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Ideias

Talvez a civilização tenha sido um erro; capitalismo destrói o planeta, diz Eve Ottenberg

Escritora aponta que grandes bilionários, em sua busca insaciável por mais lucros, vão acabar destruindo a humanidade e a sociedade regressará à época dos coletores e caçadores

(Foto: Reprodução | Reuters)
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Artigo de Eve Ottenberg* originalmente publicado no CounterPunch. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Talvez a Civilização Tenha Sido um Erro, ao Final de Contas

A Humanidade Será a Barbárie?

A civilização foi possivelmente um erro. Ela levou ao capitalismo há quinhentos anos e isso, sem dúvida, foi absolutamente um erro. O capitalismo agora consome o planeta. Ele se expande sobre a face da Terra como um câncer em metástase, aquecendo a atmosfera até níveis insuportáveis e, a seguir no ritmo atual, pode muito bem destruir o nosso mundo dentro de outros quinhentos anos. Faríamos bem em substitui-lo por algo que não torne o planeta inabitável. Mas o que será isso? Bem, dos 200 mil anos nos quais os humanos habitam neste planeta, 95% daquele tempo nós fomos caçadores coletores. Nós tínhamos uma saúde melhor e mais longevidade do que os nossos descendentes agrícolas que dominaram por milênios antes do arranjo atual e desafortunado, com menos patriarcado, vivendo sem uma autoridade direta sobre nós e, um fator crítico, nós não devastamos a Terra.

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O novo livro de Michael Yates, 'Work, Work, Work', referencia esta ancestralidade humana caçador-coletora, apesar que ele claramente gostaria de substituir o capitalismo pelo socialismo, ao invés de retornar à sabedoria dos nossos antepassados nômades. Porém, nós podemos não ter muitas escolhas. Desde o meu poleiro na galeria do amendoim, eu gostaria de assinalar que o socialismo é tão provável quanto coletar raízes e cascas de árvores. A lavagem cerebral global contra o socialismo e o comunismo pode ter tido sucesso apenas no Ocidente, mas este é o lugar responsável por vomitar milhares de toneladas de carbono na atmosfera (apesar da China ter nos alcançado rapidamente) e, portanto, de aquecer tanto que derrete a calota polar de gelo. Pergunte a uma ideóloga, como a presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy “Agora Nós Somos Todos Capitalistas” Pelosi, e você encontrará o entusiasmo dela pela medicina socializada em condições de igualdade com a ansiedade dela de procurar o jantar dela na floresta.

E, depois, há o senador Marco “Bombardear os Porta-Aviões Chineses” Rubio. Ele está pronto, estrondosamente, para ir à Terceira Guerra Mundial – a qual, segundo as estimativas mais recentes, faria morrer de fome cinco bilhões de pessoas através do inverno nuclear e deixaria o resto de nós... a caçar na floresta, à busca de galinhas para comer, enquanto consultamos os nossos guias de comidas selvagens sobre quais são os cogumelos que não são venenosos. Talvez nós possamos simplesmente deletar o passo da guerra nuclear e pular diretamente para uma cultura caçadora-coletadora. Haveria muito menos perigo-amarelo e deslumbres racistas, desapontando, assim, os demagogos do Partido Republicano e certamente muitos mais sobreviventes.

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Mas, claramente, Rubio estará de volta com o retorno no tempo ao nosso passado de caçadores-coletadores - a questão é saber como ele planeja nos levar até lá, que é questionável; efetivamente, tenho certeza de que ele preferiria nozes, tuberosas e rizomas, sendo que o estado socializado pagaria a conta da habitação, a medicina e a educação. Mas, na verdade, seja como for, ele não precisa se preocupar. Ele provavelmente não se alimentará com espigões imaturos dos pântanos. Os altos congressistas provavelmente poderão reivindicar beliches confortáveis no bunker do apocalipse nuclear do governo e regalar-se com leite evaporado e milho em lata durante alguns anos - algo com que nós, proletários, só poderemos sonhar enquanto coletamos umas poucas frutas silvestres que consigam crescer com a luz solar limitada pelo inverno nuclear e colher alguns dentes-de-leão para saladas. Portanto, não causa espécie que Rubio queira a guerra com a China. Diferentemente de oito bilhões de outras pessoas, a pele dele não estará em jogo. De quem foi a brilhante ideia de mandá-lo ao congresso, para começo de conversa? Provavelmente os mesmos imbecis que votaram na atual grande campeã dos imbecis, a senadora Marsha “Que Venha o Armageddon” Blackburn – que recentemente nos informou que Taiwan “declarou a sua independência”. Se isto tivesse ocorrido, também teria havido uma invasão chinesa da ilha e a inevitavelmente fútil, idiota e radioativa resposta militar dos EUA. “Taiwan tem o seu próprio presidente, forças militares e uma constituição. É óbvio que se trata de um país independente”, segundo Blackburn – que também bateu no seu peito e anunciou que “eu não tenho medo de Xi Jinping”.

