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Arlindo Falco Junior

Arlindo Falco Junior é engenheiro

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1977 e o King Kong

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O ano começou quente pois saímos do ano anterior com um gosto ruim na boca pelo massacre da Lapa em dezembro.  Em 30 de março tínhamos   planejado fazer uma manifestação no centro de São Paulo na secretaria de educação. Erasmo Dias, o secretario de segurança mobilizou um enorme aparato repressivo e ocupou  a região e os pontos de acesso. Acabamos indo em passeata até o Largo de Pinheiros. Era a primeira vez depois de muito tempo que isso ocorria. A temperatura estava subindo, em abril é outorgado o Pacote de abril, que  fechou o congresso nacional e instituiu os senadores  biônicos para as eleições de 78. No 1 de maio prisões de estudantes e operários  durante uma manifestação no ABC. O caldo esquentou e em 5 de maio uma grande manifestação estudantil no centro de São Paulo com 10000 estudantes, onde distribuímos dezenas de milhares de carta aberta a população feita pela diretoria do DCE Livre da USP- Alexandre Vannucchi Leme. Tínhamos perdido o medo e a revolta contra as arbitrariedades prevaleceu. A população disputava avidamente o panfleto. Um belo registro deste momento foi feito, " o apito da panela de pressão". Memorial da Democracia - Soa o apito da panela de pressão

Foi como um fosforo  em capim seco. Mudou o clima da cidade, a repercussão foi imensa.

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Dia 19 no dia nacional de luta, manifestações em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador etc. milhares de estudantes ocuparam as ruas contra a ditadura. O ministro da justiça, Armando Falcão exigiu que os governadores reprimissem os protestos. Nem isso refreou nosso animo, pelo contrario. Aquilo que se iniciou em São Paulo se espraiou pelo país inteiro.  

As eleições do DCE vieram logo após em 2 de junho. Fomos reeleitos e desta vez não teve roubo de urnas como em 76 pelo DOPS. Comemoração nem pensar, mal foi decretado o resultado Lais, Paulo Sergio, Aloisio e eu embarcamos num fusca onde rumamos em direção a Belo Horizonte se realizaria o III ENE. Na estrada já sentimos o clima, barreiras da repressão paravam os ônibus e caso fossem de estudantes  obrigados a voltar. Já em Belo Horizonte nos dividimos, fui para a Faculdade de Medicina para o III ENE  e eles ficaram auxiliando nos protestos. Lá estava Jânio  , presidente do DCE da UFMG,  para nós logo ficou claro o nosso destino pelos contatos que fizemos.  Sentamos um gramado, ao meu lado estava Gilvania, uma mineira forte. Ficamos no aguardo de nosso destino . Fomos todos presos encaminhados para a Gameleira, um parque de exposições agropecuárias. Para eles éramos isso: bois e vacas. Centenas de estudantes  presos e muitos, inclusive eu, enquadrados na LSN. Não nos demos por perdidos, o III ENE foi reconvocado para setembro em São Paulo.

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A coisa não parou, em 15 de junho  dia nacional de luta , em São Paulo marcamos para a praça Fernando Costa, com a repressão pegando pesado passeatas relâmpago tomaram o centro de São Paulo. A cidade virou uma praça de guerra, as rádios noticiando e só pararam as 18^30 h por ordem do ministro da Justiça. Uma coisa que ajudou muito na mobilização foi uma proposta feita na diretoria do DCE e encaminhada a assembleia  de irmos disfarçados de casais de namorados para despistar. Não me lembro de qual menina foi, Laís, Bea, Veroca, Maria Clara ,Ieda, Carmem. Meninas danadas, sabiam tudo de mobilização. Deu tão certo que muitos casais estão "disfarçando" até hoje.

Em 11 de agosto ocorreu o ato publico na faculdade de direito no Largo São Francisco com a presença de professores, estudantes e representantes da sociedade civil com milhares de pessoas e onde o professor Gofredo da Silva Telles leu a "carta aos brasileiros". Coube-me representar o DCE. Inadvertidamente esqueci de aquecer a voz com meu indefectível rabo de galo. A coisa era dura, falar para milhares sem microfone não era fácil. Nas passeatas  então tinha que ter, quem reproduzisse o que estava sendo falado para os detrás. Acabei minha intervenção com uma voz de taquara rachada. Foi um excelente ato porem, por tudo que havia passado , para mim parecia um almoço na casa dos avós num fim de semana. Saindo das Arcadas, dirigimo-nos até a tribuna livre, mais discursos.  Estava conversando com Roge Ferreira sobre a recriação da UEE-SP que ocorreria dias depois, ele tinha sido seu primeiro presidente na década de 40, quando olho para a rua e vejo um caminhão chegando com uma enorme replica do KING KONG com uma faixa no peito estampando " ERASMO DIAS". O filme estava estreando e a replica estava na frente de um cinema como propaganda. O pessoal foi lá e pegou emprestado para a manifestação. Saímos dali em passeata pelas ruas de São Paulo com aquele troféu.

