CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Ideias

Michael Hudson explica o capitalismo financeiro e aponta fim da globalização

O economista Michael Hudson, em entrevista, também aborda as consequências econômicas da guerra na Ucrânia

Ibovespa avança puxado por bancos e Petrobras e mira 83 mil pontos (Foto: REUTERS/Rahel Patrasso)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

O Destino da Civilização 

Michael Hudson fala sobre o capitalismo financeiro, as consequências econômicas da Ucrânia e o fim da globalização

Entrevista de 15/7/22, feita por Eric Draitser na Rádio CounterPunch e publicada em 9/8/22 no CounterPunch. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247.

A História do Capitalismo Financeiro

ERIC DRAITSER: Alô e bem-vindos à Rádio CounterPunch. Meu nome é Eric Draitser, obrigado por nos escutar, voltamos ao programa. Para os ouvintes que escutam este show pela primeira vez, sejam bem-vindos. Muito obrigado, nós realmente apreciamos o seu apoio. Se você quiser apoiar o CounterPunch, a melhor maneira de fazê-lo é fazer uma assinatura no CounterPunch Plus – desta maneira, você terá acesso a todos os nossos conteúdos exclusivos. Lembrem-se que esta é basicamente a antiga revista impressa, que agora está online. Nós descontinuamos a revista impressa e incluímos até mais conteúdos – porém publicamos online por trás de uma paywall, como todos estão fazendo atualmente – a revista está lá, para vocês. CounterPunch é diferente de outros espaços da esquerda online. Aqui você tem ideias concorrentes, perspectivas concorrentes – todas as quais são bem-vindas ao CounterPunch – e disponibilizar esta plataforma é algo que estamos fazendo há cerca de 30 anos. Se você aprecia isto, faça aquela assinatura da CP+ e também considere adquirir alguns livros da CounterPunch – incluindo as obras do maravilhoso autor que está aqui comigo hoje, cujo novo livro está disponível no CounterPunch e sobre o qual falaremos. Ele é o incomparável Michael Hudson, que está de volta conosco. Conversando com ele antes de começarmos a entrevista, me dei conta que devem ter passado uns sete anos desde que ele esteve neste show – portanto, esta é uma aparição dele que nos devíamos há tempos. Michael Hudson é o presidente do 'Institute for the Study of Long-Term Economic Trends' (Instituto para o Estudo de Tendências Econômicas de Longo-Prazo). Ele é um economista e autor. Todos vocês provavelmente já o conhecem pelo seu mais famoso livro, 'Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire' (Super-Imperialismo: A Estratégia Econômica do Império Americano) – que é um clássico que influenciou muitos a pensarem. E, logicamente, o seu mais recente livro, publicado pela CounterPunch: 'Destiny of Civilization: Financial Capitalism, Industrial Capitalism, ou Socialism' (O Destino da Civilização: Capitalismo Financeiro, Capitalismo Industrial, ou Socialismo') – disponível na CounterPunch. Bem-vindo de volta aqui, Michael Hudson. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

MICHAEL HUDSON: É bom estar aqui, Eric.

DRAITSER: Muito obrigado por me dar um pouco do seu tempo e por este importante livro – porque ele provê um tipo de perspectiva de longo-prazo que eu penso que nós realmente precisamos para compreender tudo que ocorreu do ponto de vista econômico, imagino, no período moderno. Então, comecemos falando sobre isto. O livro começou como uma série de palestras sobre a globalização dos EUA, o papel da China e o seu desenvolvimento, porém parece que se expandiu dali para incluir o tema do capitalismo financeiro versus o capitalismo industrial. Imagino que poderíamos começar dali e ouvir a sua explicação sobre esta justaposição. Quais são as diferenças? Como podemos compreender estas duas ideias?

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

HUDSON: A maioria dos livros-texto sobre o capitalismo industrial falam dele como se a função dos bancos fosse a de dar empréstimos às fábricas, para construir as suas instalações e adquirir equipamentos, contratar mais trabalhadores para produzirem bens e manter a economia funcionando – e isto é o que todos esperavam que os bancos fizessem no final do século XIX. Eles esperavam que os bancos deixassem de emprestar apenas aos governos e serem predadores; de alguma maneira, que eles se tornassem parte da economia industrial. E isto estava ocorrendo na Alemanha até a Primeira Guerra Mundial; porém, depois da Segunda Guerra Mundial, os rentistas revidaram. Os bancos se fundem com os negócios imobiliários. A luta da economia clássica e do capitalismo industrial era se desvencilhar da classe dos proprietários de imóveis, livrar-se de tudo que aumentasse o custo de vida dos trabalhadores – de modo que eles pudessem pagar menos aos trabalhadores; não para baixar o nível de vida dos trabalhadores, porque eles sabiam que, se você contrata trabalhadores e você quer ter trabalhadores de alta produtividade, eles têm que estar bem alimentados, bem educados, bem vestidos e ter boas habitações. Porém, com certeza nos EUA e na Alemanha, a classe industrial queria que o governo pagasse o mais possível destes custos. Eles queriam que os governos pagassem pela educação – e é isso que você tinha nos EUA. Na Inglaterra, eles queriam que o governo pagasse pelos serviços de saúde; foi um primeiro-ministro conservador, Benjamin Disraeli, que disse: “... a saúde é tudo, é isso que realmente devemos fazer”. Assim, havia saúde pública, havia aposentadorias públicas na Alemanha sob Bismarck para ajudar a construir a classe trabalhadora industrial. E o objetivo era transformar cada economia industrial em uma economia de baixo custo, livrando-se dos rentistas, livrando-se dos donos de imóveis. Não há necessidade de se ter uma classe que só coleta renda, sem contribuir à produção. Não há necessidade de uma classe de banqueiros, nem de monopolistas.

Bem, no final do século XIX todos pensavam que o capitalismo industrial estava evoluindo naturalmente para o socialismo, e que havia muitos tipos diferentes de socialismo: havia o socialismo cristão, o socialismo anarquista, o socialismo marxista, o socialismo das cooperativas; porém, sendo de uma forma ou outra, todos pensavam que o governo cobriria os custos dos monopólios naturais e das necessidades básicas. Tudo isso mudou após a Segunda Guerra Mundial; e mudou de verdade após 1980, com Margaret Thatcher e Ronald Reagan. E, àquela altura, a classe financeira havia se fundido com a classe dos negócios imobiliários, à medida que os senhorios foram eliminados, por causa dos impostos e toda a mudança política: se houvesse habitação ocupada por proprietários privados, isso era a democracia. Mas se você é um indivíduo, como é que você consegue ter uma casa? Você deve ir a um banco. Assim, enquanto o capitalismo industrial se livrava da classe dos senhorios, o capitalismo ainda tinha renda econômica; porém, ao invés da renda ser paga aos senhorios, agora ela passou a ser paga aos bancos, na forma de juros.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Na verdade, a maior parte da mais-valia econômica atual não toma a forma de lucros; ela toma a forma de pagamentos de juros e taxas financeiras. Na verdade, se você é uma empresa de cartões de crédito, as suas taxas e multas por atrasos rendem ainda mais lucro do que a taxa de juros; e o PIB e as contas de produtos tratam a as taxas e multas por atrasos e os juros como se fossem contribuições à produção, e eles contam todo o dinheiro que vai para os monopólios e para os senhorios como contribuições à produção e rendimentos, quando, na verdade, isso é uma transferência de pagamentos – é uma taxa de overhead, que é como os economistas clássicos tratavam de tudo isso.