Contrastando com isso, você tem que admirar os socialistas, como Yates. Eles se agarram à verdade e denunciam a guerra sempre que esta chega. O seu novo livro desmonta e, depois, demole qualquer mito que qualquer idiota possa nutrir sobre a dignidade do trabalho sob o capitalismo. Ele também reconhece como o capitalismo envenena o planeta. “A mudança radical não é utópica; ela é necessária”, escreve ele. “Nenhum programa liberal ou social-democrata tem qualquer chance de evitar a nossa aniquilação”. Isto é, a aniquilação da mudança climática, gente, a qual – caso você não tenha ouvido falar – está nos matando. Atualmente, ela afoga pessoas nas enchentes, ou as mata através da prostração de calor, ou daquelas anomalias de eventos climáticos que ocorriam uma vez em cada milênio e que agora viraram rotina. Porém, lembre-se, a catástrofe climática recém está se preparando. E Yates sequer aborda o potencial fiasco nuclear global de uma guerra por procuração dos EUA com a Rússia, nem uma guerra direta e total com a China – como querem os Republicanos. O socialismo radical que Yates diz que nós precisamos, pressupõe nos tornarmos completamente verdes e descartar todas as armas de destruição em massa.

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E quem é a ponta de lança deste socialismo radical? Não só os três a quatro bilhões de trabalhadores do mundo, mas também os dois bilhões de camponeses do mundo, os muitos desempregados, quem sabe quantas donas de casa, todos que se arranjam através da participação na economia informal, todos os 1,46 bilhões deles e os coletores e caçadores indígenas; em resumo, a vasta e monstruosa maioria da humanidade. E já que o capitalismo cicatrizou promiscuamente a Terra e os seus povos – lembrem-se, bilhões, despossuídos por este arranjo econômico e político – qualquer nova ordem anticapitalista terminaria com a propriedade privada dos meios de produção, incluindo a terra.

Yates lista outros arranjos que, idealmente, terminariam: “Produção para o lucro. A obsessão com o crescimento econômico sem fim. A exploração do trabalho assalariado. A expropriação das terras dos camponeses, dos espaços urbanos e rurais comuns, o trabalho e os corpos das mulheres, dos corpos negros e todas as formas de patriarcado e racismo. A pilhagem privada do mundo natural. O imperialismo.” E mais ainda. Examinando esta lista das coisas que devem ser terminadas, é impossível não se concluir que os oligarcas bilionários não desistirão de tudo isto sem uma briga. Os trabalhadores dos pampas infestados de plutocratas dos EUA, que já estão sitiados, têm uma batalha gigantesca à sua frente.

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“É preciso ousadia e coragem para atacar o capital”, escreve Yates. “Porém nós devemos atacar. Este sistema é um desastre humano que se prova todos os dias de ser incapaz de satisfazer as nossas necessidades mais básicas.” Ao invés disso, ele envenena a terra e torna bilhões de pessoas destituídas, aqueles que, de alguma maneira, lutam para sobreviver com alguns dólares ao dia, ou menos. “A implicação de tudo que está dito neste livro é que a classe trabalhadora deve mudar o mundo. Não há outra escolha.” Porque o capital certamente não o fará.

Os ricos se beneficiam da atual catástrofe ecológica e econômica. Eles não se importam se os derrames de petróleo poluem terras indígenas em algum canto longínquo do globo, ou se um milhão de crianças trabalhadoras definham em minas, fábricas e campos de fazendas em todo o mundo. E, lembrem-se, mesmo para os adultos, o trabalho “é uma experiência letal de destruição de almas”. Isto se deve porque “a maioria dos trabalhadores fazem trabalhos difíceis e perigosos, desgastando os seus corpos a cada minuto que labutam, com medo do dia no qual serão descartados.” Isto inclui aquele milhão de crianças. Mas os plutocratas não se importam com isso. Eles garantem o seu. Yates diz que o mesmo é válido para a confortável classe média em lugares como os EUA.

