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Ideias

Sergey Lavrov: a Diplomacia Russa num Mundo em Mudanças

Estamos vivendo em uma época de mudanças geopolíticas históricas

O chanceler russo, Sergey Lavrov (Foto: Divulgação)
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Artigo de Sergey Lavrov, ministro de Relações Exteriores da Federação Russa, originalmente publicado na revista Razvedka em 24/3/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Para mim é um privilégio submeter este artigo à revista de notícias Razvedka e compartilhar com os seus leitores a minha compreensão dos atuais desenvolvimentos internacionais, bem como as prioridades da política externa da Rússia.

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Estamos vivendo em uma época de mudanças geopolíticas históricas. “A mudança de eras é um processo doloroso, embora seja natural e inevitável. Um futuro arranjo mundial está se conformando à frente dos nossos olhos”, disse o Presidente Vladimir Putin.

Atualmente, a multipolaridade emergente constitui uma tendência-chave nos assuntos internacionais, como assinalei em múltiplas ocasiões. Novos centros de poder na Eurásia, na Ásia-Pacífico, no Oriente Médio, na África e na América Latina alcançaram resultados impressionantes em várias áreas, guiados pelo seu compromisso com a autossuficiência, a soberania estatal e as suas singulares identidades culturais e civilizacionais. Isto coloca no lugar fatores objetivos para a emergência de uma nova ordem mundial multipolar — uma estrutura mais resiliente, justa e democrática que reflita o direito natural e inalienável de todas as nações a determinarem os seus futuros, bem como de escolherem os seus   próprios modelos de desenvolvimento interno e socioeconômico.  Diga-se de passagem, há políticos no Ocidente que estão começando a aceitar esta realidade, mesmo que relutantemente. Por exemplo, o presidente da França, Emmanuel Macron falou em múltiplas ocasiões sobre o fim da hegemonia ocidental em assuntos internacionais, mas, a verdade seja dita, tudo isto ocorreu antes que ele se juntasse às fileiras da coalizão pró-Ucrânia arquitetada por Washington para contra-atacar a Rússia, Este é um assunto separado que um diagnóstico correto pode não traduzir em uma prática, ou remodelar o pensamento sobre uma política exterior baseada nos princípios da lei internacional, da segurança igual e indivisível. Ao contrário, o chamado ocidente coletivo liderado pelos EUA está fazendo tudo para reviver o modelo unipolar, que já se acabou. Eles querem forçar o mundo a viver numa ordem baseada em regras centradas no Ocidente que eles próprios inventaram,  enquanto buscam punir aqueles que discordam dessas regras, mesmo se ninguém jamais as tenha visto e não estejam em lugar algum para serem encontradas.

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Nós jamais tivemos quaisquer ilusões sobre com quem estamos lidando. Ficou claro para nós que, depois que a Guerra Fria acabou, Washington e os seus satélites da OTAN buscavam a hegemonia total e queriam resolver os seus próprios desafios de desenvolvimento às custas dos outros. A agressiva expansão Euro-Atlântica e da OTAN para o leste se tornou parte integral desta política egoísta, executada apesar das promessas políticas dadas à União Soviética de não expandir a OTAN, bem como contrárias aos compromissos aprovados no mais alto nível com a OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) de abster-se de buscar reforçar a própria segurança às custas de outros estados.

A OSCE e as reuniões de cúpula Rússia-OTAN adotaram múltiplas resoluções proclamando que nenhum grupo singular de estados ou alguma organização pode arcar com a responsabilidade básica por manter a paz e a estabilidade na região, ou de ver qualquer parte  da região a sua esfera de influência, mas estes documentos foram pisoteados. Durante estes anos, a OTAN tem se movido na direção oposta.

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Durante anos, o Ocidente persiste nos seus esforços para penetrar no espaço político pós-soviético e em construir o chamado eixo de instabilidade ao longo das fronteiras da Rússia. Os EUA e os países da OTAN sempre viram a Ucrânia como uma das ferramentas que eles podiam usar contra a Rússia. A fim de completar a transformação dos nossos estados vizinhos em anti-Rússia, os mágicos ocidentais arquitetaram e, depois, apoiaram um golpe de estado inconstitucional em Kiev em 2014. Este golpe foi encenado, apesar da Alemanha, a Polônia e a França terem agido como fiadores de um acordo político pacífico entre o governo e a oposição.