Então, de alguma maneira, ao invés de ter o capitalismo industrial evoluindo ao socialismo, nós tivemos o capitalismo financeiro – cuja política não é a de elevar os padrões de vida, mas de impor um programa de austeridade tipo-FMI. E é isto que temos nos EUA atualmente, especialmente desde 2008 e o colapso financeiro. A economia dos EUA e a economia da Europa têm estado numa deflação da dívida, apesar do fato que os nossos preços estão aumentando; os preços que estão aumentando são os preços monopolistas da indústria da energia e preços monopolistas para os cuidados médicos. Porém, os lares de família são deixados com cada vez menos dinheiro depois de pagarem financiamentos, depois de pagarem seguros e depois de pagarem por habitação; elas têm cada vez menos dinheiro para gastar em bens e serviços. Então, é por isso que a economia está sendo espremida atualmente; o meu livro explica como esta transformação ocorreu. Nós não estamos num tipo de capitalismo que está nos livros-texto, e nem realmente aquele que Marx e os socialistas esperavam ver.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

No volume três do O Capital, Marx descreveu a estória de horror daquilo que aconteceria com o capitalismo financeiro; e depois ele expressou a esperança que “o capitalismo industrial evitará que isso aconteça e, afortunadamente, com o capitalismo industrial nós tornaremos os bancos parte do financiamento da produção real”. Mas não é isso que os bancos fazem. Os bancos dão empréstimos preferencialmente contra ativos e propriedades que já estão instalados. 80% dos empréstimos são para hipotecas de imóveis; o resto são empréstimos para especulações com aquisições corporativas, empréstimos que são garantidos por ações e títulos financeiros; obviamente, é nisso que o banco central estadunidense tem gastado US$ 9 trilhões só para cobrir ações e títulos financeiros e hipotecas-lixo e títulos-lixo. Então, estando tendo uma perversão de tudo que o capitalismo prometeu ser; e isto resulta em que o caminho para a escravidão, literalmente o caminho para a servidão, não é um estado forte, como Hayek disse, mas é um estado demasiado fraco para controlar o setor financeiro e guiá-lo para servir à economia como um todo.

DRAITSER: Michael, nós chegaremos aos meninos austríacos em alguns minutos; mas, antes de pularmos para a Áustria e algumas destas questões históricas maiores, eu quero só desviar do assunto por dois segundos só para ilustrar o ponto que você está fazendo agora – que desde 2008, nós estamos num período, como você mencionou, no qual o processo deste tipo de financeirização de ativos para extração de mais-valia chegou a um ápice, ou algo parecido, no qual as próprias instituições financeiras se tornaram literalmente senhorios de imóveis, comprando imóveis e depois alugando-os. Portanto, não se trata apenas de emprestar dinheiro para que os indivíduos tenham hipotecas, mas eles literalmente estão comprando os terrenos e os imóveis.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

HUDSON: Correto, e isto é o resultado, na sua maior parte, daquilo que ocorreu no governo Obama. Obama decidiu salvar os bancos e despejar sete milhões de famílias estadunidenses dos seus lares. Até então, 69% dos estadunidenses eram proprietários dos seus próprios lares; agora, isto baixou para 61% desde o ano passado e está caindo na direção de ser 55% - muito, muito menos que antes; e a razão disso é que Obama deu ordens ao banco central para reduzir as taxas de juro para um nível tão baixo, para manter o mercado de ações e o mercado de títulos financeiros – assim, o mercado imobiliário se inflacionou. Desde 2008, a política do banco central tem sido a de inflação de preços de ativos. Todos estes US$ 9 trilhões têm sido gastos apenas para sustentar as ações e os papéis financeiros (bônus do tesouro etc.) que estão nas mãos dos 10% mais ricos dos estadunidenses, que são proprietários de 72% do mercado de ações e uma grande parte do mercado de papéis financeiros.

Agora que as taxas de juros chegaram a zero por cento, você tem o surgimento destas empresas que você acaba de mencionar – como a Blackstone e as companhias de capital privado, e estas dizem: “Bem, nós não podemos ganhar o nosso dinheiro só dando empréstimos, porque as taxas de juros são tão baixas, graças ao Fed (Federal Reserve, o chamado “banco central” dos EUA). O que nós podemos fazer agora que a economia está sendo deflacionada pelas políticas pós-Obama é começar, nós mesmos, a comprar imóveis”. Você tem cada vez mais imóveis sendo comprados por companhias de capital privado, sem pegar empréstimos de dinheiro, porque eles dizem que não conseguimos nem ganhar tanto dinheiro, pois teríamos que pagar uma taxa de hipoteca; mas, podemos comprar propriedades e começar a monopolizar a propriedade e, agora que a classe financeira substituiu a velha classe de senhorios, nós podemos mudar e nos tornarmos a nova classe de senhorios de imóveis. Você tem razão, é isso exatamente o que está ocorrendo. Os aluguéis estão aumentando, as taxas de pessoas sem teto estão aumentando e os despejos estão aumentando aqui na cidade de New York. Se você usar o metrô, você encontrará lá muitos sem-teto dormindo nos bancos. Os acampamentos de sem-teto estão surgindo em todos os lugares dos EUA, quando isto está acontecendo.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

DRAITSER: Então, o seu livro fala muito sobre a financeirização e há uma palavra usada, e talvez usada demais, no nosso léxico moderno, que eu penso ser relevante aqui e lhe pediria para defini-la, para nos ajudar, porque às vezes ela é tão nebulosa. Neoliberalismo; nós ouvimos o termo neoliberalismo de novo e de novo. Políticas neoliberais, etc. O que é neoliberalismo? Você poderia defini-lo para nós, ou seria apenas um sinônimo para a economia financeirizada? Ou será que haverá mais nisso? Se tratará do fluxo internacional de capitais? Como você definiria o neoliberalismo?

HUDSON: Bem, neoliberalismo sempre significou livrar-se do estado. Isso quer dizer, reduzir o estado. Os liberais do século XIX queriam se livrar do estado quando este era controlado pela classe de senhorios de imóveis. A Câmara dos Lordes da Inglaterra, a câmara superior do parlamento na Europa. Ou o Senado dos Estados Unidos. O liberalismo tinha que se livrar da classe hereditária do monopólio dos senhorios, para conseguir ter um mercado livre; porém, o neoliberalismo reverte isso. O neoliberalismo diz: “nós queremos nos livrar de cada estado que seja forte o suficiente para regular as finanças, regular os monopólios, ou de proteger o interesse público contra a classe rentista”. Então, o neoliberalismo é a contrarrevolução contra a economia clássica e contra toda a dinâmica do capitalismo industrial que estava tentando se livrar da classe rentista. É basicamente uma contrarrevolução.

DRAITSER: Então, isso seria Milton Friedman empurrando para trás John Maynard Keynes, ou isto é uma simplificação exagerada?

