualquer nação que tem todo um segmento próprio organizado em partidos de inimigos do estado e da coletividade.

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Nome-lo-emos (com o perdão da mesóclise medonha): centrão + PSDB + MDB (só para começar).

Tem muito intelectual de Flip que engasga quando se diz ‘nós contra eles’. Eles tentam posar com a roupa já velha do isentismo e do apartidarismo. São os prepostos avançados da criminalização da política e de um ideal simulado de civilidade.

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Constrange, mas diverte. Eles – ‘eles’, vejam só – são só parte da indigência covarde que, por sua vez, também nos habita a nós mesmos –  em menor grau, talvez – tenhamos a humildade de dizer. Passemos a mão na cabeça ‘deles’ e sigamos adiante.

O tema aqui é o a psicologia do eleitor brasileiro, não percamos de vista após sentida e quase divertida digressão.

A nossa tragédia política começa com o eleitor que vota no ‘amigo’. Essa é a antítese do conceito de coletividade e da gestão pública. Tudo começa com o ‘voto no amigo’.

O grau seguinte é: “bom, votei no meu amigo. Agora que quero ‘reciprocidade’. Agora, que quero um cargo. Agora, eu quero que ele asfalte a estrada do meu sítio. Agora, eu quero que ele refaça o zoneamento urbano perto da minha propriedade. Afinal de contas, que amigo é esse?”.

Eis aí a ‘pedagogia política do interior’. Tudo começa assim. Quem mais se lamenta com os governos investidos de coletividade legítima e democrática são esses eleitores do compadrio. Eles nem chegam a ter repulsa pela democracia porque eles nem sabem o que é democracia. É o eleitor dotado dessa psicologia primária que semeou em si mesmo o ódio ao PT e às esquerdas – ele não tinha mesmo muito o que fazer com repertório intelectual tão limitado.

Esse tipo de prática se alastra para os grandes centros em escala maior. Ali, o favor não é o asfalto ou o perdão dos impostos não pagos. Ali, o jogo é muito mais alto. A casa salta do milhão para o bilhão. Tomemos Paulo Preto, Dersa, Rodoanel e Geraldo Alckmin só como exemplos iniciais. Ou: não é brincadeira, torcida brasileira.

A dança dos amigos e dos favores em gestões que contam com orçamentos bilionários tem um nível diferente. Até de festas. Não se serve cerveja e churrasco, como na cidadezinha do Seu Zé, amigo do prefeito. Serve-se champanhe e caviar – aliás, que bom gosto tem o empresário João Doria. É um gentleman.

De sorte que a política brasileira em sua psicologia primitiva não é um bicho de sete cabeças para a compreensão sociológica. É um bicho de uma cabeça.

Aceleremos, portanto, rumo à conclusão desta quase carta ao eleitor.

Primeira premissa conclusiva: essa lógica foi rompida pelos governos democráticos do PT. O PT deu um golpe, mas um golpe na política do compadrio. Isso é dado estatístico e histórico.

Aliás, o que provocou desfiliações no PT foi exatamente a ruptura com a política do compadrio: Helio Bicudo não teve a embaixada em Zurique que tanto queria, Heloisa Helena não teve o espaço que queria na Câmara, Marta Suplicy não conseguiu impor sua candidatura à prefeitura da São Paulo em 2012, Marina Silva não aceitou dividir o planejamento estratégico da Amazônia com Mangabeira Unger.

Muitos ex-ministros também foram picados pela mosca do ressentimento ao PT, por serem obrigados a aceitar a lógica colegiada de ações. Como não conseguiam impor suas respectivas pulsões internas de imposição de ideias e de projetos, saíam dos governos do PT falando mal dos governos do PT – e caindo nas graças da imprensa persecutória, sempre com muito destaque.

Segunda premissa: essa nova maneira de fazer política – a eliminação ou diminuição da política da ‘amizade’ –, assustadoramente eficiente (basta ver as estatísticas sociais e econômicas do período 2002-2015) provocou uma legião de órfãos do compadrio. Foi, na verdade, uma devastação.