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No dia 23 de agosto novo dia nacional de luta, em São Paulo ocorreram inúmeras passeatas relâmpago , uma delas cercou um contingente da PM, estávamos em maior numero, 5000 contra algumas dezenas. Para a repressão a nossa flexibilidade tática era um tormento, tinham que dividir o efetivo e acabavam enfrentando situações como essa. Do alto dos edifícios vertiam cascatas de papel picado, era a forma dos que estavam nos escritórios  participar. Não precisávamos de pesquisas, mediamos a adesão por atos de solidariedade como esse, lojas que fecharam abriam a porta para abrigar manifestantes  da policia. O chão algumas  ruas  ficaram coalhadas de papel. Era nosso carnaval antecipado.

De tudo que foi escrito em 77, para mim, o documento que causou o maior impacto na sociedade foi a " Carta Aberta a População" distribuída em 5 de maio. Como não possuo nenhum exemplar resumo em minha mente em duas palavras: BASTA e CORAGEM. Disse coisas que a sociedade precisava e queria ouvir. Não fosse ela acompanhada das mobilizações estudantis seria mais um documento a ser arquivado nos escaninhos. Estava na Monfarrej , já em 78, numa panfletagem e parei numa birosca. Um operário se aproxima e saca da carteira um papel velho. Era a "Carta". Nunca o tinha visto porém para ele com minha aparência, cabeludo e barbudo, só podia ser estudante.  Tinha guardado e mostrado a  colegas de trabalho e familiares. E fez questão de falar que gostou, Ele passava pelo centro no dia  recebeu o panfleto e assistiu de longe os acontecimentos.

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Claro que a "Carta aos Brasileiros" também foi importante. Falava com outro publico.

As duas tinham diferenças estilísticas. Por diferença de estilo refiro-me ao sentido lato. A do DCE tinha emoção que a outra não tinha. Emoção de raiva causada pelas bombas de gás lacrimogênio que nos fazia lacrimejar como se tivéssemos descascado um caminhão de cebolas. O perfume era único. Nada comparado ao de um bom desodorante ou de uma boa colônia e permanecia muito mais tempo no corpo, impregnava as roupas. Era uma mistura de suor, gás lacrimogênio, gás de pimenta e sangue. Tinha percussão marcando o ritmo. Percussão das explosões das bombas de efeito moral e do tropel de cavalos. Tinha corais de vozes, nada de uma voz monocromática. Corais de multidões entoando palavras de ordem a plenos pulmões acompanhados de sirenes dissonantes das viaturas e dos latidos estridentes dos cachorros da policia. Ah não faltava rabo de galo.  A outra estava mais para um bom Romanée-Conti. Como vemos são poucas as diferenças e todas de estilo.

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No dia 27 de agosto realizou-se o congresso de reconstrução da UEE-SP. Foi eleito presidente Paulo Massoca, estudante de São Carlos da EESC-USP, Paulo foi meu colega de turma, dileto amigo e enfrentamos poucas e boas juntos.

No dia 20 de setembro teve um ato publico na Medicina da USP na Dr,  Arnaldo, era véspera da realização do III ENE. A PM de Erasmo Dias tentou invadir a faculdade de medicina e prendeu vários estudantes. Erasmo Dias estava determinado a impedir a realização do  III ENE. Seria para ele ele uma tremenda desmoralização, e não seria a primeira.

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Na manhã de 22 de setembro realizamos o encontro na surdina e criamos a comissão pro-UNE, enquanto isso na PUC-SP acontecia uma assembleia geral onde foi comunicado a realização do III ENE  e a criação da comissão pro UNE. Gol de placa  com a bola no meio das pernas. Imaginem a reação do KING KONG quando foi comunicado por seus olheiros. Foi marcado  para  a noite uma comemoração. A PM de Erasmo Dias invade a PUC. Usaram uma munição que até então não tinham utilizado, Bombas de fósforo branco, uma espécie  de napalm, dezesseis foram feridos  sendo que :  Graziela Eugênio Augusto, Iria Visona, Maria Cristina Raduan e Maria Virgínia Finzetto em estado grave. FIzeram centenas de presos e 7 enquadrados na LSN.

A truculência inaudita foi um choque e causou profunda revolta.

De volta para São Carlos vimos que tínhamos que fazer algo. A truculência na PUC nos tocou de uma forma particular. Maria Cristina Raduan uma das sequeladas foi esposa de José Eduardo Vieira Raduan. Raduan tinha sido presidente do CAASO, o melhor de todos, e era nosso líder. Ele estava nos EUA estudando. Infelizmente nos deixou muito cedo esse grande amigo, vitimado em um acidente aéreo.

Marcamos uma passeata.  Na véspera do ato o Jornal da Tarde estampava em manchete: " SÃO CARLOS DESAFIA ERASMO DIAS", seguido de uma longa entrevista com ele. A manchete não correspondia aos fatos. Não passava pela cabeça de nenhum de nós desafia-lo. O que queríamos, e nunca ocultamos era sim derrubar a ditadura  e ele como um esbirro iria junto. Porque para nós, utilizando as palavras do Dr. Ulisses Guimarães no discurso na promulgação da constituinte de 88.Temos ódio a ditadura. Ódio e nojo.

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