HUDSON: Não, basicamente é isso mesmo. Quando Friedman disse que “as corporações não devem levar em conta o interesse público”, ele acrescentou que “o próprio governo não deve levar em conta o interesse público. A função do governo”, disse ele, “é simplesmente deixar que todos ganhem tanto dinheiro quanto possam, de qualquer maneira que possam”. Obviamente, os grandes defensores do neoliberalismo são os criminosos! As quadrilhas! Os gangsters! Porque eles não querem a polícia. Bem, os monopolistas não querem a polícia regulatória antitruste. As empresas farmacêuticas não querem qualquer tipo de políticas anti monopólios. Essencialmente, você tem aquilo que é chamado de mercado livre. Um mercado livre significa que as pessoas mais ricas que dominam o mercado e suprem o crédito, o gerenciamento da economia que aloca créditos e quem recebe o quê, mudaria de Washington para Wall Street. Isso deveria mudar do governo para o setor financeiro, e o setor financeiro essencialmente deveria fazer o planejamento. Bem, o problema com isso é que o setor financeiro vive no curto prazo. Então, o neoliberalismo significa que se planeja somente para os próximos três meses, para o balanço do próximo ano, porque o mercado livre é tão complexo que você não sabe o que acontecerá. Obviamente, se você imagina isto estando em Wall Street, você sabe o que acontecerá, mas você não quer contar para as pessoas exatamente o que vai acontecer.

DRAITSER: Então, o neoliberalismo e a financeirização estão intimamente entrelaçados desta maneira? Será que um pode existir sem o outro?

HUDSON: É o setor financeiro que empurrou o neoliberalismo, porque o setor financeiro quer evitar que qualquer governo controle o fornecimento de crédito. Compare só o sistema dos EUA ao sistema da China, por exemplo, O que torna a China única é fazer o que o capitalismo industrial do século XIX esperava que acontecesse. O governo cria o crédito e, ao criar dinheiro e o crédito com o Banco da China, isso cria crédito para gastar na economia. Para construir ferrovias de alta velocidade. Para construir habitações. Os bancos da China não ganham dinheiro para fazer incorporações de empresas nem para propósitos especulativos, mas para a economia real. Essencialmente, o neoliberalismo tenta ganhar dinheiro financeiramente, porque esta é a maneira mais rápida de fazê-lo. O neoliberalismo focaliza em criar crédito, não para criar novos meios de produção, mas para comprar meios de produção existentes. Isso começou já antes da Primeira Guerra Mundial. Quando o Federal Reserve (banco “central” dos EUA) foi criado, ele tomou os recursos do tesouro dos EUA, todas as funções que o tesouro tinha. O Representante do Tesouro sequer era admitido no Federal Reserve. Basicamente, tudo foi transferido para Wall Street, Filadélfia e Boston, e outros centros financeiros.

Então, naquela época os bancos eram conhecidos como as “Mães dos Trustes”. Se você quisesse ganhar dinheiro financeiramente, você compraria todas as várias empresas de cobre e você faria um fundo (trust) de cobre. Você faria a fusão deles, você compraria todas as aciarias e faria um fundo (trust) de aço e cobraria preços de monopólio. A maneira mais fácil de ganhar dinheiro não é produzir algo, mas ser um extrator de renda, um monopolista, e conseguir uma posição na qual as pessoas devam comprar o que você está produzindo e não há qualquer agência regulatória que lhe impeça de cobrar o que você quiser para as necessidades básicas – como se vê nos serviços de saúde, na educação e tudo que leva a economia a contrair dívidas. Então, o efeito do neoliberalismo é levar cada vez mais famílias a ter dívidas. Quanto mais dívidas elas têm, tanto menos dinheiro elas têm para gastar em bens e serviços. Assim, acabamos parecendo um país que tem que pegar empréstimos do FMI e entrar num programa de austeridade.

DRAITSER: Você tocou no assunto, mas agora vamos explorá-lo um pouco mais. Você pode explicar um pouco como o período Reagan/Thatcher estabeleceu o fenômeno que você está descrevendo? Como é que isso colocou tudo em 'overdrive'?

HUDSON: Comecemos pela Inglaterra. Após a Segunda Guerra Mundial, o governo da Inglaterra realizou um enorme programa de habitação pública. Eles desenvolveram a maior parte dos serviços básicos como empresas públicas, de modo que pudessem prover serviços de telefonia, serviços ferroviários e de habitação a um preço baixo. Thatcher disse “vamos vender tudo” e a primeira coisa que ela vendeu foi a British Telephone (telefonia britânica). Ela vendeu a empresa a um preço tão baixo, que permitiu que todos os clientes comprassem algumas ações e poderiam duplicar o seu dinheiro da noite para o dia, porque eles rebaixaram as ações que eles venderam da empresa. Obviamente, os grandes subscritores de ações ganharam comissões enormes. Os subscritores e os bancos – que prometeram que você ganharia um valor X pelas ações vendidas, eles geralmente ganham uma comissão de US$ 3 por ação, que se duplicou para US$ 6 por ação no dia seguinte e US$ 12 por ação no próximo dia. Todos os bancos mais ricos ganharam enormes fortunas. Então, Thatcher disse: “vamos privatizar as habitações. Vocês podem vender todas as habitações públicas.” Subitamente, ao invés das habitações estarem disponíveis para as pessoas por aluguéis baixos que elas podiam pagar, todos começaram a agarrar os imóveis que agora estavam tão caros, que os trabalhadores em Londres não conseguiam mais viver em Londres; eles tiveram que viver fora de Londres – e isto significou que eles tinham que pegar um trem ou um ônibus para chegar à cidade.

Pouco tempo depois que Thatcher assumiu o seu mandato, a senhora mais rica da Inglaterra era a filha de um motorista de ônibus, porque Thatcher privatizou as linhas de ônibus. O pai dela, um dos motoristas de ônibus, conseguiu pegar dinheiro emprestado para comprar a empresa de ônibus, comprar o controle de uma empresa muito pequena de ônibus. O que ele fez foi vender o terminal da linha de ônibus – que era muito conveniente, porque ficava no centro de Londres, de modo que todos podiam usá-lo para chegar em qualquer lugar - para especuladores imobiliários; ele ganhou dinheiro suficiente para repagar o empréstimo que tinha contraído e para comprar a linha de ônibus, e transferiu o terminal para fora de Londres, de modo que as pessoas tinham que fazer uma longa viagem para chegar à linha de ônibus; e ele comprou todas as várias linhas de ônibus e, de repente, ficou muito mais difícil pegar um ônibus na Inglaterra. Obviamente, uma vez que a linha de ônibus foi privatizada, eles eliminaram todos os serviços para as áreas suburbanas de Londres que não produziam lucro; assim, não havia muitos ônibus chegando a muitos lugares. O mesmo ocorreu com as ferrovias. Eles privatizaram as ferrovias. Os serviços ferroviários decaíram muito e os preços das passagens se triplicaram. Ao privatizar os serviços públicos, você adiciona não só um enorme monopólio de renda, mas você também adiciona uma enorme taxa de juros, porque você adiciona os financiadores, os quais diziam: “Vamos comprar esta ferrovia, vamos comprar esta linha de ônibus, vamos comprar isto.” Os bancos emprestavam dinheiro aos especuladores ou aos incorporadores espertos, ou aos invasores financeiros para comprarem estas grandes empresas, e eles compravam imediatamente um serviço público – como uma empresa de eletricidade ou de água que estava vendendo água a um preço baixo. Eles triplicavam ou quadruplicavam, ou às vezes aumentavam os preços por 10 vezes. Assim, todos os preços ficaram tão altos que a Inglaterra foi desindustrializada. Uma coisa parecida ocorreu nos EUA no governo Reagan. Ele começou a privatizar tudo que era possível. Quando ele privatizava uma empresa, ele não só a privatizava; elas eram vendidas pelo valor que faturavam, numa espécie de múltiplo dos seus ganhos, numa razão preço-ganhos, porém então Reagan desregulou tudo. Eles se chamavam os Loucos de Utah. A senhora Gorsuch, a mãe da Suprema Corte de Justiça dos EUA, queria desregular absolutamente tudo, doar o domínio público, deixar as madeireiras cortarem as florestas sem custos, deixar as empresas de petróleo extraírem sem custos. Aquela foi a bonança da classe rentaria. Foi uma bonança para os extratores de renda. O custo de vida subiu até o alto. A mesma coisa foi feita com os bancos. Os serviços bancários foram desregulados e a primeira coisa que ocorreu foi uma fraude gigantesca nos serviços de poupança e empréstimos. O máximo de dinheiro em serviços bancários que se pode ganhar com fraudes.

