Desprezo pelo meio ambiente, amor à lama

Quem realmente poderia supor que o capital está disposto a "aprender" e passar a gerir os seus interesses de sorte a evitar desastres derivados da ancoragem em ações calculadas apenas para maximizar lucros? Quem pode realmente supor que o capital, por suas próprias forças, adequará suas ações aos interesses humanos?

Desprezo pelo meio ambiente, amor à lama
Desprezo pelo meio ambiente, amor à lama (Foto: Adriano Machado - Reuters)


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A ruptura de uma barragem em Brumadinho (MG) é a versão do desastre provocado em 5 de novembro de 2015 pelo rompimento da barragem de Fundão, localizada no subdistrito de Bento Rodrigues, nas proximidades da mineira cidade de Mariana, local em que ocorreu o maior desastre ambiental da história brasileira. Ali a exploração era patrocinada pela Samarco Mineração S.A., empresa controlada por uma joint-venture formada pela Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton. A gestão da Samarco do desastre em Mariana não parece ter servido como aprendizado eficiente para a empresa. Contudo, quem realmente poderia supor que o capital está disposto a "aprender" e passar a gerir os seus interesses de sorte a evitar desastres derivados da ancoragem em ações calculadas apenas para maximizar lucros? Quem pode realmente supor que o capital, por suas próprias forças, adequará suas ações aos interesses humanos?

A Vale, então Vale do Rio Doce, é colosso empresarial, em seu momento privatizada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, mas logo se observa, mesmo sem o apoio da grande imprensa, o quanto realmente a privatização alardeada como remédio para todos os males sociais e econômicos – não necessariamente nesta ordem – realmente não passa de uma melodia sedutora para muitos, mas altamente danosa para absolutamente todos os indivíduos, excetuando os poucos controladores desta sonoridade nefasta. A Vale não é mais nobre ou ética em suas ações do que foi a Samarco, empresa que esteve envolvida em diversos "acidentes" ambientais em face de suas atividades de mineração, aliás, tampouco preocupada com o seu grave potencial de produzir altas perdas aos seus acionistas mais modestos, ao passo que altos ganhos a quem realizou as suas posições às vésperas da crise e lucrou com a queda das ações da Vale em 10% após a ruptura da barragem em Brumadinho.

As autoridades eleitas no último pleito, particularmente o Governador Romeu Zema, do Estado de Minas Gerais, não hesitou em declarar em novembro de 2018 a sua intenção de facilitar ainda mais a liberação de licenças ambientais para a operação das mineradoras. Esta a posição de Zema, cujo partido Novo revela compromissos muito antigos, colocando o capital acima da população e, chegado o momento, disposto a assumir que a lama produzida por estas mineradoras pode estar acima de centenas de vidas, pois o que importa é, exclusivamente, a (re)produção do capital, ideologia em escala maior que é objeto de dura naturalização como se não houvesse vida nem opções para além da ganância pura. Esta também é a ideologia do Governo Federal que enganosamente se autodeclara "sem viés ideológico", pois reforça uma e outra vez a sua pura condição ideológica ao prestar apoio a um violento militarismo neoliberal sem par.

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Nestes dias que imediatamente sucedem a gravíssima tragédia humana e ambiental de Brumadinho ouvimos falar dos muitos desaparecidos, algo na casa de duas centenas de pessoas aproximadamente, mas ainda sob o peso da incerteza de quantas realmente poderão ser salvas do mar de lama que a incúria unida à ganância sem contenção legal produziu. Em Mariana e Brumadinho um genuíno mar de lama varreu do mapa muitas vidas humanas, destruindo perímetros urbanos e rurais, contaminando o meio ambiente e hipotecando o futuro de tantas pessoas, e mesmo assim até o momento as empresas causadoras da tragédia não agiram para abordar e reparar os danos causados.

As inúmeras mortes que se prenunciam em Brumadinho definitivamente não foram obra de um evento natural, não se devem a um movimento imprevisível da natureza, mas sim à omissão e descaso com os estudos técnicos realizados sobre o estado das barragens derivados das pressões do grande capital sobre a esfera política. A privatização colocou a Vale em posição de agir sob a estrita lógica da lucratividade. O enorme poderio econômico põe a Vale em condição de evitar o delineamento político proposto pelas autoridades públicas com vistas a evitar as deletérias consequências da função maximizadora dos lucros a expensas dos cuidados com as pessoas e com o meio ambiente, potencialmente colocando em risco a segurança hídrica de milhares de pessoas.

