Falsas juras de amor à Constituição. Continua viva a ameaça de golpe

"A hipocrisia e o cinismo foram as marcas da cerimonia realizada no Congresso Nacional em comemoração aos 30 anos da Constituição Federal de 1988", diz o colunista Ribamar Fonseca; ele acrescenta que, "na realidade, depois da entrevista que o general Villas Boas concedeu à 'Folha de São Paulo', o Brasil começou a ver com mais clareza o comportamento do Exército nos acontecimentos que culminaram com a prisão do ex-presidente Lula"; "Vale a pena perguntar: se, num rasgo de coragem, o Supremo decidir libertar Lula, o golpe se consumará? Como acreditar nas juras de amor e respeito à Constituição?"

Falsas juras de amor à Constituição. Continua viva a ameaça de golpe
Falsas juras de amor à Constituição. Continua viva a ameaça de golpe (Foto: Esq.: Fabio Pozzebom - ABR / Dir.: embaixo (Stuckert))


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

A hipocrisia e o cinismo foram as marcas da cerimonia realizada no Congresso Nacional em comemoração aos 30 anos da Constituição Federal de 1988. Ocupado em grande parte pelos mesmos parlamentares que a estupraram quando aprovaram a destituição da presidenta Dilma Roussef, o plenário do Parlamento aplaudiu as falsas juras de amor à Carta Magna por quem já a desrespeitou diversas vezes. Os membros do novo governo, presentes ao evento, apenas sorriam discretamente, como se não acreditassem em nada do que ouviam. Michel Temer exaltou a Lei Maior que ele mesmo rasgou ao dar o golpe para tomar o poder, enquanto o ministro Dias Toffoli foi quase às lágrimas ao destacar que Jair Bolsonaro segurava um exemplar da Constituição quando fez o seu primeiro pronunciamento após eleito, como se isso fosse garantia de alguma coisa. O presidente eleito, por sua vez, disse que a Constituição será o seu Norte. Para muita gente ele teria pretendido dizer América do Norte.

O evento, porém, cuja falsidade generalizada deve ter deixado o espírito de Ulysses Guimarães profundamente decepcionado, serviu para que os louvaminheiros babassem o presidente eleito. Serviu, também, para que Bolsonaro fizesse uma avaliação pessoal do seu poder, pois sentiu no salamaleque dos presentes o medo que hoje tem dele a Grande Imprensa e os tribunais superiores. Nesse clima, a ausência mais sentida foi a do futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, que já foi elogiado pelos ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello. O capitão, portanto, que chega ao Palácio do Planalto com o respaldo de mais de 30 milhões de votos, por enquanto não precisará se preocupar com a mídia e o Supremo, mas terá de agir com mais habilidade no trato com o Senado, que o seu futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, ameaçou com uma "prensa". Do contrário, não conseguirá a aprovação da malfadada reforma da Previdência, o seu primeiro grande teste na relação com o Congresso.

Bolsonaro, na verdade, ainda não conseguiu expor com nitidez os rumos do seu governo, pois suas declarações revelam um homem confuso, que não sabe exatamente o que fazer porque não tem plano de governo. Seus avanços e recuos em determinadas disposições, como a de fundir ministérios, por exemplo, evidenciam improvisos e falta de conhecimento não apenas dos problemas mais graves do país como, também, do funcionamento da máquina administrativa e política. Além da balbúrdia nas questões internas, entre outras coisas com o conflito de atribuições, o capitão também meteu os pés pelas mãos nos assuntos internacionais, provocando graves prejuízos econômicos ao país, antes mesmo de assumir, criando também atritos desnecessários. Parece que ele quer imitar Donald Trump, cuja estratégia adotou para conquistar a Presidência da República, mas esqueceu que o presidente norte-americano briga com todo mundo porque os Estados Unidos é uma das maiores potências do planeta. E, portanto, não pode fazer tudo o que o republicano faz, com grandes riscos para a paz mundial.

continua após o anúncio

Tem-se a impressão de que Bolsonaro se preparou para ganhar as eleições, movimentando-se desde a década de 90 inclusive em busca do apoio dos Estados Unidos, mas não teve a mesma preocupação em se preparar para governar o Brasil. É fácil perceber, pelas suas declarações, o seu despreparo para comandar um país de dimensões continentais como o nosso. A sua alternativa é nomear gente competente e politicamente habilidosa para os ministérios, o que não se conseguiu vislumbrar até agora. Ele associou, porém a sua imagem ao Exército, até agora considerado a instituição de maior credibilidade no país, o que pode atenuar as inevitáveis decepções dos seus eleitores, mas a presença de militares da reserva no seu governo não é garantia de sucesso. Isso pode ser positivo a curto prazo, mas a médio prazo, quando a população começar a sentir o fracasso de medidas como a reforma trabalhista, tal associação pode afetar a imagem do Exército, cuja credibilidade sofreu arranhões quando o general Villas Boas, até então considerado um militar moderado, pressionou o STF para manter Lula preso, colocando tanques à sua porta.

Na realidade, depois da entrevista que o general Villas Boas concedeu à "Folha de São Paulo", o Brasil começou a ver com mais clareza o comportamento do Exército nos acontecimentos que culminaram com a prisão do ex-presidente Lula. O general disse que no episódio do julgamento, pela Corte Suprema, do habeas corpus em favor do ex-presidente petista, teve de se manifestar porque estava no limite do controle. Ou seja, conclui-se que havia uma disposição no meio militar para dar o golpe caso Lula fosse libertado. E ele ainda acentuou: "Temos imparcialidade". Deve ser a mesma imparcialidade do juiz Sergio Moro. Constata-se, sem muita dificuldade, que os militares teriam estado sempre por trás dos atos do Judiciário, mais particularmente do Supremo, na "questão Lula", de modo a impedir a sua participação na sucessão presidencial e garantir a eleição de Bolsonaro. Em sua entrevista o general deixa, inclusive, a impressão de que se Bolsonaro não fosse eleito o golpe poderia ter acontecido. Diante disso, vale a pena perguntar: se, num rasgo de coragem, o Supremo decidir libertar Lula, o golpe se consumará? Como acreditar nas juras de amor e respeito à Constituição?

continua após o anúncio
continua após o anúncio

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247