Meu colega em Kansas City, Bill Black, escreveu um livro: 'The Best Way to Rob a Bank is to Own One.' Ele foi um dos promotores públicos da crise das poupanças e empréstimos. Daí, então, Reagan nomeou um lobista corporativo, Alan Greenspan, como chefe do Federal Reserve; ele essencialmente se recusou a regular os bancos. Ele disse: “Não seria lucrativo um banco ser desonesto, porque então as pessoas não o usariam”. Bem, se um banco é desonesto e você é um ladrão, este é o banco que você vai querer usar! Você vai dizer: “Vou comprar dinheiro, de modo que eu possa comprar esta indústria, triplicar os preços e causar danos à economia. É assim que eu quero ganhar dinheiro.” E não havia fiscalização. Não havia qualquer ideia sobre o interesse público. E é isso que o neoliberalismo é. Se o neoliberalismo significa que não há governo, então não existe uma agência pública que está protegendo o interesse público e tentando moldar o mercado para servir à elevação do padrão de vida, baixando o custo de vida e promovendo o crescimento industrial. Aí você tem a reversão daquilo que a vida era antes do capitalismo e é algo parecido com um neo-feudalismo.

DRAITSER: Eu serei muito injusto e vou lhe fazer uma pergunta grande; vou lhe pedir para tentar respondê-la em pouco tempo, mas você mencionou alguém muito importante no livro, e é alguém que eu penso ser desconhecido por muitos dos nossos ouvintes e espectadores contemporâneos: trata-se de Joseph Schumpeter. Você fala sobre Schumpeter e a ideia da destruição criativa, e este é um dos princípios do capitalismo que eu penso que precisa ser compreendido e discutido a fundo. Como é que a destruição criativa se relaciona com a nossa compreensão tradicional daquilo que poderíamos chamar de economia clássica, ou economia ortodoxa; a segunda parte disso é: como é que o sistema capitalista financeirizado inverteu o conceito de destruição criativa?

HUDSON: Schumpeter tentou colocar as ideias de Marx em uma linguagem de classe média, sem o matiz socialista nelas. Marx disse que “o capitalismo industrial foi uma competição a custo baixo”; e Marx disse que “o capitalismo é revolucionário” e que o que era revolucionário era livrar-se de todos estes custos falsos de produção, os custos desnecessários. A sociedade não precisa de senhorios para produzir. Na verdade, ela não necessita de banqueiros, só para fazerem empréstimos improdutivos. Ela não necessita de monopólios. Os países industriais lutam uns contra os outros para reduzir o custo de produção, de modo que os seus trabalhadores possam custar mais barato do que outros trabalhadores. Na sua maior parte, isto é feito quando o governo paga o custo, como eu mencionei. Veja, quando a indústria do aço nos EUA foi construída, o chefe da US Steel construiu apenas uma fábrica; e daí, de repente, eles ficaram sabendo que os alemães estavam construindo a sua fábrica. Aquela fábrica nova que eles haviam recém-construído foi desmanchada e uma nova fábrica técnica moderna foi construída. Schumpeter disse: “à medida que a ciência avança, o capital se torna cada vez mais produtivo com tecnologias mais avançadas” - isso é considerado na produtividade dos trabalhadores estadunidenses. Mas ele diz que “há novas maneiras de se organizar o capital e, então, você tem uma nova indústria, e uma nova empresa, que vai adotar a nova tecnologia e reduzir o preço pelos quais as empresas antigas vendiam, e serão os inovadores que acabarão vender mais barato do que a velha guarda que não inovou; isso vai baixar o custo e é assim que o capitalismo avança – diminuindo custos. O que você está destruindo é a velha tecnologia que na verdade não se paga mais”.

Quando Marx falava sobre a destruição criativa, na verdade ele quis dizer destruição criativa. Em outras palavras, você está destruindo toda uma economia que tinha uma classe de rentistas. Schumpeter só falou sobre destruição criativa tecnológica; ele não virou socialista, nem disse: espere um minuto, o que na verdade você está fazendo como nação é competir com outra nação para minimizar o custo de produção, ao livrar-se da sua classe da mais-valia, livrar-se dos senhorios, livrar-se de todos que não improdutivos e livrar-se dos gastos militares, com efeito. Então, de repente, aquilo que os neoliberais adotaram foi a palavra destruição. Eles disseram que a destruição era algo bom. Uma das maneiras pelas quais nós podemos reduzir custos é desindustrializar os Estados Unidos. Os trabalhadores estadunidenses ganham demais. Vamos reduzir o custo do trabalho. O que nós realmente queremos é exatamente aquilo que o chefe do Federal Reserve quer fazer: causar o desemprego. Marx chamou isto do exército de reserva dos desempregados. Nos anos de 1980 e, especialmente, no governo de Clinton nos anos de 1990, eles disseram: “Nós podemos causar o desemprego permanente, de modo que o capitalista possa realmente ter um custo baixo do trabalho; vamos levar tudo para a China e a Ásia, onde há custos baixos de trabalho”. Assim, o que a destruição criativa significava para os neoliberais era “vamos destruir a economia industrial dos EUA e poderemos ganhar dinheiro ao transferir a produção para a China”. A China será a inovadora, tendo trabalhadores mais baratos e que não custam tanto quanto os trabalhadores nos EUA. Isto transformou a ideia de destruição criativa de algo que impulsiona as economias a ter mais produtividade, para a desindustrialização – deixando uma economia esvaziada nos EUA.

DRAITSER: A outra parte daquilo que deveria ser assinalado é o fato que agora você tem uma economia na qual há milhares, talvez dezenas de milhares de companhias e vários outros empreendimentos que deveriam ter sido destruídos há muito tempo, porém continuam a existir como estas entidades-zumbis que se alimentam do capital.

HUDSON: Muitos destes zumbis são zumbis devido às dívidas que eles assumiram. Tem havido tantos saques corporativos – esta é a outra coisa que ocorreu no governo Reagan. Antes dos anos de 1980, os bancos não emprestavam dinheiro para saques corporativos, isso não era considerado muito bom. Porém, Drexel Burnham a sua empresa jurídica Skadden & Arps disseram: “Vamos começar a tomar empréstimos para comprar empresas; essencialmente, nós podemos saqueá-las por lucro.” Eu entro em grandes detalhes neste ponto, como fiz no meu livro anterior 'Killing the Host' e isto se tornou uma aquisição predatória, não uma aquisição produtiva. Os bancos não emprestavam para criar novas empresas; eles criavam dívidas para adquirir empresas e a dívida era adicionada às despesas da empresa, as quais se adicionava aos custos de produção – exatamente o oposto da destruição criativa e de reduzir custos sobre os quais Schumpeter falava. A destruição criativa sobre a qual falava Schumpeter tratava de reduzir custos. A destruição criativa de Reagan e do neoliberalismo é destruir empresas ao adicionar custos e, depois, deixá-las ir à falência depois que você já as saqueou e repagou todo o capital delas para você mesmo.

