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Ideias

Desponta novo consenso positivo sobre a China na União Europeia

"De uma perspectiva global, esta crise está expondo todas as falhas e fraquezas estruturais acumuladas nas últimas décadas pelo Ocidente", escreve Fabio Massimo Parenti, professor de Estudos Internacionais e autor do livro Geofinança e Geopolítica, em artigo publicado no jornal Global Times

Bandeira da China é hasteada em Pequim (Foto: REUTERS/Tingshu Wang)
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Por Fabio Massimo Parenti, no Global Times 

Publicado: 14/4/2020 19:53:40

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Traduzido por Sylvie Giraud

Muitas autoridades europeias estão criticando a resposta fraca e descoordenada que a União Europeia vem dando à crise atual. Recentemente, o New York Times criticou o fracasso de Trump na gestão da crise. Embora a União Europeia e os EUA tenham registrado os casos de covid-19, não monitoraram suas populações e por longo tempo negaram a gravidade da crise potencial. Apesar dessa evidência, culpam a China por seu fracasso.

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Na tentativa de compreender as raízes profundas da atual crise Ocidental, sou levado a  elencar, de cara, uma lista de medidas macro absolutamente necessárias para a Europa: aceitar que a dívida pública possa ter uma função fisiológica para apoiar a economia real; eliminar as regras do Tratado de Maastricht; compartilhar dívidas e demonstrar solidariedade concreta às pessoas desfavorecidas e aos negócios; estabelecer regras que sempre colocarão em primeiro lugar as pessoas, e os lucros em segundo; harmonizar os métodos contábeis de cada país junto da União Europeia; proibir investimentos financeiros especulativos e promover apenas investimentos de médio e longo prazo. Com as ferramentas atuais, não há saída. Temos que abandonar a ideologia neoliberal e políticas que lhe estão associadas (por exemplo, a disciplina fiscal do Estado e o comércio especulativo). Em poucas palavras, precisamos de uma abordagem néo-keynesiana-marxista da economia política.

Crises múltiplas estão surgindo simultaneamente; é uma crise caleidoscópica, constituída por múltiplas frentes, incluindo saúde, economia, finanças, política e ideias. Escrevi em fevereiro que o desejo ilusório dos falcões ocidentais, de um possível "Chernobyl chinês", estava se transformando em um "Chernobyl Ocidental" ou em um novo "atoleiro Vietnã-Iraque". A situação de emergência decorrente da pandemia está afetando mais o Ocidente do que a China e vem confirmar os temores ocidentais sobre a “vacuidade da presença Ocidental".

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O Ocidente é uma categoria geográfica conceitual que desponta da história dos países hegemônicos ao longo das épocas modernas e contemporâneas. Um termo inventado para distinguir os “países de elite”, do resto do mundo. Uma categoria cultural proveniente das relações históricas entre as grandes potências, como Edward Said explicou claramente em seu livro “Orientalismo”. Os planos de dominação mundial são conhecidamente produtos da Europa e da América do Norte. No entanto, através de uma combinação de fases lentas e outras mais velozes, um mundo multipolar vem claramente emergindo nos últimos 30 anos. A crise atual está acelerando o que já estava em movimento.

Pondo de lado a má gestão de Trump na crise atual, se a União Europeia vier a declinar, o mundo será certamente menos Ocidental.

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Lendo o artigo do Financial Times, "Coronavírus: a Europa estaria perdendo a Itália?" ou a carta do Ministro das Relações Exteriores, Luigi Di Maio, endereçada ao mesmo jornal com o título, "Os Estados Membros da UE não devem cair na armadilha do orgulho e do patriotismo", fica claro que os partidos e pessoas na Europa, especialmente aqueles da Itália, estão questionando se a Europa é uma comunidade real. Muitos não acreditam que seja. Há uma grande mudança de perspectiva na opinião pública e dentre os representantes políticos em descrédito da UE. Por quê?