Durante oito anos, o Ocidente não só ficou cego ao genocídio do povo do Donbass, mas encorajou abertamente as preparações do regime de Kiev de usar forças armadas para tomar estes territórios. Uma ilustração disso foi o recente reconhecimento feito por Angela Merkel e François Hollande, que admitiram que eles só precisavam do Pacote de Minsk para dar tempo a Kiev de aumentar as suas capacidades de combate. Mais um dos signatários daquele documento, Petr Poroshenko, fez uma admissão cínica sobre isso. Isto não é mais do que evidências da hipocrisia do establishment político ocidental e do regime que eles alimentaram em Kiev.

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Os verdadeiros objetivos dos políticos ocidentais foram manifestos novamente em dezembro de 2021, quando Washington e Bruxelas rejeitaram as propostas da Rússia de prover garantias de segurança concernentes à região à oeste das fronteiras da Rússia.

É óbvio que a situação na Ucrânia e ao seu redor é apenas um elemento de colisão em larga escala criada por um pequeno grupo de estados ocidentais que queriam manter a sua dominação global e fazer retroceder o processo objetivo do surgimento de uma arquitetura multipolar. Agindo segundo as piores tradições coloniais, os estadunidenses e os seus cachorrinhos estão tentando dividir o mundo em “democracias” e “regimes autoritários”; ou, em linguagem simples, em uns poucos selecionados, que são excepcionais, e os demais, que devem servir aos interesses do “bilhão dourado”. Em última análise, a essência desta filosofia cínica tem sido expressa pelo chefe da política exterior da União Europeia (UE), Joseph Borrell, que disse: A Europa é um jardim. O resto do mundo [...] é uma floresta”. Este foi um lapso freudiano que expôs as reais intenções deles.

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Não é surpresa que ameaças e chantagens tenham sido usadas não só contra a Rússia, mas também contra muitos outros estados. A meta estratégica da dissuasão sistêmica da China foi formulada, incluindo-a como parte das chamadas estratégias Indo-Pacíficas. A prática maliciosa de interferir nos assuntos internos de estados, incluindo o fraterno estado da Bielorrússia, não parou. O bloqueio comercial e econômico de longos anos contra Cuba não foi suspenso. Há muitos outros exemplos deste tipo. Tudo considerado, agora ninguém está a salvo dos assaltos e ataques em estilo-gângster dos EUA e dos seus satélites.

A fim de garantir a adoção de uma pauta internacional segundo os seus interesses, Washington e Bruxelas estão tentando “privatizar” organizações internacionais e fazê-las servirem aos seus interesses mercenários. Eis aqui alguns exemplos. Foram atribuídas funções ao Secretariado Técnico da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW — Organization for the Prohibition of Chemical Weapons) que não estão dentro do seu escopo; o Conselho da Europa foi transformado em um instrumento de políticas anti-Rússia e, na verdade, em um apêndice da OTAN e dos EUA. A situação da OSCE, que foi criada para conduzir um diálogo europeu honesto, é quase a mesma. Esta organização sediada em Viena se tornou uma agência marginal na qual o Ocidente acumula lixo e mentiras para afogar os princípios básicos do Ato Final de Helsinki. É óbvio que a OSCE não pode mais tratar de assuntos sérios da segurança europeia. O Ocidente continua com os seus esforços para eliminar as habilidades restantes da OSCE, em especial, ao iniciar uma “comunidade política europeia” que está fechada à Rússia e à Bielorrússia.

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Atualmente, as nossas relações com os EUA e a UE estão no seu nível mais baixo desde o fim da confrontação bipolar. Quando a operação militar especial começou, o Ocidente declarou uma guerra híbrida total contra a Rússia. A sua meta é nos derrotar no campo de batalha, destruir a economia russa e minar a nossa estabilidade política interna.

Chegamos às conclusões necessárias disto. Não haverá mais “business as usual”. Nós não bateremos na porta fechada, muito menos faremos concessões unilaterais. Se o Ocidente cair sem si e oferecer uma retomada de contatos, nós veremos o que exatamente eles oferecem e agiremos baseados nos interesses da Rússia. Quaisquer acordos hipotéticos com o Ocidente devem ser legalmente vinculativos e devem incluir um mecanismo simplificado para a sua verificação.

