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Roberto Ponciano

Escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia. Doutorando em Literatura Comparada

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2013, o ano que não acabou, ou o complexo de Peter Pan da ultra-esquerda brasileira

Um presidente neoliberal não lutaria para estender direitos previdenciários mínimos para uma categoria de mais de 3 milhões de trabalhadores

Luiz Inácio Lula da Silva e apps da Uber e 99 (Foto: Ricardo Stuckert/PR | Reprodução)
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Queridos, isto vai só contra a realidade e não é nenhuma defesa da precarização de minha parte. A precarização do mundo do trabalho não vai ser estancada por nenhuma lei! É óbvio, que, quando estamos no governo, faremos o possível para estender direitos a todos os trabalhadores. O que provoca a precarização do trabalho é a modificação na estrutura de produção do próprio capitalismo. A mudança da estrutura produtiva do modelo fordista para o modelo toyotista é irreversível. Isto tem repercussão absoluta na organização do trabalho, na composição orgânica do Capital durante a produção, na taxa decadencial do lucro, na necessidade de aceleração da produção e na expulsão de enormes contingentes de mão de obra de reserva do círculo da produção propriamente dito, para círculos periféricos.

O que se convencionou chamar de “setor de serviços” hoje é um conglomerado de serviços que vai desde as antigas profissões liberais, passando por setores marginais e inclusive ligados ao crime (jogos legais e legais, prostituição, tráfico e suas várias formas de lavagem de dinheiro) e todo tipo de bico transformado em “empreendedorismo”. Não tem lei que dê conta de transformar em relação de trabalho vinculado e ligado à produção o que por sua organização não o é.

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Motoristas de aplicativos, inclusive os de Uber, são uma reação ao desemprego estrutural e em massa, e se constituem lutando exatamente contra o trabalho formalizado pelo Estado através das concessões municipais dos táxis. O Uber, ainda que seja uma empresa transnacional multibilionária que explora um aplicativo, trabalha com pessoas que trabalham para si mesmas e utilizam o aplicativo para acessar as corridas dos passageiros. É louvável o esforço de qualquer governo em regularizar e taxar estas empresas, mas não muda a natureza deste trabalho.

Na verdade, nem mesmo os motoristas de aplicativos estão em um processo de formalização em que queiram se transformar em “trabalhadores formais empregados numa empresa chamada Uber”. Vai contra o próprio pensamento “empreendedorista” da maioria deles. É uma relação mitificada e sofisticada, em que a extração de lucro do aplicativo se dá através de uma ideia de que cada um destes trabalhadores isolados é seu próprio patrão (fetichismo) e dono de sua própria jornada. Inexiste um movimento majoritário de motoristas de Uber para isto, para que se vejam como classe na luta contra um patrão multinacional. Há um movimento que dê um lado quer garantias mínimas, mas, de outro lado exige taxações mínimas, menores que as dadas aos táxis, para que eles possam continuar “competindo no livre mercado”.

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A luta de classe nesta categoria multifacetada, que não se organiza coletivamente e não produz consciência proletária em sua jornada diária, está muito longe de ser uma luta anticapitalista.

Não, caros amigos Peter Pan extremistas, não é Lula que serve de pelego para evitar uma luta capital x trabalho, é a nova organização precária do trabalho no capitalismo, caótica e multifacetada que oculta esta relação.

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Aí, eis que surge um projeto, no Congresso, para regulamentar as relações entre Uber e motoristas de aplicativos. Sim, caros, o melhor dos mundos e o programa máximo seria regulamentar de forma a transformar a relação Uber x motoristas numa relação formal de trabalho efetiva empresa versus trabalhador, disto ninguém tem dúvidas. A questão preliminar é que sequer esta é a reivindicação dos trabalhadores, que não se veem como trabalhadores stricto senso, em sua maioria. De um lado, pedem a regulamentação para que possam efetivamente trabalhar em municípios onde leis próprias coíbem o trabalho uberizado, restringindo o transporte complementar somente aos táxis regulamentados pelas prefeituras, e que haja garantias mínimas para que possam exercer esta função. Não é um trabalho com uma carreira, ascensão funcional, objetivos definidos, projetos. Continua sendo um trabalho individual precário.

O projeto de lei do governo Lula, tímido sim, é o adequado para passar num congresso ultraconservador que não aceita pautar nenhum projeto de contrarreforma da previdência ou contrarreforma trabalhista. O Congresso onde a esquerda Peter Pan quer que Lula implante uma regulamentação máxima ao trabalho precário dos motoristas de Uber é o mesmo que não aceita devolver a integralidade da pensão às viúvas pobres do Brasil, ou diminuir o tempo de contribuição para a aposentadoria!

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O simples fato de o projeto regulamentar os direitos sociais e previdenciários dos motoristas e exigir uma contribuição mínima à multinacional é um tremendo avanço. O argumento de que a Uber aceita o projeto como está, em lugar de mostrar como o governo Lula está recuado, mostra como a ultradireita apenas coloca proposições fora da realidade. Se temos um projeto que vai ser combatido pela ultradireita no Congresso e o governo conseguiu negociar um acordo com a empresa maior afetada, fazendo com que ela aceite a taxação e passe a contribuir para o caixa geral da previdência, só mostra como a Esquerda Peter Pan, inebriada pela possibilidade de lacrar nas redes sociais, não tem nenhuma preocupação que consigamos sobreviver a estes quatro anos de cerco e derrotemos novamente o fascismo, intentando reeleger Lula e reeleger um Congresso menos reaça.

O projeto prevê uma contribuição de 20% patronal calculada em cima dos 8% dos trabalhadores da Uber (quase o triplo), gerando receita para o combalido caixa da previdência, que é um sistema solidário que não serve só para aposentar o motorista uberizado, serve para pagar a pensão do idoso e da idosa que nunca contribuiu, mas que está em situação de miséria (BPC) ou daqueles que não podem trabalhar por algum tipo de doença e tem renda familiar inferior a ¾ do salário-mínimo. Se fosse só por isto, e se o projeto fosse só isto, ele já seria progressista.

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O argumento de que não reconhece “vínculo patronal” para rejeitar o projeto é um argumento que elide as correlações de força no Congresso Nacional. O projeto que, em tese, não reconhece o vínculo, obriga a UBER e outras plataformas a descontar compulsoriamente o INSS, a partir daí motoristas de aplicativos estarão inseridos em todos os direitos previdenciários, podendo requisitar não só a aposentadoria, mas requerer que sejam pagos os dias parados causados por quaisquer doenças. De outro lado, a arrecadação compulsória previdenciária será um termômetro para parametrizar e fiscalizar os lucros e remessas da Uber e de outras empresas do Brasil, sendo uma forma de monitoramento para impedir evasão fiscal.

Não é o melhor projeto do mundo, mas sim é um avanço e não, um presidente neoliberal não lutaria para estender direitos previdenciários mínimos para uma categoria de mais de 3 milhões de trabalhadores.

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O resto é lacração e síndrome de Peter Pan.v

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