'João Goulart' dessa vez pode vencer. Vai 'Getúlia'!

O governo está há poucos dias do xeque-mate. É disso que se trata. Ou se faz a derradeira virada de mesa, com esta derradeira oportunidade ou sobrará, para os historiadores, narrar uma segunda versão do governo João Goulart à luz da disputa geopolítica global do século XXI



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A Standard & Poors, agência de especulação financeira internacional, rebaixou a nota de grau de investimento do Brasil, destruindo toda e qualquer ilusão de que seria possível, tecnicamente, estabelecer uma relação cordial com a cúpula do mercado mundial e seus asseclas políticos e sócios minoritários no País.

Não adianta dizer que a S&P não tem credibilidade porque não apenas não previu o estouro da bolha imobiliária americana em 2008 como fiava empresas que, na verdade, eram puro "lixo". O processo é político e os empresários estão tomando as rédeas e agindo diretamente em nível local e mundial pela gravidade da crise. Não por ela em si, que permite que exponenciem seus dividendos, mas para bloquear qualquer reação das democracias, isto é dos governos e das populações.

A S&P foi a mesma que, articulada com Financial Times e The Economist, braços midiáticos dos interesses financeiros com a devida roupagem de "revistas especializadas", "tecnicamente neutras", tais como as agências de rating, promoveu a desestabilização do ex-ministro Mantega e da política econômica anti-cíclica do primeiro mandato após a decisão do governo de reduzir a taxa de juros e ampliar o espaço dos bancos públicos no financiamento do desenvolvimento social e econômico.

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A chantagem de agora é tão explícita que a Moody's, outra agência entre as três mais do ramo, pôs o pé na porta: só muda nota do Brasil se houver algo como um movimento "brusco". Ou seja: a S&P põe em xeque o governo nos termos atuais, com baixa popularidade, um Ajuste que não funcionou, sob ameaça de Impeachment em pelo menos duas frentes (TSE e TCU), refém dos empresários e da mídia, dos condicionamentos destes ao apoio ao ministro da Fazenda, com sua base social insatisfeita, o partido do governo emparedado, o maior líder popular da história e fiador do projeto com a "arma" de investigações apontadas para ele, entre outros. Complementarmente, a Moody's ameaça tacitamente destruir toda e qualquer imagem financeira do País caso o governo cogite alterar minimamente seus rumos no sentido escolhido pelas urnas. Lembremos do que foi a campanha em termos de embate com os bancos e a defesa do esforço estatal em preservar empregos, salários e crescimento com alicerce na produção. Este é o fio da meada que explica a disputa atual e a notícia do rebaixamento do Brasil.

O governo está há poucos dias do xeque-mate. É disso que se trata. Ou se faz a derradeira virada de mesa, com esta derradeira oportunidade ou sobrará, para os historiadores, narrar uma segunda versão do governo João Goulart à luz da disputa geopolítica global do século XXI.

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Já basta de dar ouvidos a quem apregoa que a técnica resolverá por cima da política, que há uma democracia madura e consolidada, que alguém do povo credita a este governo o combate implacável à corrupção, que os "erros do PT" levaram à situação atual, que Lula "quer mandar" no governo, que a culpa de tudo é do "campo majoritário" do PT, que conceder ao programa derrotado nas urnas permitirá algum apaziguamento, que estender a mão ao diálogo com o PSDB surtirá algum efeito na estabilização, que os políticos não estão interessados numa crise política, que os empresários não levarão adiante a derrubada do governo pela imprevisibilidade do "dia seguinte", que os movimentos sociais se contemplam com salas de recepção, que a agência de rating chinesa Dagong dá nota A+ para o Brasil (pois esta agência, sendo chinesa, é irrelevante no jogo do sistema financeiro), que o governo redobra a aposta em recuperar sua credibilidade junto aos rentistas, vide, como contraprova, todo o esforço feito até aqui para tal. Eles querem o sangue do governo e do povo. As alternativas à presidenta já estão sendo construídas.

É hora de medidas drásticas para sinalizar para os eleitores e a base social do projeto. O nosso campo é a "área social".

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Sigamos, por exemplo, o que fez o Podemos na Espanha, que contratou Thomas Pikkety para assessorá-lo na elaboração de um programa econômico para as eleições de dezembro. É o mais festejado economista mundial da contemporaneidade, com foco em combater as desigualdades. Joseph Stigliz, Nobel da Economia, apontou, em recente lançamento de seu novo livro em Paris, que é preciso saídas à austeridade com o que já vínhamos fazendo - investimentos públicos em infraestrutura social e logística - e diálogo social. Paul Krugman, outro Nobel, não cessa de afirmar que as saídas com receitas liberais só aprofundarão a crise. Foi um assessor fundamental da primeira eleição de Barack Obama. O Brasil tem peso geopolítico para convidar pessoas deste naipe para construir uma proposta de saída da crise econômica, somando-se a notáveis como Beluzzo, Pochmann, Conceição Tavares, Delfim Neto, num grupo oficial para isso. Além de propostas factíveis, seria um sinal e tanto. É preciso ousadia, repetimos, como fez Cristina Kirchner ao promover a ministro da Economia um jovem de 40 anos, Axel Kiciloff, ou à presidência do Banco de La Nación uma economista de 26 anos.

Seria interessante condensar as medidas que versam sobre taxar o "andar de cima" para o esforço de superação da crise - a taxação de grandes fortunas e heranças, lucro líquido dos bancos e tabela do IR - num pacote único, de preferência com a anulação das medidas de revisão dos critérios de acesso ao seguro-desemprego, pensão por morte e seguro-defeso, não por seus conteúdos, para para reforçar o sinal aos trabalhadores.

