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O Estado deve ser responsável por seus detentos

O condenado, por ser condenado, não perde seu status de pessoa humana. Parece (e é) uma obviedade, mas é preciso relembrar

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O STF decidiu, recentemente, que a discussão acerca da responsabilidade do Estado por morte de detento tem repercussão geral (como se vê aqui). O resultado de mérito, daí advindo, sepultará uma controvérsia que, em meu entender, não faz sentido desde a consolidação do constitucionalismo moderno. Afinal: a partir do momento em que chama a si o jus puniendi, à luz não mais de uma ótica medieval mas humanista, o Estado tem, por óbvio, responsabilidade pelo apenado.

Como dito, não era assim no passado. Veja-se o panorama trazido por Cesare Beccaria em "Dos delitos e das penas" (1764). Torturas e penas corporais eram a regra - o corpo era o "alvo principal da repressão penal", como diz Michel Foucault em "Vigiar e punir". A prisão, nesse contexto, era o meio de guardar os réus até o julgamento, apenas posteriormente se convertendo propriamente em pena privativa de liberdade. O movimento de inspiração liberal/ iluminista, de fins do século XVIII, que levou à primeira dimensão de direitos humanos - as liberdades clássicas - abrandou os costumes e colocou em xeque o antigo modelo. A essa primeira dimensão somaram-se outras (os direitos sociais etc.), e assim caminhou-se rumo à concepção de Estado Democrático de Direito.

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Contudo, não é preciso dizer que ainda agora, já avançados na primeira década do século XXI, as condições carcerário-penais não são lá grande coisa. As cadeias continuam sendo depósitos de seres humanos; lugares onde a promiscuidade e doenças vicejam. Daí a observação de Rogério Greco (leia aqui): "Veja-se, por exemplo, o que ocorre, via de regra, com o sistema penitenciário brasileiro. Indivíduos que foram condenados ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade são afetados, diariamente, em sua dignidade, enfrentando problemas como os da superlotação carcerária, espancamentos, ausência de programas de reabilitação etc. A ressocialização do egresso é uma tarefa quase que impossível, pois que não existem programas governamentais para sua reinserção social, além do fato de a sociedade não perdoar aquele que já foi condenado por ter praticado uma infração penal".

O cárcere, portanto, além de afrontar cabalmente a dignidade da pessoa humana - fundamento da República, conforme o art. 1º, III, da Carta - se mostra falido na sua proposta de ressocializar o delinquente. Mais do que isso, o efeito é inverso: o sujeito sai pior do que entrou. Seguramente não interessa a ninguém - mesmo àqueles, felizmente uma minoria, mas com espaço na mídia, que consideram direitos humanos para detentos um luxo - esse atual estado de coisas.

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O condenado, por ser condenado, não perde seu status de pessoa humana. Parece (e é) uma obviedade, mas é preciso relembrar. O crime não é um fenômeno metafísico alheio à realidade humana; ao contrário, está umbilicalmente incrustado nas relações sociais. Aumentar a pena não soluciona a questão, muito menos fazer da pena uma tortura infernal, a não ser que se queira devolver à sociedade bichos e não homens recuperados. Daí o acerto da fala de Enrico Ferri (cit. p. Soares, em "Causas da criminalidade e fatores criminógenos"), "menos justiça penal, mais justiça social".

Estando o apenado sob custódia do Estado, é evidente que o mesmo é responsável por protegê-lo. Havendo algo contra sua integridade física, nas dependências do sistema carcerário, estamos diante de caso de dano causado por omissão do Ente público, conforme ensina Diógenes Gasparini, "Direito Administrativo": "Em suma, o Estado responde, hoje, subjetivamente, pelos danos advindos de atos omissivos se lhe cabia agir (responsabilidade determinada pela teoria da culpa do serviço) e responde objetivamente, com fulcro no art. 37, §6º da Constituição Federal, por danos causados a terceiros decorrentes de comportamentos lícitos ou ilícitos, enquanto seu agente causador direto do dano responde, sempre, subjetivamente, consoante prescreve a parte final desse parágrafo".

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É a faute du service dos franceses: a falta, a falha, do serviço público, sua prestação inadequada, defeituosa. Aqui omissão não numa modalidade genérica (o que poderia eximir o Estado, dado o entendimento de não ser ele o "segurador universal"), mas específica.

Esperemos que o debate no âmbito do STF possa não apenas sepultar essa controvérsia (que não tem razão de ser, como se vê) como, por via reflexa, obrigue os Entes estatais a corrigirem suas péssimas condições carcerárias.

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