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O poderio das mineradoras explica a ausência de normas ou de dispositivos eficientes para restringir seus interesses, capazes de articular recursos e grupos dispostos a impedir a aprovação de projetos de lei que dificultem as suas ações de exploração e as vias mais baratas de obter lucros, mesmo que sob o pressuposto de maximizar riscos humanos ou ambientais. Isto foi confirmado em seu momento pelo Deputado Estadual mineiro João Vítor Xavier (PSDB), Presidente da Comissão de Minas e Energia da Assembleia de Minas Gerais (ALMG), que após a tragédia anunciada de Brumadinho declarou que ao menos em duas ocasiões propostas legislativas foram travadas pelas mineradoras "[...] barrado por pressão das mineradoras, tenho certeza absoluta", pois "Elas preferem aumentar a margem de lucro a aumentar a margem de segurança".

Lamentavelmente é possível antecipar que o ciclo de trágicas destruições não foi encerrado aqui, senão que está em seu ápice, especialmente quando o presente Governo sinalizou recentemente o seu supino desprezo pelo meio ambiente, pois esteve na iminência de eliminar o Ministério respectivo, tendo apenas desistido da iniciativa política devido às repercussões nas exportações. Mantida a formalidade da aparência, o Ministro nomeado está plenamente de acordo com a ideologia anti-ambiental, pois possui trajetória convergente com a compreensão do Estado como mera instrumentalidade favorecedor das forças econômicas. Esta interpretação certamente não é isolada, senão que o citado deputado estadual peessedebista referindo-se às barragens alertava ainda em 5 de julho de 2018 que "Por tudo o que vi, eu não tenho dúvidas de que teremos rupturas". Este cenário desolador é projetável também em face de que o traiçoeiro processo de entrega dos recursos petrolíferos brasileiros e os contratos de exploração firmados com as petrolíferas estrangeiras retira a estas da posição de responsabilidade por eventuais acidentes ambientais.

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Sob governos autoritários e comprometidos exclusivamente com o grande capital morrem pessoas em quantidade, como moscas, desatendidas e sem socorro, vítimas diretas do descaso. A letra de Tássia Reis ilustra a dor do sofrer imposta por um arranjo social deste tipo em que a massa não é ninguém, exceto um número registrado para fins (re)produtivos: "Nem tudo é lícito, cada um tem seus meios / Uns correm pelo certo / Outros puxam tapete / Tirar o pé da lama assim é fácil / Pra muitos esse é o macete / Quero viver sem drama / Uma vida em abundância / Não é exuberância / Eu sei bem que passei na minha infância / Distância da destruição / Pra contemplar toda beleza da criação". Indiferentes ao povo, em regimes antidemocráticos os donos do poder não apenas compactuam como alimentam a proliferação da miséria. Eventos como os de Brumadinho são típicos destes modelos que não ocupam o poder para desempenhá-lo em prol da população, mas sim exclusivamente para maximizar funções de interesse econômico-financeiro. O mar de lama que se projeta sobre o Brasil quando não mata avassala os seus cidadãos.

O Brasil experimenta dias de verdadeiro curto-circuito, e de suas fagulhas não é possível antecipar cenário senão dos mais obscuros. O golpe veio para isto, para produzir duro impacto, desequilíbrio, desestabilização, choque, tormenta, pânico, desespero, um turbilhão temperado pela desesperança e a desilusão, que a tudo autoriza e aceita em troca de mínimas concessões a uma existência que já se passa a considerar como perdida em suas demandas mais básicas. O Brasil foi submergido nesta condição, e a grande motivação de seus articuladores é o pré-sal, que coloca o país nada menos do que nas primeiras posições dentre os produtores de petróleo mundial.

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A lamentar profundamente que Brumadinho seja o atual retrato do Brasil, dado ser produto da incúria e do descuido, do desrespeito à dignidade humana, do desprezo e do assalto das autoridades hoje em funções, derivadas de processo eleitoral cujo vício foi manifesto. A lama que escorre pelo Brasil é multidirecional, embora centrífuga em sua coordenação. A densidade desta lama que é capaz de matar provém de diversos canais, e aquele de Minas Gerais é apenas o último e fatal símbolo, que finalmente sufocará, tal qual bumerangue, aqueles que o lançam irresponsavelmente ao ar. A lama carregada de lixo e detritos tóxicos, logo seca, asfixia esperanças e elimina vidas, mas antes do que se possa imaginar também enrijecerá os corpos dos controladores do poder, expondo-os em sua última e verdadeira face torta e tortuosa.

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