Esses órfãos, é claro, foram devidamente direcionados para o ódio de classe, que já tinha há séculos sua semente germinando ou em estado de latência. O que lhes restava era o gesto de odiar, já que a lógica pura e simples do ‘me dá o que é meu’ estava sendo exterminada.

Terceira premissa: os órfãos do compadrio foram devidamente organizados pela imprensa e pela Rede Globo, que lhes deu voz e a delicada cifra fraudulenta de legitimidade. São eles os manifestoches, aquelas personagens bizarras que desfilaram domingos a fio para reivindicar ‘um país’ de volta, o país do favor e do ‘me engana que eu gosto’.

Postas as premissas conclusivas – uma vez que este é um artigo que abre para a discussão e não o contrário – é preciso desenhar um breve cenário eleitoral de reação a todo esse circuito político-libidinal que vai encontrando seu novo ciclo de basta.

O eleitor traumatizado por esse espancamento de interesses cruzados tende a dar uma resposta de respeito ao retrocesso civilizatório de que fomos vítimas e algozes.

Ele vai reagir por uma razão bastante simples e objetiva: a vida foi melhor no tempo da democracia das decisões – portanto, no tempo em que a política do compadrio estava sendo combatida.

Até a classe média, tão acostumada à lógica dos favores cruzados de ‘políticos amigos’, não tem como resistir a um desejo atávico de ‘voltar a um passado’ que era melhor, em todos os sentidos.

Isso está posto na pesquisa Vox Populi, de maneira até comovente, com a classe média aumentando em 10 pontos sua intenção de voto ao ex-presidente Lula. Não há muito o que discutir a esse respeito (ao crescimento avassalador de Lula, humilhante para o golpe e para a Globo).

De maneira que o desenho eleitoral que aponta no horizonte não é o da perpetuação dos candidatos que representam o poder, a elite e o fisiologismo. Todos eles estão sendo rechaçados pelo eleitor, haja vista a intenção de voto que um candidato como Alckmin apresenta a 67 dias do primeiro turno.

Resta saber se os segmentos progressistas irão aproveitar essa janela histórica de possibilidade de renovação nas câmaras e nos cargos majoritários. Não basta a conjuntura ser favorável: é preciso ter estratégia para tirar proveito desta conjuntura favorável.

O PT tem sido o partido mais inteligente de todos neste cenário. Por quê? Porque ele apresenta resultados concretos de sua ação política. Qual seja: Lula tem 41% de intenção de voto e lidera o processo eleitoral. Esses 41%, no entanto, são apareceram do nada. Foi o trabalho do partido (os atos pela democracia, as entrevistas, as caravanas, o debate) que possibilitou esse cenário.

O PT decidiu ser mais coerente e deu uma guinada mais à esquerda. Que ninguém tenha dúvida da seguinte afirmação: o PT é bom de eleições. Tem vocação, tem tesão, tem conhecimento, tem valor agregado, tem experiência e tem um ícone que, para infelicidade do golpe e do conservadorismo atrasado, fez uma imensa limonada com o limão galego que lhe caiu nas mãos: a prisão política.

Lula surfa em todo esse panorama eleitoral favorável a ele e às esquerdas, porque ele está conectado com o debate real que se desenrola no país e que não está na grande imprensa (está na blogosfera).

Essa é a diferença de Lula e dos outros. Além da inteligência, ele tem a visão de conjuntura mais refinada e calibrada da cena político-eleitoral e isso há mais de 30 anos.

Destaque-se que esta personagem tão onipresente na vida brasileira arrasta toda a percepção do eleitor para uma votação maciça em candidatos da ala progressista, num equilíbrio conjuntural entre a repulsa do golpe e o cansaço da economia fracassada.

Como nas melhores escolas de mágica, o encantamento que Lula proporciona a simpatizantes e ‘antipatizantes’ extrapola o conjunto de lógicas tradicionais da percepção. Da velha expressão popular 'se te derem um limão, faça uma limonada', Lula fez mais: com o limão do golpe, ele fez a limonada da democracia. 

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