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Brasil

“Revogar lei de cotas raciais revela a miopia e o daltonismo social”

À TV 247, o advogado e professor de Direito Cleison Dias critica o conservadorismo da sociedade brasileira e discorre sobre os benefícios trazidos pelas cotas na educação

Sala de aula na UnB, primeira universidade federal a adotar sistema de cotas raciais (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
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Por Ricardo Nêggo Tom - O programa “Um Tom de resistência” colocou em pauta a revisão da lei de cotas raciais na educação superior. A lei, que foi sancionada em 2012, prevê que 50% das vagas em universidades e institutos federais sejam destinadas a estudantes de escolas públicas, sendo que metade desse total é reservado à população com renda familiar de até 1,5 salário mínimo por pessoa. Também ficou estabelecido que a norma seria revisada a cada 10 anos, sendo que as vagas destinadas para a cota racial seriam definidas de acordo com a proporção de candidatos pretos, pardos e indígenas da unidade federativa onde está situada a universidade. Em meio a isso, um projeto de lei apresentado em 2019 pela deputada federal Dayane Pimentel (PSL/BA), pede a revogação do critério racial da lei de cotas sob o argumento de que pretos, pardos e indígenas são iguais a todos perante a lei e não devem ser destinatários de políticas públicas com potencialidade de criar divisões e conflitos sociais entre os brasileiros. Para a estudante Rozana Barroso, presidente da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), a deputada expressa um “profundo desconhecimento da história e da realidade da população negra brasileira”.

A estudante entende que “obviamente, não só a deputada, mas também os apoiadores dessa ideia absurda e desse retrocesso gigantesco na educação, desconhecem a atual realidade da população negra, que é a maior da nossa população, e também a história do nosso povo que foi injustiçado durante séculos de escravidão. As cotas são muito importantes, porque nós não temos acesso às mesmas oportunidades, nós não temos, na maior parte das vezes, um quarto, um computador ou um celular para estudar em tempos de pandemia, como tiveram outros jovens que não são como nós. Somos nós que estamos nas terríveis estatísticas atingidas em tempo de pandemia por esse agravamento da desigualdade, somos nós que estamos no sinal vendendo jujuba, somos nós que estamos trabalhando para ajudar a mãe a comprar um botijão de gás que está custando 150 reais. Ou seja, a juventude negra não tem oportunidades. Muito menos, oportunidades iguais. Isso é uma distorção total da realidade. Sabemos que as cotas são fundamentais para garantir que esses jovens tenham acesso à educação, à concursos públicos, à uma perspectiva de presente e de futuro. Algo que nos é tirado todos os dias”.

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Para o advogado, professor e mestre em Direito pela UFBA, Cleifson Dias “esse tema está vindo à baila nesse momento, primeiro, por estarmos em uma sociedade conservadora, sobretudo, no âmbito jurídico. A lei diz que, a cada dez anos, o sistema será revisado e observando o seu êxito. Eu posso falar também do lugar de gestor, já que trabalhei na função e tenho formação na área, para dizer que toda política pública precisa se preocupar com o objetivo da política ali então instituída. O sistema de reserva de vagas através de uma política pública, nesse caso, afirmativa, vai naturalmente prever a instâncias, cortes de observação dos objetivos da política. Isso é normal e necessário. Inclusive, sob pena de crime de responsabilidade. Afinal de contas, é dinheiro público que está em jogo. A afirmação dessa deputada, e aí vem o segundo elemento que eu creio que explica muitas coisas, repete uma série de argumentos que foram propostos nos EUA dos anos 1960 e 1970, quando da implantação do sistema de cotas por lá. Essa resistência às cotas raciais, não somente corrobora com argumentos e estratégias vencidas, como apenas ressoa em um determinado campo político que dá eco a esse tipo de ideia”.

O jurista lembra que “sempre tivemos ações judiciais e projetos de lei que tentaram mitigar qualquer avanço social para grupos vulneráveis. No entanto, nós nunca tivemos uma quadra tão retrógrada e favorável ao conservadorismo, como estamos vendo agora. Ele também reforça a importância do debate em torno do tema, “para informar as pessoas sobre o que está acontecendo e para que isso não ganhe uma outra narrativa que não é verdadeira”. Cleifson Dias diz ainda que, ao evocar o princípio da igualdade como argumento para revogar a lei de cotas raciais, a deputada autora do PL manifesta “uma miopia e um daltonismo social, que a impedem de perceber que grupos sociais inteiros estão fora do sistema de educação, e, portanto, não há igualdade a ser defendida”. Rozana Barroso revela que nunca imaginou ter acesso à educação de forma plena. Ela conta que começou a trabalhar aos 13 anos de idade como camelô e achava que ali era o limite. Filha de empregada doméstica, a estudante explica que “tudo mudou quando conheci o movimento estudantil e a UBES, e por ela me apaixonei. Voltei a estudar, terminei o ensino médio, ensino técnico, hoje estou no pré-vestibular e cheguei a presidência da UBES. A partir dessa luta, eu conheci outras meninas com a história de vida parecida com a minha, que achavam que o único caminho para uma jovem negra é o subemprego, e que a partir do acesso à educação transformaram essa ideia”.

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