Para dizer a verdade, nós não temos mais quaisquer ilusões sobre uma convergência com a Europa, de sermos aceitos como parte de “um lar comum europeu”, ou de criarmos um “espaço comum” com a UE. Todas estas declarações feitas em capitais europeias resultaram ser um mito e uma operação de bandeira-falsa. Os recentes desenvolvimentos demonstraram claramente que a rede ramificada de comércio e investimentos econômicos mutuamente benéficos entre a Rússia e a UE não eram uma rede de segurança. A UE não pensou duas vezes sobre o sacrifício da nossa cooperação energética, que era um pilar da sua prosperidade. Vimos que as elites europeias não têm independência e sempre fazem seja lá o que for que são ordenados a fazer por Washington, mesmo se isto resulte em danos diretos para os seus próprios cidadãos. Nós consideramos esta realidade no nosso planejamento de política externa.

Continuamos a escrutinar as perspetivas e a conveniência de sermos membros de mecanismos de cooperação internacional nos quais o Ocidente pode manipular as regras de procedimento e os secretariados, para forçar estes mecanismos de cooperação a adotarem a pauta mercenária do Ocidente, em detrimento das prioridades da Rússia e da interação igualitária. Em especial, nós nos retiramos do Conselho da Europa e de diversas outras agências.

Estamos trabalhando com os nossos parceiros internacionais confiáveis para fazermos a transição para acordos de comércio exterior em moedas não-dólar e não-euros e para criarmos uma infraestrutura interbancária e outros laços financeiros e econômicos que não serão controlados pelo ocidente.

Se o ocidente decidir abandonar a sua linha russofóbica e optar por uma cooperação igualitária com a Rússia, isto beneficiará a eles, acima de tudo. No entanto, nós somos realistas e sabemos que este cenário é improvável para o futuro próximo. Além disso, grandes esforços serão necessários para conquistar de novo a nossa confiança. Washington e Bruxelas terão que trabalhar duro para fazê-lo.

Existem muitos parceiros no mundo além dos EUA e da UE. Este é um mundo global e multipolar. As tentativas de isolar a Rússia, de construir uma cerca em torno dela e de transformá-la numa pária falharam. A maioria global dos países, onde vivem uns 85% da população mundial, não estão dispostos a tirar castanhas fora do fogo para os seus antigos estados coloniais. A comunidade internacional não se inspira mais no Ocidente, o qual o Presidente Putin habilmente descreveu como “o império das mentiras”, como a verdade última, ou o ideal de democracia, liberdade e prosperidade.

Neste contexto, a diplomacia russa está implementando uma política externa independente, autossuficiente e multi-direcional e está fortalecendo os seus esforços em todo o mundo. Estamos impulsionando a nossa parceria estratégica com a China, que é um fator de equilíbrio em assuntos internacionais. As atuais relações entre Moscou e Pequim são as melhores da nossa história. Estamos trabalhando consistentemente para reforçar as relações de parceria estratégica com a Índia e fortalecendo os laços com o Brasil, o Irã, os Emirados Árabes Unidos, a Turquia, a Arábia Saudita, a África do Sul e muitos outros estados amigos. A segunda Reunião da Cúpula Rússia-África, que está programada para se realizar em São Petersburgo em julho de 2023, ampliará as relações entre a Rússia e a África.

A cooperação dentro do Estado de União entre a Rússia e a Bielorrússia continuará a se fortalecer e alcançar novas alturas. A União Econômica Eurasiana (EAEU — Eurasian Economic Union) é uma das associações regionais que mais rapidamente cresce e a Rússia a preside neste ano. Os extensivos laços internacionais da EAEU são provas eloquentes da eficácia e relevância daquela associação. A cooperação na Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO — Collective Security Treaty Organization) permanece sendo um fator de estabilidade regional. A cooperação na Comunidade de Estados Independentes (CSI — Commonwealth of Independent States) também está progredindo — incidentalmente, a CIS declarou 2023 como o Ano da Língua Russa como Língua de Comunicação Interétnica.