O Fim da Globalização

DRAITSER: Deixe-me só reiterar o ponto do CounterPunch: você pode adquirir um eBook do 'The Destiny of Civilization: Finance Capitalism, Industrial Socialism, or Socialism'; caso você seja como eu e queira desesperadamente ter um livro físico de capa dura para levar consigo à praia e para manchá-lo com bebidas e tudo o mais, então você deve adquirir uma cópia de capa dura online em qualquer lugar onde puder encontrá-lo – porque estes livros são essenciais, na verdade todos os livros de Michael Hudson são essenciais; então, eu recomendo que você faça isso. Muito bem, Michael, voltando à nossa conversa. Eu quero mudar de marcha um pouco e falar sobre a economia global financeirizada, mas, especificamente, como esta considera a dívida. Qual é o papel que a dívida desempenha nesta economia global financeirizada – porque hoje em dia a dívida funciona de uma maneira muito diferente do que era historicamente, não é assim?

HUDSON: Historicamente, há um século, a teoria era que, se você contrai uma dívida, esta pode ser paga investindo as receitas de maneira produtiva para ganhar dinheiro suficiente para pagá-la. Adam Smith disse que a taxa de lucro geralmente é duas vezes a taxa de juros, porque você, quando você tem um lucro de US$ 100, você paga a metade disso, US$ 50, ao banqueiro ou ao investidor, e lhe restam 50% de lucro para compartilhar com o credor. Porém, agora, efetivamente a dívida não é criada para gerar uma receita. Se você compra uma casa para morar nela, isso não se adiciona à sua renda. Se você pega emprestado de um cartão de crédito, isso não lhe capacita a ganhar mais. Ou, se você for um país do Sul global, um país latino-americano, o FMI lhe emprestará dinheiro para ajudar os cleptocratas domésticos a ganhar dinheiro do país antes de haver uma desvalorização; então, quando você desvaloriza, de repente você está em apuros.

Seja como for, as pessoas tomavam dinheiro emprestado para comprar casas, porque na economia atual e segundo as regras do capitalismo financeiro, você não fica rico ao obter lucros. Quase toda a riqueza dos estadunidenses mais ricos e dos europeus mais ricos não existe porque eles economizaram dos seus salários; eles tiveram lucros com ganhos de capital. E eles têm ganhos de capital porque os bancos emprestam tanto dinheiro para os negócios imobiliários. Uma casa vale seja lá o que for que um banco vai emprestar; e os bancos estão emprestando cada vez mais do que o valor da casa a qualquer um que esteja disposto a lhes pagar mais. Assim, o capitalismo financeiro não acrescenta coisa alguma à produção, não acrescenta aos lucros; ele acrescenta mais riqueza em papel, ao inflacionar os preços das ações, inflacionar o preço dos papéis financeiros e inflacionando os preços das habitações. Suponhamos que você é um país do sul global na América Latina. Veja o que acontecerá neste verão: os preços do petróleo estão subindo muito porque o governo Biden impôs sanções contra o petróleo e o gás russos; isso deixa o controle do comércio mundial de petróleo nas mãos das empresas de petróleo dos EUA e estas aumentam enormemente os seus lucros. O mercado de ações pode estar caindo, enquanto as empresas petrolíferas to. Biden também disse que você não pode comprar grãos da Rússia, então os preços dos grãos sobem vertiginosamente – e este é um dos pilares da balança de pagamentos dos EUA: a exportação de grãos. Pense sobre os EUA como sendo, essencialmente, um posto de gasolina e uma fazenda com bombas atômicas. Eu penso que é assim que John McCain descreveu a Rússia, porém ele estava descrevendo os Estados Unidos. Muito frequentemente, quando você acusa um país de ser algo, você está acusando à sí mesmo.

Então, os EUA estão ganhando fortunas com os preços do petróleo e dos grãos, e está aumentando as suas taxas de juros, enquanto diz aos outros países – como a Inglaterra e o Japão – para manter baixas as suas taxas de juros, de modo que o dólar dos EUA se torne muito mais caro em relação às moedas européias, inglesa, sul-africana e de outros países do terceiro mundo. Como é que estes países vão pagar as suas dívidas? Como é que eles se virarão até este mês de setembro? Eles têm uma escolha. Se eles comprarem quantidades suficientes de alimentos para evitar a fome, se eles comprarem dos EUA energia e petróleo suficientes aos preços mais altos para operar as suas fábricas e manter as suas luzes acesas durante a noite, então eles não conseguirão pagar todas as dívidas em dólar que tomaram emprestado. Estas dívidas em dólares foram simplesmente emprestadas aos governos. Eles não emprestam às empresas nem aos governos para estes construírem mais meios de produção, para ganhar dinheiro para repagar a dívida. Estes empréstimos foram feitos ao custo de dizer ao governo para fazer algo para ganhar o dinheiro para nos repagar, e o FMI aconselhou os governos “ganhem dinheiro proibindo os sindicatos; ganhem dinheiro reduzindo salários e desvalorizando a sua moeda.” Porém, o que você na verdade está desvalorizando é o custo do trabalho, porque há preços fixos no mundo para materiais, todos pagam o mesmo preço para maquinaria, todos pagam o mesmo preço para o petróleo. Uma desvalorização significa que você está baixando só o preço do trabalho e o está espremendo. Portanto, vai haver uma enorme contração do preço do trabalho e, portanto, haverá uma crise política na América Latina, na África e boa parte da Ásia. O que vai acontecer neste outono (no hemisfério norte) é que os países vão decidir: nós queremos seguir usando o padrão-dólar dos EUA e continuar a pagar dívidas com ele e empobrecer o país, ou queremos entrar no novo banco dos BRICS que a China e a Rússia eu O Irã e outros países estão criando juntos?

Você está tendo toda uma divisão do mundo em dois sistemas econômicos opostos. A China não é uma rival para os EUA. Os EUA não estão tentando se industrializar como a China está. Os EUA estão tentando se desindustrializar e ganhar dinheiro financeiramente. A China não está tentando ganhar dinheiro financeiramente. Ela está tentando desenvolver a sua economia e a dos países aliados a ela na Iniciativa das Novas Rotas de Seda (Belt and Road Initiative) para produzirem mais. Então, pela primeira vez, você tem uma escolha: você vai ter o capitalismo industrial se desenvolvendo para o socialismo, como as pessoas esperavam que fosse há um século, ou você vai ter um capitalismo financeiro neoliberal ao estilo estadunidense – o qual lhe fará ficar cada vez mais pobre e vai lhe impor programas de austeridade? 

DRAITSER: Logo voltaremos à questão do dólar dos EUA em um minuto. Mas eu quero terminar esta questão da dívida. Você descreve a dívida e falou sobre ela nos seus termos econômicos, o que é obviamente uma questão crítica; porém, a dívida também é uma arma política. Ela é uma das armas políticas básicas que tem sido usada pelos EUA. Você fala sobre ela no livro sobre o Super-Imperialismo e também em alguns dos seus outros livros. Você pode explicar como a dívida se torna uma arma política? Você mencionou o FMI a austeridade, isso é um exemplo óbvio. Quais são algumas das maneiras pelas quais os EUA e outras ex-potências colonizadoras estão usando e têm usado a dívida como uma arma?