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Neste ínterim, em outras partes do mundo, as coisas só vão de ruim para pior. Veja, por exemplo, a Ucrânia: destruída de todas as maneiras devido à sua associação com o Ocidente. Bem, eles acabam de proibir os sindicatos de trabalhadores. Uma outra grande ideia neoliberal ocidental. Em 23 de agosto, chegaram as notícias que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky ratificou a Lei 5371. Como resultado disso, os sindicatos não protegem mais os trabalhadores – os quais perderam o direito de negociar coletivamente. Assim, além de servirem como buchas de canhão para a insana guerra por procuração do Ocidente com a Rússia, os ucranianos comuns agora são desafortunadas vítimas da guerra de classes, do neoliberalismo solto e enlouquecido.

Como todos podem ver, os oligarcas bilionários do mundo permanecem ocupados em travar aquela guerra de classes onde puderem, E eles, sem dúvidas, preferem destruir o mundo ao invés de sacrificarem um iota dos seus privilégios. Isso é algo que eles são perfeitamente capazes de fazer. Se não for uma guerra nuclear com a Rússia ou com a China, as nossas elites minarão quaisquer mudanças radicais a fim de evitar a catástrofe climática que está ocorrendo agora, muito mais rápido até do que os cientistas mais pessimistas previram.

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Afora a catástrofe climática do capitalismo, há muitas outras boas razões para terminar com este arranjo sádico. Yates observa que as empresas usam os empregados como máquinas. “Isso é profundamente anti-humano. Não é só que os empregadores exploram os trabalhadores. Ao invés disso, eles consomem os trabalhadores e, neste processo, os insensibilizam. E quando o capital não tem mais o que tirar deles, as cascas dos seres humanos são simplesmente descartadas e novos indivíduos são postos a trabalhar.”

Assim sendo, o capitalismo queima o mundo natural, queima os trabalhadores e, não nos esqueçamos, infla uma mortífera e multibilionária indústria de armamentos. “Na ausência de potentes forças contrárias, o mercado não só reproduz desigualdades, mas as aprofunda – como vemos tão claramente nos EUA nos últimos cinquenta anos”, escreve Yates. “Quanto maior é a desigualdade de renda dentro de um estado, mais alta é a taxa de mortalidade.” Isto ocorre porque “não são os CEOs e os gerentes que sofrem de depressão, hipertensão e infartos por ficarem demasiado tempo no trabalho. Ao invés disso, são os trabalhadores na linha de montagem, a secretária e os funcionários da cozinha”. E isso, adiciona Yates, é só no país mais rico. As lesões de classe “se tornam verdadeiramente demoníacas ao sairmos das nações ricas e irmos aos países pobres.” E os bilionários naqueles países pobres vivem como reis.

Restam apenas alguns poucos sindicatos radicais nos EUA, tendo conseguido sobreviver a vilificações políticas e a histeria anticomunista no século XX. Um destes sindicatos radicais, o 'United Electrical Workers' liderou a luta por direitos trabalhistas durante a pandemia da COVID. No início da pandemia, Yates cita os líderes da UE: “o nosso sindicato... a UE conclamou todos os trabalhadores, sejam os nossos membros ou trabalhadores não-sindicalizados, a ficarem firmes e lutarem”. Isto foi quando o vírus era novo e o nosso governo ainda não estavam saciados de forçar os empregados a se exporem a uma doença letal. Agora, tal exposição é esperada. Assim sendo, se pede mais abertamente do que o usual que os trabalhadores morram pelo capitalismo e pelas pilhas de dinheiro que enriquecem os donos da sua operação.

O problema mais espinhoso é como arrancar o controle da aristocracia capitalista. Yates lista três elementos importantes em qualquer movimento de trabalhadores: ação direta, organização dos trabalhadores e esforço político. “A ação direta é frequentemente caracterizada, até mesmo pela esquerda, como tumulto desenfreado, sem limites nem regras. Este jamais é o caso.” Neste contexto, Yates menciona os movimentos 'Occupy Wall Street' e 'Black Lives Matter”. Ele também menciona diversas vezes os impressionantes serviços comunitários realizados nos anos de 1960 e 1970 pelo Partido dos Panteras Negras. Estes três movimentos também compartilham uma avaliação aguçada do inimigo, cuja iniquidade talvez esteja mais bem registrada num outro livro de um outro esquerdista engajado, o 'Veias Abertas da América Latina', de Eduardo Galeano.

Jamais subestime a maldade dos ricos. Eles preferem nos legar nuvens em formas de cogumelos [atômicos] do que renunciar a um yacht. Da minha parte, penso que é chegada a hora de começarmos a aprender a identificar as plantas selvagens comestíveis. Alguém se interessaria por um jantar de flores selvagens refogadas?

*Eve Ottenberg é uma novelista e jornalista. Ela escreve regularmente no website CounterPunch e outras publicações online. Seu livro mais recente é 'Hope Deferred'. Seu website é: http://www.eveottenberg.com/.

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