A Organização de Cooperação de Xangai — OCX e os BRICS são exemplos vívidos da diplomacia multipolar, de parcerias mutuamente benéficas e equânimes na Eurásia e no mundo. Não há “líderes”, nem “seguidores” dentre os seus membros, porquanto as decisões são tomadas por consenso. Estas são plataformas nas quais países com diferentes sistemas econômicos e políticos, com os seus próprios valores e paradigmas civilizatórios, cooperam eficazmente em vários campos e formatos. Um crescente número de países buscam estabelecer laços com estas associações, ou tornarem-se membros plenos delas. Isto também comprova o seu crescente prestígio.

A Rússia continuará a promover uma pauta unificadora na arena internacional, a contribuir para o fortalecimento da segurança e estabilidade global, para a resolução política e diplomática de numerosas crises e conflitos. Juntamente com estados de mesmas mentalidades, nós temos a intenção de nos esforçarmos para a efetiva aplicação dos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas — incluindo a igualdade soberana dos estados e a não-interferência nos seus assuntos internos. Em geral, nós temos a intenção de contribuir para a democratização da vida internacional, para a formação de uma ordem internacional atualizada, baseada na regulação legal internacional e não na força.

Obviamente, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia não está isolado da turbulência geopolítica global. A campanha russofóbica em larga escala teve uma… direct bearing… nas equipes das nossas missões no exterior. Agora, estas trabalham naquilo que equivale um ambiente extremamente desafiador, colocando algumas vezes a sua saúde e a suas vidas em risco. Mesmo nos dias mais obscuros da Guerra Fria, as equipes diplomáticas não enfrentaram tantas expulsões em massa.

Nesta situação, nós tivemos que mudar todo os nossos serviços de política externa a uma estrutura operacional especial. Nossos diplomatas continuam a desempenhar os seus deveres profissionais em boa-fé, diligente e completamente. Eles estão fazendo todo o possível para defender os direitos e os interesses dos cidadãos russos e dos compatriotas no exterior, bem como para promover os interesses das empresas russas.

Seguindo adiante, nós manteremos a mesma abordagem ágil para adaptar os recursos humanos do Ministério às mudanças tectônicas pelas quais o mundo está passando. Caso seja necessário, nós despacharemos prontamente as nossas equipes diplomáticas para onde estas forem mais necessárias.

Nós damos uma atenção especial a assegurar a continuidade das gerações. Tenho o prazer de assinalar que cada vez mais pessoas querem se tornar diplomatas. A cada ano, criativos líderes jovens se tornam membros da nossa amistosa família do Ministério das Relações Exteriores após graduar-se com títulos em relações internacionais e terem sucesso nos testes adicionais pelos quais devem passar para conseguir este trabalho. A Universidade MGIMO do Ministério de Relações Exteriores e a Academia Diplomática seguem sendo a coluna vertebral nas nossas instituições educacionais.

O constante automelhoramento e ser capaz de estar atualizado com os tempos é um pré-requisito importante para ter sucesso no Ministério de Relações Exteriores. A Academia Diplomática oferece uma série de cursos especializados de treinamento profissional a cada ano. Os diplomatas russos sempre foram famosos pelas suas excelentes habilidades linguísticas, incluindo linguagens raras. O Ministério das Relações Exteriores oferece Cursos Superiores de Treinamento em Linguagem, uma ferramenta maravilhosa para melhorar as habilidades linguísticas da pessoa.

O Ministério e as suas missões no exterior persistem nos seus esforços para fazer o uso máximo da diplomacia digital, da internet e das mídias sociais e para aproveitar o seu potencial para comunicar o ponto de vista da Rússia sobre os desenvolvimentos atuais à mais ampla audiência internacional. Temos a intenção de intensificar os nossos esforços nesta frente promissora, empregando métodos e abordagens criativas e inovadoras.

Obviamente, a educação patriótica da juventude também tem sido importante. Este esforço se encaixa no escopo do Conselho dos Veteranos, da Associação dos Diplomatas Russos e do Centro para a História do Serviço Diplomático Russo. O Conselho de Jovens Diplomatas do nosso Ministério realiza múltiplas iniciativas educacionais e de caridade. Vale assinalar que enviamos muitas vezes auxílios humanitários para as crianças do Donbass. Nós faremos tudo o que for possível para assegurar que a experiência diplomática forme um nexus com o poder criativo das pessoas jovens.

Para terminar, eu gostaria de desejar aos leitores da revista boa saúde, bem-estar e tudo de bom.

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