HUDSON: Neste momento, ao seguirem a estratégia de investimento do Banco Mundial e dos EUA, os países nem sequer conseguem zerar as suas balanças de pagamento. Então, a fim de evitar a desvalorização das suas moedas, eles têm que pegar emprestado do FMI. E o FMI não emprestará a um governo de esquerda. A grande explosão dos empréstimos do FMI agora é para a Ucrânia. Eles emprestaram dinheiro à Ucrânia, mas não emprestaram dinheiro para os esquerdistas da Argentina. Porém, agora que a Argentina teria um direitista chefiando o FMI, o FMI emprestará dinheiro para países que apoiam oligarquias-clientes de direita, e se parece que haverá uma eleição e a oligarquia-cliente será derrotada porque as pessoas votam nos socialistas, então a grande oligarquia transferirá o seu dinheiro da sua moeda nacional para o dólar dos EUA ou para outras moedas estrangeiras.

Então, o FMI emprestará dinheiro suficiente ao governo de direita para manter a moeda deles suficientemente valorizada, de modo que a sua oligarquia possa transferir o seu dinheiro para fora da Venezuela, ou da Argentina, ou especialmente do Brasil, a uma taxa alta; assim, quando o governo socialista tome o poder, o FMI não lhes emprestará dinheiro. Os bancos se juntarão num assalto monetário contra estas moedas, e a moeda se desvalorizará, criando uma crise; e o FMI dirá: “Vocês veem que isso é o socialismo; quando você não tem um neoliberal governando, é isto que acontece.” Assim, de repente, os dólares que o Brasil, ou a Argentina, ou a Venezuela – que eu deveria ter mencionado – pegaram emprestado, de repente eles têm que pagar muito mais na sua moeda doméstica para repagar as dívidas em dólar e, se eles não conseguirem repagá-las, então os detentores de títulos financeiros podem tomar quaisquer propriedades que eles tenham. No caso da Venezuela, o FMI se recusou a emprestar dinheiro à Venezuela porque eles disseram “vocês são um governo socialista, nós não vamos emprestar dinheiro à vocês, nós só emprestamos para governos de direita.”.

O governo estadunidense tomou as propriedades das empresas de distribuição de petróleo da Venezuela nos EUA. A Inglaterra tomou as reservas de ouro da Venezuela e os EUA disseram “Vejam, nós somos à favor da democracia e contra a autocracia. Nós somos a democracia no mundo, nós é que dizemos quem é o presidente da Venezuela, porque nós o elegemos, porque nós somos os EUA e é por isso que nós somos um país especial. E nós nomeamos o Sr. Guaido, que não tem muitos votos domésticos, mas nós queremos que o Sr. Guaido seja o Boris Yeltsin da Venezuela – que prometeu vender todos os seus recursos aos Estados Unidos.” E, assim, eles simplesmente tomaram o dinheiro da Venezuela, assim como tomaram todas as reservas russas de moedas estrangeiras no Ocidente”. Então, a Venezuela não podia pagar a sua dívida externa e, como resultado disso, ela não consegue crédito para financiar o seu comércio e investimentos, porque quase todo o comércio e o investimento é como comprar uma casa – tudo é feito com crédito. Se pressupõe que a ideia seja que o crédito lhe capacitará a investir em mais produção, e você ganhará lucros com isto; ou, for uma infraestrutura governamental, a economia crescerá e você terá rendas suficientes de impostos para pagar o credor. Porém, não é isso que está ocorrendo, de maneira alguma. Isto é o inverso de tudo o que está nos livros-texto. Então, nós estamos num mundo ao avesso, no qual o que os livros-texto falam está desatualizado em 100 anos. Eles não falam sobre crédito predatório. A presunção é que todas as dívidas podem ser pagas se você diminuir suficientemente os salários e o nível de vida para pagar os 1% superiores. 

DRAITSER: Você já tocou um pouco nisso, mas eu gostaria que você entrasse mais a fundo e explicasse o papel específico do dólar estadunidense numa economia global financeirizada. Nós sabemos que esta é a moeda global de reserva, o petróleo é comercializado em dólares etc. Há muitas conversas advindas de muitas fontes, tanto na esquerda quanto na direita, sobre um afastamento do dólar na direção de um sistema econômico bifurcado. Eu sou um pouco cético sobre isso, pelo menos a curto prazo. Se você observar alguns números, 72% das reservas globais retidas por todos os países eram em dólares e agora elas são algo como 66%. Então, este é um processo extremamente lento que estamos testemunhando, porém está ocorrendo. A minha pergunta é: Qual é o papel do dólar na economia global financeirizada moderna e qual será o papel do dólar, dadas todas estas mudanças – do tipo da divisão Oriente/Ocidente – que nós estamos vendo?

HUDSON: Isso é realmente o que o meu livro 'Super Imperialismo' trata, mas eu o resumi a sua forma econômica no livro 'The Destiny of Civilization'. Toda a hegemonia do dólar começou em 1971, quando os EUA abandonaram o sistema ouro. Antes de 1971, quando um país tinha um déficit na sua balança de pagamentos, ele teria que pagar com as suas reservas estrangeiras, na sua maior parte com ouro. Nos anos de 1950, 1960 e no início dos anos de 1970, o déficit na balança de pagamentos dos EUA era devido a gastos militares; então, o estoque de ouro dos EUA diminuía cada vez mais, porque, à medida que os EUA gastavam dinheiro, os dólares eram convertidos na moeda local no Vietname e no Sudeste da Ásia. O Vietname e o Sudeste da Ásia eram colônias francesas; eles mandavam os dólares ao seu escritório central na França, e o General de Gaulle decidia: vamos pegar esses dólares e trocá-los por ouro. Então, os EUA pararam de pagar em ouro. De repente, o que as pessoas iriam usar para liquidar os déficits na sua balança de pagamentos? Como resultado disso, os EUA – que tinham sido tão fortes na Segunda Guerra Mundial – controlavam o comércio mundial de petróleo. O petróleo era precificado em dólares, assim como a maioria dos produtos, então os EUA continuaram a gastar dinheiro no exterior e até aceleraram os seus gastos militares no exterior, de modo que estavam bombeando mais dólares na ponta da economia mundial. Mas, o que ocorreu com estes dólares? As pessoas os recebiam; elas entregavam os dólares ao seu banco central para trocá-los pela moeda doméstica – sejam marcos alemães, ou francos suíços, ou seja lá o que for. E o que os bancos centrais faziam com os dólares? A fim de evitar que as suas moedas subissem de preço, eles reciclaram os dólares nos EUA e compraram bônus do tesouro estadunidense. Então, efetivamente, os EUA estavam pegando uma carona internacional e simplesmente imprimiam mais dólares, e os outros países acabaram mantendo as suas economias em dólares. Imagine que você vá a um armazém e faça as suas compras assinando um IOU (literalmente: “Eu lhe devo”, como uma duplicata). Aí você volta na semana seguinte para assinar um outro IOU; e o dono do armazém diria: “Espere um minuto. O que eu vou fazer com estes IOUs? Você pode pagá-los?” “Não, eu não posso. Quem sabe você possa usar estes IOUs para pagar aos seus fornecedores, às pessoas que lhe fornecem os seus vegetais, o seu leite e as suas carnes? Mas, eu não posso pagar”.