Isso se deve a uma série de fatores, dentre eles a lenta resposta da União Europeia à crise (e continuamos perdendo tempo!), a falta de solidariedade europeia com a Itália e a Espanha, que foram as primeiras atingidas pelo vírus, além de claras evidências de egoísmos nacionais. O presidente italiano Sergio Mattarella alertou sobre a falta de solidariedade da União Europeia. Outra voz pró-europeia, o ex-presidente do Conselho da União Europeia Donald Tusk, não deixou de salientar a perda de prestígio da União Europeia. O Ministro da Economia e Finanças da França, Bruno Le Maire, indagou: "Devemos permanecer juntos?" Se políticos moderados e partidos pró-europeus temem a situação atual, é inútil dizer que as chamadas "forças populistas e céticas" estão ganhando terreno na Europa.

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Pesquisas mostram que uma porção considerável da opinião pública europeia considera a participação na Comunidade Europeia como desvantajosa (quase 70% da população italiana de acordo com uma pesquisa recente da Tecnè poll). Ao mesmo tempo, a confiança em relação à China está suplantando a atribuída aos EUA. Recentemente, uma pesquisa divulgada pela SGW sobre as preferências dadas às alianças internacionais italianas classificou a China em primeiro lugar, com 36% e em segundo lugar os EUA, com 30%. A opinião pública em geral está mudando.

A integração institucional europeia foi um sonho, que evoluiu gradualmente. Infelizmente, tornou-se um pesadelo nas décadas pós-Maastricht, com a consolidação de um aparato neoliberal e monetarista, pré-requisito de sua maior expansão. Podemos continuar sonhando, mas sem fechar os olhos. A realidade da União Europeia é o oposto do sonho original. Não precisamos dessa Europa, a Europa da austeridade que já destruiu deliberadamente um país, a Grécia. Para demonstrar o quão errados estamos ao trilhar esse caminho, muitos estão clamando em favor de um futuro compartilhado, como comunidade. Isso implica reformas técnicas e, acima de tudo, culturais, como políticas de unidade fiscal de integração e redistribuição dirigidas pelo Estado. Talvez então poderemos evocar um posicionamento político internacional verdadeiramente autônomo da União Europeia, relacionado aos interesses europeus e não aos dos EUA. O que está em jogo vai muito além de um debate sobre o "coronabond".

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De uma perspectiva global, esta crise está expondo todas as falhas e fraquezas estruturais acumuladas nas últimas décadas pelo Ocidente. O esgotamento da força motriz da globalização Ocidental é cada vez mais evidente. Por outro lado, está emergindo uma clara força edificadora de globalização com características chinesas. Enquanto, durante décadas, a primeira promoveu um modelo global de liberalização e de privatização (sem contar uma série de crimes de guerra), a segunda tem sido instrutiva e está praticando mais interconexão entre os Estados por meio de estratégias de investimento e de cooperação voltadas para o desenvolvimento de regiões em dificuldade e processos de estabilização. Esses dois modelos seguem caminhos diferentes e muitas vezes antagônicos: unilateralismo versus multilateralismo, abordagem única versus o respeito às diferenças no trilhar do desenvolvimento, hipercompetição versus cooperação-benefício mútuo, interesses do capital versus interesses das sociedades, individualismo vs. coletivismo. Tantas idiossincrasias deram a luz a uma ideia alternativa de globalização.

Uma nova era está surgindo e a Iniciativa Um Cinturão, uma Rota, proposta pela China, será atualizada para fornecer respostas às questões de saúde e à coordenação de crises de gestão. Ninguém poderá fechar as portas a isso. Nesse sentido, um consenso mais amplo está surgindo na Itália em relação à China, o que reforçará a construção de uma comunidade de futuro compartilhado. Algo que precisamos; algo que nós, na Europa, estamos pedindo.

O autor é Professor Associado de Geografia / Estudos Internacionais (ASN), do Instituto Internacional Lorenzo de 'Medici, Florença. É membro dos think tanks CCERRI, Zhengzhou, e do EURISPES, além do Laboratorio BRICS, Roma. Seu último livro é “Geofinance and Geopolitics”, Egea. Siga-o no twitter @fabiomassimos

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