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Somado à isso, estruturar um projeto de reforma tributária baseada na progressividade e nos impostos diretos a ser enviado para análise do Congresso Nacional, sem medo de ser feliz. Adiante, decidir de modo definitivo e irrevogável que não haverá cortes dos programas sociais, sobretudo Bolsa-Família, Pronatec, Fies e Minha Casa Minha Vida. Estruturar também um pacote de Reforma Agrária, contendo todo o plano de desapropriações previstas condensados num tempo e pacote único, seria de bom tom.

Pode-se aproveitar o envio do Plano Plurianual ao Congresso para, imediatamente, organizar os comitês de monitoramento com os beneficiários dos programas sociais, tal como decidir pela convergência de todas as conferências nacionais previstas até 2018 para o tempo do "agora", num grande processo de massas de pactuação e mobilização política em torno de uma agenda.

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Não é auspicioso cortar emendas parlamentares para cobrir o déficit orçamentário, mas convocar os governadores e os prefeitos das cidades com mais de 200 mil habitantes, assim como as bancadas estaduais na Câmara e no Senado, para pactuar, também em torno dos objetivos e metas do PPA, a convergência federativa destas, inclusive das emendas parlamentares em torno deste acordo territorial de investimentos, num outro patamar de racionalidade e organização para os emendamentos daqui por diante, amenizando sombreamentos e mobilizando recursos dos três níveis de governo.

Outra medida essencial seria promover uma ampla reforma ministerial, com políticos (políticos!) de peso, testados nas urnas; repactuar os ministérios do PMDB de modo que o partido indique seus ocupantes de forma soberana e com espaço de operação dentro dos órgãos, ainda que o custo fosse governar com menos partidos. Redimensionar um diálogo social a partir de um visão que buscasse cooperação estratégica com o movimento sindical e relevantes movimentos sociais, mas sob uma autoridade legitimada por estes.

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Por fim, retomar a política econômica anterior, redimensionando seus aspectos excessivos, mas reafirmando o papel imprescindível do Estado na indução de investimentos para preservar os empregos e salários, assim como promover uma acentuada, não gradual e simbólica redução da SELIC, num formato de pacote também e apresentar, chamando a CUT e demais centrais e sindicatos para sustentar, o projeto de redução da jornada de trabalho efetivo, sem compensações em redução de salário como no projeto enviado, que nem estabilizou o País, a relação capital x trabalho, e nem deu resultados imediatos na preservação do emprego, apenas projetando um incremento do déficit público pelo que o governo teria e terá que dar em contrapartida.

A guerra de projetos que marcou a eleição não acabou, como muitos previram e, aqui, reside uma outra coisa a se fazer ouvidos moucos ao aúlicos conselheiros: de que eleição é eleição, governo é governo. A realidade mostrou que isso, pelo menos no contexto hodierno, é uma falácia, uma utopia democrática tanto quanto a tal propalada "república" de dois pesos e duas medidas para tucanos e petistas.

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Tudo isso, anunciado em cadeia nacional e, por que não, com uma platéia lotada de movimentos sociais, sindicalismo, intelectuais, artistas, lideranças políticas, transmitida ao vivo e a cores.

Não há mais tempo para "esperar os resultados". Esta mitologia tecnocrática tem que ser sacrificada no altar do mundo como está posto. Os únicos resultados que podem ser esperados é, por fim, o que já está cada vez mais escrito nas estrelas: a queda do governo. Basta ver o disse, hoje, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro de FHC, após a decisão da Standard & Poor´s em tirar do Brasil o selo de bom pagador: "A pressão dos empresários agora vai ser insuportável, acho que ela vai ter de ir embora". Que o governo saia de sua posição bonapartista, de achar que é "a união das classes" e ponha o peso da pressão dos produtores do PIB sobre os que se dizem "o PIB".

Não é uma questão de "virtude guerrilheira" de capacidade de resistir, como outros áulicos bradam. É a política e seu tempo. Ela que deve comandar, pois já está mais do que claro que é, sem meios termos, a economia concentrada, como ensinou um sábio italiano. Tudo já foi tentado, em curtos meses, e não resolveu. Tem que mudar as fichas, derrubar o tabuleiro, redefinir as regras do jogo.

O Brasil viajou no relativismo da relação espaço-tempo a 1964. Jango tinha popularidade, fez o Comício da Central do Brasil para anunciar as Reformas de Base e perdeu porque não resistiu. Não se julgue ele. Havia uma avaliação pessoal de que o País poderia ser dividido ao meio pelos EUA em uma guerra civil. Não é isso que está posto, há uma oportunidade. Não permitamos repetir a história como farsa e sim encarnemos o que ocorreu em outro universo paralelo naquele primeiro semestre de 64: Jango lutou e venceu. Podemos realizar isso em 2015. Mas, além de resistência, é necessário outras qualidade do "espírito guerrilheiro": lubrificar os fuzis de ideias, propostas, ação democrática e social, elaborar um bom plano estratégico e se embriagar do idealismo daqueles garotos de 68 para atacar, agora sessentões, mas, como antes, guardiões do povo, da democracia e do sonho do desenvolvimento nacional. Esta tem que ser a consequência política para o brado retumbante de "eu não saio daqui, não faço essa renúncia".

* Este título é uma singela homenagem ao professor Antônio Celso Ferreira.

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