Esta é a posição na qual os EUA se encontram. Outras pessoas e países mantiveram as suas poupanças nos EUA, pensando que os EUA eram seguros, porque todos sabem que os EUA podem simplesmente imprimir os seus próprios dólares. Eles não podem ir à falência, porque podem criar quantos dólares queiram, como vimos, com grande facilidade. Então, de repente, os EUA podiam gastar quanto quisessem e os outros países – caso tivessem déficits na sua balança de pagamentos – tinham que pegar dólares emprestados, elevando as suas taxas de juro para poder pegar emprestado. Ao elevar as taxas de juro, eles desaceleravam todas as suas atividades econômicas. Porém, os EUA não precisam elevar a sua taxa de juros, eles podem fazer o que quiserem. É por isso que os EUA são um país excepcional neste momento. Porém, desde que eles começaram a tomar as reservas internacionais da Venezuela e da Rússia, todos estão com medo de manter os seus dólares. Eles estão começando a sair desta posição. Por enquanto, este ainda é um movimento muito lento, porém eles estão saindo a cada mês que se passa. A Rússia, a China e outros países estão substituindo os seus dólares por ouro, ou pela moeda chinesa, ou trocando-os nas suas respectivas moedas. Isto ainda está ocorrendo muito lentamente; porém, surpreendentemente, a guerra do presidente Biden, a guerra da OTAN na Ucrânia e a tomada das reservas estrangeiras da Rússia acabou com esta carona grátis! Pense sobre o fato que a única coisa que os EUA tentariam fazer era esta ideia de subscrever dívidas sem ter ideia alguma de como repagá-las. Bem, de repente, os outros países estão sacando o seu dinheiro. Eles estão se livrando do dólar; e se eles não usam o dólar e começam a denominar o seu comércio, digamos, entre a Índia e a Rússia em rublos e na moeda indiana, ou na moeda chinesa, então eles não terão necessidade de ter dólares e este não terá caronas grátis. Como é que os EUA poderão ser capazes de gastar com as suas quase 800 bases militares em todo o mundo, se o dólar decresce de valor, porque, de repente, as pessoas estão tratando os EUA como um país do terceiro mundo?

DRAITSER: Michael, isto tudo soa bem, mas o retrocesso disso seria que nenhum investidor no mundo veria a China como um lugar seguro para deixar o seu dinheiro. O mercado de bônus do tesouro dos EUA ainda segue sendo aquele ao qual as pessoas recorrem para depositar os seus ativos, a sua riqueza, para se protegerem da instabilidade global etc. A China não parece estar interessada em adotar um modelo de mercado aberto. Então, a ideia de a China, ou um banco patrocinado pela China, de alguma maneira se apresentará como uma alternativa verdadeira ao sistema capitalista autocentrado dos EUA parece ser uma ideia um pouco improvável, não? 

HUDSON: Você tem razão, a China não tem intenção alguma de se tornar um lar para os empréstimos de outros países. Ela quer minimizar. Se a China fosse fazer o que os EUA fizeram e criar ela mesma um veículo para investimentos, então os dólares dos EUA e as libras esterlinas e outras moedas fluíram para ela e, então, a China teria dívidas. Se você deposita dinheiro num banco, este é um risco, porque o banco lhe deve dinheiro. A China não quer dinheiro algum de investidores estrangeiros privados, e não quer prover um paraíso seguro para investidores estrangeiros. Então, quando as pessoas falam sobre o banco dos BRICS, elas não estão falando, de maneira nenhuma, sobre um banco para investidores privados. Elas estão falando sobre um meio de liquidar déficits de balança de pagamentos entre governos. Este banco existirá somente para que os governos criem os seus próprios direitos de saque, ou para arranjar as suas próprias trocas de moedas. Os investidores privados continuarão a investir e depositar os seus dinheiros em papéis financeiros do tesouro dos EUA, porque o tesouro dos EUA pode guardá-los e continuar a imprimi-los. Esta ainda é a medida de valor através do qual o petróleo e as matérias-primas e os minerais e os filmes serão transferidos. Então, você tem aí uma bifurcação entre um sistema monetário que funciona apenas para governos e um sistema monetário que funciona para o setor privado.

DRAITSER: E um dos aspectos desta bifurcação, ou a sua divisão, realmente se destacou desde a invasão da Rússia na Ucrânia – com esta ideia do imperialismo financeiro dos EUA. Eu penso que isso é algo ao qual muitas pessoas não prestaram a atenção devida na década anterior. Os EUA tentaram fazer isto com a Venezuela. Vimos isto com o Irã e uns quantos outros países: o congelamento das reservas, as sanções e todas as outras ferramentas que o tesouro dos EUA usa. Então, a minha pergunta para você é: Será que o imperialismo financeiro dos EUA, ou as ferramentas da hegemonia dos EUA do lado financeiro, expuseram demais os EUA no mundo – na sua visão?

HUDSON: Aqui está o problema: a maior parte das dívidas do Sul global, da América Latina e de todos os países, estão denominadas em dólares dos EUA. A ideia das dívidas é que elas acumulam juros e você deve mantê-las rolando. Você tem que pagar juros e amortizações – exatamente como se tivesse uma hipoteca. Tudo isto está chegando a um ápice, como eu disse, neste outono, porque, se você é um país latino-americano médio, ou africano ou do Sul da Ásia, alguma coisa deve se perder. Você não consegue comprar os seus alimentos e a sua energia e pagar a sua dívida externa, então haverá uma ameaça de falência; se há uma ameaça de falência, então toda a superestrutura das dívidas garantidas por bancos – com os seus derivativos apostando se as dívidas serão pagas, ou não; qual será o valor das dívidas. Você terá algo como o que ocorreu nos anos de 1980, depois que o México não conseguiu pagar a sua dívida: as taxas de juros para o Brasil e a Argentina subiram até 45% e as taxas de juro no México sobre as dívidas em dólar sobre as dívidas do governo subiram 22%. Algo parecido com isso ocorrerá novamente.

Os preços de papéis financeiros destes países diminuirão. Estes países dirão à Rússia, por exemplo: nós gostaríamos de comprar o seu petróleo, vocês sabem que nós não seguiremos as sanções dos EUA. Nós gostaríamos de comprar os seus grãos. E eles dirão à China: nós queremos comprar os seus produtos manufaturados. A Rússia e a China podem dizer: “Nós gostaríamos de lhes emprestar dinheiro e depois vocês nós repagarão, porque nós sabemos que vocês não tem o dinheiro agora; mas, se nós lhes emprestamos o dinheiro, não vemos como vocês conseguirão nos repagar; o dinheiro que nós lhes emprestaríamos para comprar o nosso petróleo e os nossos alimentos seria apenas o suficiente para que vocês possa, pagar as suas dívidas em dólar. Por que nós quereríamos fazer algo assim?” Esta é a crise que ocorrerá no outono. As pessoas terão que decidir: podemos declarar falência nas dívidas em dólar? Se eles declararem falência, o que farão os EUA? O Brasil poderia dizer: “Nós fazemos parte do banco dos BRICS e eles vão nos emprestar o dinheiro, mas nós não podemos lhes pagar em dólares”. Então, os EUA dirão: Vocês sabem se vocês fizerem isto, nós imporemos sanções sobre vocês”. E o Brasil dirá: “Se vocês impuserem sanções sobre nós e vocês não puderem comprar as nossas exportações, então vocês estarão fazendo mal apenas a vocês mesmos! Vocês causarão danos aos seus próprios exportadores e vocês estarão nos levando a países que exportarão por nós.” E os EUA terão que dizer: “Quem nós devemos colocar em primeiro lugar? Quais são os interesses que nós vamos resguardar? Serão os nossos detentores de papéis em dólar nos bancos, ou serão as nossas corporações que fazem as exportações para estes países?” Alguma coisa deve ceder. Não há dinheiro suficiente para comprar as nossas exportações e também pagar os nossos detentores de papéis. O que vai acontecer? Ninguém sabe, mas é disso que se trata a luta.

DRAITSER: E sobre o seu ponto sobre o imperialismo financeiro: Penso que pela primeira vez, ou pela primeira vez de notável exemplo, os EUA fabricaram uma falência econômica importante. E é isso que está acontecendo com a Rússia. Eles estão alegando que a Rússia faliu na sua dívida, mas isso é porque eles impediram que a Rússia pagasse efetivamente aquela dívida, porque a dívida deve ser paga em dólares, e os russos não podem fazer isso por todas as razões que são óbvias. Então, a pergunta é: Você acredita que isto causará uma quebra da fé nos EUA como um parceiro de boa vontade para outros países que também podem se encontrar na sua mira?

HUDSON: Todos estão falando sobre isso. Isso é exatamente o que se trata nas reuniões do Sul Global, incluindo até a Arábia Saudita – que é um dos maiores detentores de dólares. Eu falo sobre isso e é disso que tratou o encontro do presidente Biden com Mohammed bin Salman al Saud (MSB). Todos se dão conta que chegamos ao final de um ciclo inteiro de expansão – expansão de dívidas – que começou em 1945, quando quase todo o mundo emergiu da guerra sem dívidas do setor privado. Agora há uma enorme dívida do setor privado. As dívidas do governo se reduziram muito, porque não havia guerra. Mas, agora há uma dívida governamental só para financiar o fracasso dos países do Sul Global em se desenvolver. Alguma coisa deve ceder. E não era isso que se supunha que devesse acontecer, segundo o livro-texto; mas é isso que está acontecendo. Na verdade, o meu livro trata sobre as diversas dinâmicas que estão moldando a maneira pela qual o mundo se dividirá nestes dois blocos separados de comércio e investimentos.

DRAITSER: A pergunta final é: Considerando a guerra na Ucrânia, com todo o tumulto em volta desta, e, obviamente, tudo que ocorreu desde o início da pandemia do COVID-19, a perturbação das cadeias globais de fornecimento e todas estas coisas – será que isto significa que chegamos ao que pode ser chamado do fim da era neoliberal globalizada?

HUDSON: Certamente. Se você lê os discursos do presidente Putin, do presidente Xi, os discursos dos indianos dos últimos dois anos, todos eles se deram conta que a globalização acabou e, especialmente, se você leu o que presidente Biden e Donald Trump disseram. Donald Trump disse que agora nós estamos terminando a globalização. Estamos colocando os EUA em primeiro lugar. Em qualquer acordo que fizermos, os EUA ficam no topo – e isto é tudo. Foram os próprios EUA que levaram à quebra da globalização, ao se tornarem tão exploradores e unilaterais com outros países, de ganhar às custas de outros países; e os outros países são levados a se protegerem com a desdolarização. Todos estão falando sobre a desdolarização, talvez já há 3-4 anos; porém, ninguém esperava que os próprios EUA liderariam a desdolarização durante o governo Biden. A expressão usada para isso é “dar um tiro no próprio pé”. Basicamente, é isso que os neocons estão fazendo no governo Biden. Tanto do ponto de vista dos EUA quanto o da China, da Rússia, da Índia, do Irã e dos países dos BRICS, há um interesse comum para que eles sigam o seu próprio caminho.

DRAITSER: Mas, na verdade, isso não foi um produto das forças capitalistas que estavam por trás de Trump e daqueles elementos que Trump representava? Quero dizer que, claramente, havia uma divisão no capital. Você tem um capital neoliberal globalizado que se opunha a Trump e um monte destas ideias; e, depois, você teve uma formação de capital petroquímico doméstico que apoiava Trump – as indústrias poluentes sujas, a indústria da construção, os pequeno-burgueses, os donos de pequenos negócios, etc. Esperando não ser marxista demais sobre isso, para mim isso representou uma divisão dentro da classe dominante. Uma divisão dentro da classe capitalista, mais do que se fossem os EUA decidindo seguirem no seu próprio caminho.

HUDSON: Na verdade, a divisão que você descreve é entre os fornecedores de matérias-primas – petróleo, gás, mineração e monopolistas – por um lado, contra a indústria do outro lado. Estamos, estamos de volta à luta que se supunha que o capitalismo industrial faria para varrer os interesses dos rentistas; e os rentistas estão reagindo. E a pergunta é: Será que os EUA podem se tornar uma economia próspera só ganhando dinheiro financeiramente? E só ganhar dinheiro controlando os monopólios pelos quais outras pessoas tiveram que pagar comissões especiais, e custos de monopólio como se estivessem pagando por um file de Hollywood, por direitos intelectuais, por tecnologias da informação? Será que um país pode preservar o seu padrão de vida e ficar mais rico sem indústria? A resposta que vimos com Trump é: “Nós somos o país, o 1%. Nós podermos enriquecer, os 99% talvez não. Então, quando dizemos que os EUA ficam mais ricos, queremos dizer que as nossas empresas, no nosso setor – não o povo. O povo na verdade não cabe na equação sobre a qual estamos falando”.

Então, sim, há uma luta entre quais empresas predominarão e se os EUA serão uma sociedade de rentistas? Será que Biden nomeará reguladores antimonopólio para reduzir os custos? Será que os EUA podem continuar a funcionar tendo 18% do seu PIB indo para cuidados de saúde, ao invés de prover custos de saúde mais baixos? Como pode a indústria estadunidense, e inclusive companhias de tecnologia da informação, competir se tiver um overhead tão caro com cuidados de saúde que as pessoas devem pagar; se têm um custo tão caro de aluguéis ou compra de habitações que as pessoas devem pagar? Será que os EUA podem ficar ricos só com os ganhos de capital para as suas ações e papéis de empresas imobiliárias? Esta é a pergunta. A ideia do século XIX é que não – era disso que tratava o feudalismo. Ela não pode sobreviver desta maneira. Então, será que os EUA podem ter um novo feudalismo para o seu 1% e sobreviver, de alguma maneira? Esta é a questão.

DRAITSER: Suponho que esta seja a pergunta de US$ 25 trilhões, não é? 

HUDSON: Sim.

DRAITSER: OK, vamos parar por aqui. Michael Hudson, muito obrigado por ter sido tão generoso com o seu tempo. Eu sei que eu o segurei por mais tempo que eu disse que o faríamos. Michael Hudson é o presidente do Instituto para o Estudo de Tendências Econômicas de Longo-Prazo. Ele é um economista e um autor e tem muitos livros no seu nome. Obviamente, eu recomendo o seu livro 'Super Imperialismo' para compreender tantas destas dinâmicas e o seu mais recente livro 'The Destiny of Civilization: Finance Capitalism, Industrial Capitalism, or Socialism'. Adquira o seu ebook da editora CounterPunch, adquira a sua cópia impressa em capa dura em qualquer lugar onde se vendem livros. Michael Hudson, como sempre, muito obrigado por estar no CounterPunch e por nos ajudar a entender todas estas questões.

HUDSON: Fico feliz de que conseguimos cobrir o assunto como o fizemos, grato.

DRAITSER: Muito obrigado a você e aos ouvintes, grato como sempre e conversaremos mais na próxima vez.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO